O nome de Clarice Lispector, quando firmei a minha relação com a leitura, passou a povoar o meu imaginário, mas fui rejeitando a ideia de a ler porque, enquanto um dos nomes maiores da literatura brasileira, sentia que não teria competências suficientes para entender a mensagem. No entanto, a curiosidade foi aumentando e as novas edições da Companhia das Letras foram o gatilho que precisava para pôr de lado os meus receios.
um livro onde parece caber o mundo inteiro
Água Viva não tem um enredo propriamente dito. Através de uma voz feminina, de quem nunca sabemos o nome, transitamos entre a inquietação e a letargia, entre a natureza e a humanidade, entre um espírito livre e uma alma amargurada. Esta personagem-narradora escreve uma carta a alguém e, para além de se colocar inteira nesse processo, desprende-se de qualquer máscara.
Sem estar certar de estar a conseguir acompanhar a dimensão das suas reflexões, senti-me logo presa às suas palavras, ao tom do seu discurso, como se estivesse num interminável fluxo de consciência. Em simultâneo, achei fascinante a sua capacidade para explorar temas distintos, encadeando-os como se fossem um só - ou várias ramificações do mesmo.
«Ouve-me, ouve meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa»
Em Água Viva, senti que esta mulher estava sempre no limiar da vertigem, por isso, sofri pelo momento em que se pudesse fragmentar. É tudo tão intenso, visceral, que quase podia explodir. Ao reivindicar o seu tempo e o seu espaço, ao escrever sobre arte e processos criativos, transgride inúmeras fórmulas, transmitindo a sensação de que neste livro cabe o mundo inteiro.
Nota:Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand
Fotografia da minha autoria
é escuro o que me pesa no peito
um longo inverno que se abateu
como se fosse feita de nevoeiro
e se o nevoeiro se cerra
já não me resta uma passagem
a céu aberto
só meia dúzia de objetos
inanimados, pousados na estante
sem histórias para contar
Fotografia da minha autoria
A ideia de me juntar à tradição de ler Emily Henry na primavera, altura em que tem publicado, acelerou o reencontro com as suas histórias. Aliás, à custa disso, desafiei-me a ler uma por mês, até chegar à mais recente. E, como decidi fazê-lo pela ordem em que saíram, recuei a 2022 e fui descobrir o seu primeiro romance.
as histórias que esperam ser contadas
Romance de Verão é um clássico «enemies to lovers»: January é romancista e otimista, enquanto Augustus fez todo o seu trajeto na ficção literária e sem finais felizes. Os seus percursos já se tinham cruzado na faculdade, alicerçado numa certa rivalidade, e reencontram-se quando a protagonista se muda para a casa do pai que acabou de perder. Uma vez que estão a passar por um bloqueio criativo, fazem uma aposta: «trocar de género literário e ver quem é publicado primeiro».
Estava a precisar desta leveza da Emily Henry, mas confesso que tive sensações antagónicas com o enredo: por um lado, achei tudo muito rápido, desnivelado, com pouco espaço para explorar os traumas que habitam as personagens e, por outro, fiquei fascinada com tudo o que dizia respeito ao luto, à amizade, ao processo literário. A parte do romance foi, portanto, a que me interessou menos, mas sinto que a autora trouxe um brilho diferente ao que fugia desse centro.
«Fiz o que qualquer mulher adulta e razoável teria feito quando confrontada com o seu rival de faculdade que se tornou seu vizinho. Escondi-me atrás da estante mais próxima»
Romance de Verão não me mudou a vida, mas lê-se bem. Peca por não sustentar melhor algumas decisões narrativas, contudo, deixou-me a pensar que nem sempre conhecemos assim tão bem quem nos rodeia.
notas literárias
Gatilhos: Luto
Lido entre: 1 e 3 de junho
Formato de leitura: Digital
Género: Romance
Personagem favorita: Shadi
Pontos fortes: A aposta, o motivo que levou January a mudar-se para a casa na praia, a amizade entre January e Shadi
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Junho passou a revestir-se de saudade, de uma melancolia sobre a qual ainda não sei escrever. Mas também teve reencontros, jantares que foram colo, gestos que nos vão colando os caquinhos, a noite mais bonita do ano e muita música ao vivo. Este mês voou e, ainda assim, coube muita coisa no seu abraço.
as coisas maravilhosas de junho
os fragmentos aleatórios
Vinil de Evermore
A Taylor Swift entrou sempre nas minhas playlists, mas foi com Evermore que me alinhei completamente ao seu estilo musical. Numa ida à FNAC, comentei com a Sofia que gostava de comprar um vinil da Taylor e arrependo-me de não ter filmado a sua reação, porque os olhos dela até brilharam, e deixei-a escolher o vinil que viria comigo para casa. Curiosamente, a decisão final foi o Evermore e achei esta coincidência especial.
