piranesi, susanna clarke
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Fotografia da minha autoria |
A memória é traiçoeira: já me tinha cruzado com o livro da Susanna Clarke várias vezes, no entanto, por ser de um género no qual me aventuro pouco, nunca acalentei muito a vontade de o ler. Entretanto, é a leitura conjunta de junho no Livra-te, mas nem assim achei que o fosse ler, porque estava convencida de que não o tinha disponível no Kobo Plus e não queria comprar a versão física. Corta para: afinal, estava mesmo no Kobo Plus e gostei tanto que vou querer ter um exemplar.
da confusão ao fascínio
Piranesi habita numa casa invulgar e vai registando «nos seus cadernos de apontamentos» todas as maravilhas desse lugar, desde os labirintos às estátuas, desde «as marés que irrompem escadas acima» até às «nuvens que se deslocam em lenta procissão». Portanto, os seus dias são passados a explorar a casa, a conhecer-lhe os recantos e as histórias ocultas, nem sempre sozinho. E aquilo que parecia um quotidiano tranquilo, começa a dar sinais de uma possível destruição. Será que o mundo que o protagonista conhece esconde estranhos e perigosos segredos?
Parti para a leitura sem qualquer informação adicional e, honestamente, acho que é mesmo a melhor abordagem. Sei que pode ser péssimo para calibrar expectativas, mas, no final, acredito que compensa bastante, porque ficamos mais disponíveis para sermos surpreendidos e não vamos condicionados por pareceres externos, sendo mais fácil para mergulharmos neste universo particular.
«Na minha mente, estão todas as marés, as suas épocas, os seus fluxos e refluxos. Na minha mente, estão todos os salões, a sua sucessão interminável, os caminhos intrincados»
Nunca me senti tão à deriva e intrigada como neste livro. Nas primeiras duas partes, a sensação que tive foi de completo desnorte: para além de não estar a compreender o que estava a acontecer, também não estava a conseguir criar um cenário visual, por isso, temi não me relacionar com a narrativa. Contudo, assim que cheguei à terceira parte desbloqueei uma série de questões e dei por mim a formular teorias, a tentar atar as pontas soltas, a atribuir significados a detalhes que fui anotando. Se fui capaz de estabelecer ligações certeiras? Nem todas, mas a magia também passou por aí, porque Susanna Clarke apresentou uma sequência ainda mais entusiasmante. A certo ponto, senti que não podia confiar em ninguém.
Piranesi deixa-nos sempre no limbo e, depois, arrebata-nos com passagens de uma sensibilidade e beleza desarmantes. Comovi-me em momentos específicos e quis muito salvar o protagonista, mas sem saber se ele precisava de ser salvo. Esta história marcou-me mais do que aquilo que estava à espera e deixou-me a pensar, por um lado, na noção de casa e, por outro, nos mecanismos que a nossa mente arranja para sobrevivermos.
notas literárias
- Gatilhos: Saúde mental
- Lido entre: 5 e 7 de junho
- Desafio: Clube do Livra-te
- Formato de leitura: Digital
- Género: Fantasia
- Personagens favoritas: Piranesi e Raphael
- Pontos fortes: A construção da narrativa, a poesia e sensibilidade na escrita e a forma como retrata a saúde mental
- Banda sonora: Wasteland, Baby, Hozier | Dreams, Sergio Díaz de Rojas | Michicant, Bon Iver | Wave, Beck | I Hate It Here, Taylor Swift
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