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| Fotografia da minha autoria |
Os livros da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) são um dos meus desejos de consumo. É certo que ainda só li nove, no entanto, quero continuar a enriquecer-me com as suas obras que abordam sempre temas fascinantes, de um modo apelativo e esclarecedor. Uma vez que também adoro a forma de narrar do Nelson Nunes, não podia perder a oportunidade de ir descobrir o retrato que escreveu para a FFMS.
compreender as vozes da abstenção
O Tanto Que Grita Este Silêncio traz para o centro da discussão um assunto que ainda é bastante tabu na nossa sociedade: a abstenção. Antes de avançar, permitam-me abrir o jogo e confidenciar que a prática do abstencionismo é algo que me faz confusão, até porque o meu primeiro pensamento vai para todos aqueles que, durante anos, lutaram para que tivéssemos voz, para que tivéssemos a possibilidade de escolher. Só que viver em democracia é, também, entender que há várias tonalidades dentro desta questão.
Aquilo que o autor faz neste livro é, em primeiro lugar, dar espaço para «que os reais protagonistas do abstencionismo em Portugal» partilhem as suas motivações e, em segundo, levar o leitor a refletir sobre o peso do voto, sobre aquela que pode ser ou não a sua responsabilidade cívica e sobre a importância de se ouvir antes de julgar. Optar por não votar não significa, automaticamente, que a pessoa é desinteressada ou que não se procura informar. Pelo contrário, pode estar tão esclarecida que abster-se é a sua forma de protestar, de mostrar que está insatisfeita com o nosso sistema político.
«Quando a comunidade tem a sensação de ser deixada ao abandono enquanto vê a sua zona de habitação desagradar-se desta forma, não é de espantar que a crença em quem gere a nossa vida em sociedade vá pelo cano abaixo»
Eu sei que continuarei a preferir inscrever a minha cruz no boletim de voto, contudo, ler estes testemunhos alargou-me horizontes, porque compreendi melhor algumas argumentações, porque consegui colocar-me no lugar destas pessoas e perceber que, perante tudo aquilo que viveram, seria quase desumano pedir-lhes para continuarem a acreditar. E a maneira como preferem demonstrar essa descrença não é menos válida do que a minha, apenas diferente e com outro tipo de repercussões. Claro que também encontraremos pessoas que não querem votar por desinteresse, ainda assim, acho que fica claro que precisamos de ir com calma na utilização de argumentos como serem «pessoas quem não ligam a política» ou serem ignorantes. Nestas conversas, não foi isso que encontrei: muito pelo contrário, li discursos de quem se mantém informado.
O Tanto Que Grita Este Silêncio é um exercício de tolerância, de consciencialização e de sentido crítico, que «procura suprir uma lacuna no debate na esfera pública». Além do mais, mostra-nos que não vale a pena atribuir culpas quando há uma responsabilidade coletiva, uma vez que «o desinteresse e o desligamento dos abstencionistas» também se deve à própria postura dos políticos, por vezes tão distantes dos eleitores na forma como expõem os seus discursos. Amor Towles escreveu que «o silêncio também pode ser uma opinião», portanto, para que exista uma democracia autêntica e inclusiva é necessário estar atento, cativar e não tratar quem não vota como se fosse um marginal.
notas literárias
- Lido entre: 17 e 18 de setembro
- Formato de leitura: Digital
- Género: Não ficção
- Pontos fortes: Escrita clara, o tema, a tolerância e a abertura para o debate
- Banda sonora: Medo do Medo, Capicua | Silêncio e Tanta Gente, Milhanas | Quanto Mais Eu Grito, Tara Perdida | Que Força é Essa, Sérgio Godinho







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