Roteiro Gastronómico
A lista nem sempre aumenta porque me esqueço de anotar os nomes no Roteiro Gastronómico. Ainda assim, tanto o Nola Kitchen como o Comfort Cakes estavam à espera de uma visita e fiquei rendida a ambos. A comida é deliciosa e o atendimento foi irrepreensível, já estou em contagem decrescente para regressar.
Outros fragmentos aleatórios: o pão com chouriço do Tradições da Aldeia, fazer iced caramel macchiato, voltar a provar burrata, o manjerico.
A única vez que escrevi sobre os meus favoritos do momento foi em 2021, porque estava tão fascinada com cada um daqueles apontamentos que senti que mereciam um destaque maior. Entretanto, não repeti esse conteúdo, mas voltei a sentir vontade de agrupar coisas que me estão a entusiasmar em diferentes áreas.
os filmes, as séries e os podcasts
O Zé Faz 25
Uma festa de arromba, que começa a incomodar a vizinhança por causa do ruído, leva a polícia até casa da família Valbom. O propósito da festa era a celebração dos 25 anos do Zé, mas há um problema: ninguém sabe do aniversariante. Assim, no decorrer de 8 episódios, o inspetor Durães assume a investigação, interrogando pessoas de interesse para o caso. A ele, junta-se a jornalista Joana Magalhães, «determinada em encontrar a verdade até às últimas consequências». Estou bastante investida neste mistério singular.
Rabo de Peixe
Inspirada em factos verídicos, Rabo de Peixe «lembra cicatrizes», porém, acredito que vai para além do estigma: esta «vila é uma das mais pobres do país e da Europa», mas não é só isso, não é só aquele incidente. As memórias pesam, há problemas que ainda hoje se manifestam em várias famílias, porque as feridas são permanentes, mas a série talvez venha aligeirar o ambiente e reduzir os preconceitos, uma vez que também nos mostra a importância de sabermos quem somos ou quem não queremos ser. Embora ninguém saia ileso - fisicamente ou de consciência - preciso da segunda temporada - opinião completa aqui.
Prata da Casa
Os humoristas Luís Franco-Bastos, Vitor Sá e André Pinheiro juntaram-se ao balcão para falarem sobre futebol, mas com muito entretenimento e desafios à mistura. Sai um episódios novo à quarta-feira e, admito já, o segundo é o meu favorito até agora - apesar disso, acho o conceito excelente e eles encaixam na perfeição.
10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho, Elif Shafak;
Educação da Tristeza, Valter Hugo Mãe.
Outros livros lidos:Romance de Verão, Emily Henry | Que Nós Estamos Aqui, João Tordo | Quem Tem Medo dos Santos da Casa, Sara Duarte Brandão | Querida Tia, Valérie Perrin | Água Viva, Clarice Lispector | Rosa, Sónia Balacó | Sintra, Hugo Gonçalves | A Vida Mentirosa dos Adultos, Elena Ferrante | O Vício dos Livros II, Afonso Cruz.
os momentos
Hotel ao Vivo no Sá da Bandeira
A podsérie saiu do estúdio para o palco, após 6 temporadas e 81 episódios, para uma despedida especial. E isso, por si só, já seria entusiasmante para mim, porque adoro perceber como é que funcionam os projetos que acompanho de perto, mas acresceu o facto de conhecermos a origem de cada personagem e de termos a possibilidade de ver um episódio integral a ser gravado à nossa frente, com toda a adrenalina e eventuais falhas que essa dinâmica possa significar. O LFB já tem muitos anos de experiência a lidar com o público, porém, não deixa de ser uma aventura com outras exigências - experiência completa aqui.
Richie Campbell no Senhor de Matosinhos
O meu coração está em paz com o facto de, gradualmente, ir deixar de ouvir os meus temas favoritos ao vivo, porque ouvi-lo vale por tudo o resto. E que bom que foi voltar a estar num concerto do Richie Campbell, precisava mesmo daquela energia que me transcende. Venha o próximo, para ver «nuvens a transformarem-se em céus azuis» - podem ler a experiência completa aqui.
