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Fotografia da minha autoria |
A autora Valérie Perrin escalou para aquele grupo de leitura quase imediata, porque há sempre algo nas suas histórias que me desarma. E, em junho, uma vez que é um dos nomes do desafio literário que tenho com a minha amiga Sofia - 5 autores para 2025 -, fomos descobrir o seu romance mais recente.
pode alguém morrer duas vezes?
Querida Tia coloca-nos na rota de Agnès, uma cineasta a lamber as feridas de um divórcio, quando recebe um telefonema da polícia a informá-la que a sua tia, Colette September, faleceu. Imediatamente, achou que só podia tratar-se de um erro, uma vez que o funeral da sua tia tinha acontecido há três anos. O certo é que esta novidade obriga-a a regressar a Borgonha e a remexer no passado para compreender o que aconteceu.
As narrativas da autora escondem sempre mais camadas do que aquelas que a parecem compor. Na realidade, o telefonema foi apenas o início do novelo que desenrolamos devagar. Depois, descobrimos que Colette, uma apaixonada por futebol e pelo clube local, deixou uma série de cassetes áudio para que a sobrinha ficasse a conhecer a sua história e isso abre uma nova janela de possibilidades. Para quem teve uma vida aparentemente pacata, construída nos bastidores, há muito que lhe desconhecemos.
Achei poética esta ideia de irmos descobrindo a vida de alguém através da sua voz, dos registos que deixou eternizados, mas, por outro lado, também me fez sentir uma certa tristeza, porque cada uma destas memórias (ou uma parte delas, pelo menos) podia ter sido partilhada antes, em vida, se se estreitassem os laços e o conforto da presença. Este é outro dos aspetos que mais aprecio nas obras da autora, pois coloca-nos sempre a meio destes dilemas, mostrando-nos que nenhum caminho é linear.
«Todos nós devíamos gravar para alguém. Para sermos um pouco eternos. No fundo, realizar filmes é a mesma coisa, eternizar-se»
A quantidade de histórias paralelas que o acontecimento central permite explorar traz mais credibilidade e emoção, até porque sustentam atitudes, perdas, crenças e obsessões. Ainda assim, apesar de nos ajudarem a perceber que todos nós temos segredos, partes de vida ocultas, preferia que Valérie Perrin não se tivesse perdido em tantos parênteses, porque acho que isso quebrou o ritmo e fez com que algumas partes importantes ficassem menos desenvolvidas. Não se torna maçador de ler, de todo (e estive sempre investida na história), tenho só a sensação de que polir melhor essas arestas elevaria ainda mais o enredo.
Querida Tia fascinou-me pela vida de Colette (e, sim, revi-me muito na veia de adepta), pelas personagens secundárias que acrescentam sempre um sentido de comunidade e de pertença e por toda a carga humana. Acho que este livro nos inspira a estarmos mais atentos às nossas pessoas, ao mesmo tempo que nos comprova que há pessoas de uma luz inconfundível, florescendo no cuidado silencioso que dispensam a quem querem bem.
notas literárias
- Gatilhos: Luto, violência, linguagem explícita
- Lido entre: 10 e 14 de junho
- Desafio: 5 autores para 2025
- Formato de leitura: Físico
- Género: Romance
- Personagens favoritas: Colette e os amigos de infância de Agnès
- Pontos fortes: Personagens secundárias que elevam a narrativa, os segredos e o mistério e a falsa simplicidade da história, porque há sempre uma camada mais profunda
- Banda sonora: Tata, Slow J | Chopin: Piano Sonata No. 2, Nocturnes, Barcarolle & Scherzo, Frédéric Chopin & Mikhail Pletnev | Dancing Queen, ABBA | Insensiblement, Django Reinhardt | Yellow, Coldplay
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