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Fotografia da minha autoria |
As capas dos livros contam-nos histórias paralelas, como se nos dessem um vislumbre de uma narrativa que pode nunca chegar a acontecer. Não obstante, é uma dinâmica entusiasmante, uma vez que nos desperta a imaginação e a capacidade para tecermos cenários que fogem ao óbvio. E a capa do livro da Sara Duarte Brandão, que me levou logo para uma zona muito específica da cidade, fez-me apaixonar por cada pormenor.
entre sonhos, dores e (des)crenças
Quem Tem Medo dos Santos da Casa narra a história de Maria Teresa, «uma mulher que cresceu numa pequena vila piscatória entre a austeridade familiar e a liberdade que encontrava nos livros e numa paixão clandestina». Centrada nas ambições do pai e do marido, nas expectativas tão enraizadas em relação à postura da mulher em sociedade, acompanharemos uma protagonista a tentar quebrar esse desígnio e a emancipar-se.
A redenção de Maria Teresa aparece de braço entrelaçado a uma amizade improvável com Joana, «uma menina que aprende com ela a amar os livros», mas sinto que essa sensação de libertação, de salvação, começou muito antes: começou na altura em que compreendeu que a sua vida não se podia limitar a ser comandada por terceiros, por mais que os amasse. Aliás, acredito que a protagonista se foi resgatando a ela própria quando, no colo do seu avô, começou a perceber que o destino tinha de ser algo mais.
Este livro, sinto, transborda de detalhes e simbolismos, com a particularidade de ainda se inspirar «na história dos santos do escultor Altino Maia, retirados da Igreja de São Pedro da Afurada». O conjunto de nove imagens, criado especificamente para aquela igreja, não reuniu a empatia da comunidade, porque não se reconheciam nelas. Assim, realidade e ficção fundem-se para questionar algumas verdades e é curioso ver como é que a autora, ao recuperar esta história, a tornou tão central para a nossa protagonista.
«É tão bonita a poesia nas pessoas»
O tom poético, sempre introspetivo, aliado a capítulos curtos, permite-nos mergulhar neste enredo com facilidade, tornando-se quase palpáveis as superstições, a cultura, os preconceitos e o peso das tradições. Além disso, oscilando entre episódios dramáticos e doses de esperança, vamos construindo um retrato destas pessoas que poderiam ser um espelho de tantas outras - anónimas, da Afurada, de qualquer outra parte do globo. Achei esta construção fascinante, como se estivéssemos a montar um puzzle, contudo, gostava que os capítulos fossem mais desenvolvidos e que a sequência narrativa fosse mais linear. Transitamos entre o passado e o presente sem que isso seja um problema, mas não sabermos o ponto onde regressamos pode ser confuso para atar pontas soltas.
Quem Tem Medo dos Santos da Casa não me arrebatou como estava à espera. Contudo, acho que vale muito a pena pela escrita da Sara Duarte Brandão, que me deixou com vontade de descobrir o seu livro de poesia. Desafiando algumas normas, também nos permite refletir sobre maternidade, relações disfuncionais, amores impostos, crenças e luto - e a verdade é que me levou às lágrimas numa passagem específica. A Maria Teresa é inspiradora e acabei a sublinhar várias frases, só queria que a autora tivesse aberto mais a porta deste enredo, para compreender melhor algumas decisões/ligações.
notas literárias
- Gatilhos: Luto, referência a aborto
- Lido entre: 8 e 10 de junho
- Formato de leitura: Digital
- Género: Romance
- Personagens favoritas: O avô e o padre Belmiro
- Pontos fortes: A ligação à poesia e algumas reflexões muito interessantes
- Banda sonora: Infinito, Napa & Van Zee | Haja o Que Houver, Madredeus | Desfado, Ana Moura | Nasci Maria, Cláudia Pascoal | Tradição, Raquel Tavares
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quem tem medo dos santos da casa
sara duarte brandão
1 Comments
Fiquei com muita vontade de ler este livro.
ResponderEliminarComo sempre vou levar a sugestão *.*
Beijinho grande, minha querida!