Solstício - Festival de Música
A Maia quis celebrar o dia mais longo do ano e assinalar a chegada do verão com «um Solstício de boa música portuguesa». E, para isso, convidou o David Fonseca e os GNR. O primeiro artista a subir a palco foi David Fonseca e a abertura do concerto é sempre icónica. É apenas a segunda vez que o vejo ao vivo, mas continuo fascinada com a sua energia, com a forma como nos envolve no espetáculo e como quase nos leva para uma dimensão paralela. Ficamos inebriados com o seu talento e com a narrativa visual. Os GNR são uma das bandas da minha vida e fazem parte de vários momentos do meu crescimento. Já não estava num concerto deles há alguns anos, porém, é incrível como a melodia ecoa e tudo se torna familiar de imediato. Há um toque que é apenas deles - podem ler a experiência completa no número 99 da newsletter.
S. João
O S. João, para além de ser a noite mais bonita do ano, é amor, é família, é abraço apertado. Confesso que dispenso os foguetes, mas os balões que cobrem o céu serão sempre a minha parte favorita, porque há, talvez, um apontamento de esperança entre o momento em que levantam voo e prosseguem viagem. O coração sentiu a ausência, mas ter os meus sentados à mesa dá-me sempre alento. É a magia do S. João.
O bicampeonato do Porto em Hóquei em Patins
A época foi dura e oscilante, mas esta foi, também, a conquista da união. Por mais que tenha parecido que iam bater no fundo, o grupo manteve-se junto e eu sinto um orgulho desmedido nele. Sofri muito, eles ainda mais, mas nunca viraram a cara, mesmo quando as críticas foram extremas (algumas delas injustas). Não acho que a sorte proteja sempre os audazes, mas eles protegeram-se uns aos outros, não largaram a mão e, assim, levantar a taça teve outro brilho. Parabéns, bicampeões, não havia ninguém a merecer mais.
Julho, sê gentil ✨
Fotografia da minha autoria
O saldo literário de junho parece-me bastante positivo. Sinto que passei mais tempo com algumas leituras, nas primeiras semanas do mês, mas consegui ir a todas as que tinha pensado para a tbr e, pelo meio, ainda acrescentei alguns títulos que tinha debaixo de olho, portanto, observo esta travessia com imensa satisfação.
a tbr de junho: expectativa
Querida Tia, Valérie Perrin;
10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho, Elif Shafak;
Água Viva, Clarice Lispector;
A Vida Mentirosa dos Adultos, Elena Ferrante;
Romance de Verão, Emily Henry;
Que Nós Estamos Aqui, João Tordo;
Rosa, Sónia Balacó
a tbr de junho: realidade
As minhas leituras são feitas sem pressas, porém, apesar do mês ter voado, ainda acrescentei à lista anterior:
Piranesi, Susanna Clarke:
Quem Tem Medo dos Santos da Casa, Sara Duarte Brandão;
Sintra, Hugo Gonçalves;
Educação da Tristeza, Valter Hugo Mãe;
O Vício dos Livros II, Afonso Cruz.
algumas curiosidades
Em junho, li:
12 livros: 6 romances, 2 de não ficção, 1 de fantasia, 1 de poesia, 1 de literatura de viagens e 1 de crónicas;
8 autoras e 4 autores: 6 portugueses, uma norte-americana, uma inglesa, uma francesa, uma brasileira, uma turca e uma italiana;
3 autoras lidas pela primeira vez: Susanna Clarke, Sara Duarte Brandão e Clarice Lispector.
Favoritos do mês:
Piranesi, Susanna Clarke;
10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho, Elif Shafak;
Educação da Tristeza, Valter Hugo Mãe.
vamos a contas?
As compras continuam a ser conscientes, mas cheguei à conclusão de que não houve um mês em que não comprasse livros. Apesar disso, a poupança é notória e estou com um bom orçamento para a Feira do Livro.
Comprei 4 livros físicos (o do Diogo Piçarra e os 3 de julho do Livra-te), gastando um total de 70,91€;
Ativei a subscrição do Kobo Plus, que me custou 6,99€. Li 5 eBooks, o que me permitiu poupar 67,84€ (para referência, usei os valores dos livros da Wook);
Comecei junho com 95€ na Apparte. Uma vez que li 12 livros, adicionei 12€, partindo para julho com 107€.
banda sonora
tbr de julho
A Maldição, Lourenço Seruya;
Verão no Lago, Ann Patchett;
A Criada, Freida McFadden;
A Árvore Mais Sozinha do Mundo, Mariana Salomão Carrara;
Desconhecidos Num Casamento, Alison Espach;
Doidos Por Livros, Emily Henry;
Adrenalina, Filipa Leal;
Atmosfera, Taylor Jenkins Reid;
Lobos, Tânia Ganho.
