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Fotografia da minha autoria |
O desejo de ser mãe foi-se esfumando com o tempo. Se calhar, durante a adolescência, essa ideia era mais nítida por sentir que crescer também passaria por essa etapa, mas crescer é compreender que não somos feitos dos mesmos desígnios e que vamos tendo voz para fazer prevalecer as nossas vontades. Hoje, quando me perguntam se quero ser mãe, a resposta é negativa, mas não inflexível. Só que isso não significa que não me interesse pelo assunto, ainda para mais, se for escrito pela Susana Moreira Marques.
experiências amplas e intimistas
Quanto Tempo Tem Um Dia compila a experiência da autora em relação à maternidade, mas também inclui perspetivas de outras mães. Apesar de existirem elos transversais, as histórias são sempre diferentes, únicas e irrepetíveis, por esse motivo, atenta aos «detalhes mais reveladores do quotidiano, aos pequenos e grandes gestos», traçou um retrato franco acerca do lado previsível e imprevisível de ser mãe, do quanto 24 horas não parecem ser suficientes para tudo o que é preciso manter a funcionar e, ainda, sobre como esta experiência pode ser revestida de angústias e alegrias, em simultâneo.
Acredito que há coisas que, inevitavelmente, só entendemos a fundo se as sentirmos na pele, no entanto, gosto muito da forma como a autora nos consegue incluir a todos nestes retratos, como torna tudo claro e sem impor um caminho único. Aquela é a sua realidade, é a experiência de tantas outras mulheres que foram e são mães, mas abre-nos a porta sem reservas, sem desconsiderar quem esteja longe daquele ambiente. Por isso, em parte, tornou-se fácil ser transportada para as suas inquietações, para as suas observações e para a exigência de, perante várias dinâmicas, se manter em equilíbrio.
«Naquela altura, atraíam-me histórias - reais, mas pouco documentadas - de mulheres que talvez não se tivessem cumprido, que se perderam sem sair de casa, de artistas que não fizeram arte, de escritoras que não escreveram. Sabia, demasiado bem, que podia vir a ser uma dessas mulheres.»
Sinto, ainda, que esta obra não se restringe ao ser mãe: não só porque estabelece um paralelismo com a sua infância e o papel de filha, mas também por incluir a perspetiva de quem tem um enteado - e o limbo que povoa sempre essa relação. Além disso, transcende para o papel da mulher e das famílias em todo o processo. Embora haja um toque muito pessoal, gostava que alguns pensamentos fossem mais aprofundados.
Quanto Tempo Tem Um Dia é feito de detalhes, das memórias que ficam gravadas para sempre, e levanta questões muito importantes acerca da gestão e perceção do tempo, da perda de identidade e da necessidade de conciliar todas as outras áreas da sua vida.
notas literárias
- Gatilhos: Luto
- Lido entre: 22 e 23 de abril
- Formato de leitura: Físico
- Género: Não ficção
- Pontos fortes: A escrita sempre próxima e o facto de intercalar diferentes experiências
- Banda sonora: Parto Sem Dor, Capicua | Mãe, Milhanas | Mundo Visto do Colo, Rita Redshoes | Canção de Embalar, José Afonso | Que Nome Lhe Vamos Dar, Sara Tavares