Fotografia da minha autoria
A única vez que escrevi sobre os meus favoritos do momento foi em 2021, porque estava tão fascinada com cada um daqueles apontamentos que senti que mereciam um destaque maior. Entretanto, não repeti esse conteúdo, mas voltei a sentir vontade de agrupar coisas que me estão a entusiasmar em diferentes áreas.
Procuro sempre estar atenta a produtos/conteúdos que saiam da minha bolha habitual, não só para descobrir novas camadas das minhas preferências, mas também para não perder o encanto da descoberta. E acho mesmo que esta lista de favoritos cumpre esses dois propósitos.
um álbum
Ouço música todos os dias e o álbum da Nena, Um Brinde ao Agora, veio posicionar-se num lugar privilegiado, porque adorei a cadência, as letras e a energia. Ao marcar a passagem dos 20 para os 30, abraçou o presente, o amor próprio e as imperfeições e creio que isso é notório nas suas canções - nem todas felizes, nem todas melancólicas. Há um equilíbrio muito interessante entre as histórias que nos conta.
uma música
Richie Campbell é um dos artistas que ouço há mais tempo (há quase metade da minha vida) e um dos meus favoritos. Em abril, lançou Insomnia e, desde então, sou capaz de a ter no spotify em repetição constante.
um sabor
O tempo aquece e a vontade de fazer iced caramel macchiato é imediata. Adoro o sabor e, além disso, fazer esta bebida tem-me permitido experimentar diferentes tipos de café - só aspetos positivos.
um podcast
O Guilherme Fonseca está em contagem decrescente para o próximo solo de stand up comedy, por isso, aventurou-se neste Má Ideia, um podcast que acompanha o seu processo criativo. Estou mesmo encantada com esta dinâmica, até porque nos aproxima dos bastidores sem comprometer o texto que virá a apresentar.
um livro
A minha escolha é incontornável: embora já tenha lido vários livros depois deste, Apesar do Sangue, da Rita da Nova, continua a pairar nos meus pensamentos. Aliás, há alturas em que dou por mim a pensar naquelas personagens e a pensar como é que poderia ser o futuro delas, caso a narrativa continuasse.
uma série
É certo que demorei mais de dois anos a chegar a Rabo de Peixe, mas já só estou em contagem decrescente para acompanhar as temporadas seguintes, porque agrega uma série de assuntos atuais e pertinentes. Ademais, sinto que o elenco foi escolhido a dedo e adoro que a amizade seja uma das valências desta série.
produtos de skincare e maquilhagem
Estou na minha era da skincare e da maquilhagem e, curiosamente, tenho-me divertido neste processo de encontrar os produtos mais indicados para a minha pele, enquanto vou arriscando um pouco mais na forma como me maquilho. Por isso, não fui capaz de escolher um único produto, venho com vários: o Balsamo de Limpeza Facial da Byoma, absolutamente perfeito para remover a maquilhagem, o protetor solar da Garnier, leve e de rápida absorção, as gotas iluminadoras da Essence, com um brilho muito natural, a base da L'Óreal, que se adapta ao tom de pele, batons que nunca são em demasia, a sombra e o lápis de olhos da Mercadona e as máscaras de pestanas de cores diferentes. Além disso, estou a gostar de usar os pincéis da Primark.
uma peça
O meu estilo tem mudado um pouco ao longo dos anos. Sempre procurei peças mais confortáveis, naquele intermédio entre o casual e o desportivo, mas tenho investido em artigos um pouco mais delicados, que me façam sentir bonita. Esta blusa, que combina cores que adoro, segue a narrativa e, não sei porquê, transmite-me muito a sensação de uma viagem a Itália, mesmo sem ter lá ido alguma vez.
um lugar
O Comfort Cakes já estava no meu roteiro gastronómico há algum tempo. Aproveitando que tive folga, acabamos por ir até lá para uma sessão de escrita. Adorei a tranquilidade, as várias salas em que se divide, o facto de ter espaço exterior, o atendimento e, claro, a comida (pedi uma tosta de frango e bacon para o almoço e as panquecas de frutos vermelhos para o lanche) e as bedidas (pink limonade e iced latte). Vejam lá que, sem ser grande fã de queijo, fiquei rendida aos pães de queijo que servem. É mesmo para regressar.
O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá