caruncho, layla martínez

Fotografia da minha autoria



A última paragem por Aveiro permitiu-me descobrir a nova livraria Bertrand. Para celebrar esse facto, resolvi trazer um livro que andava a namorar há algum tempo, da autoria de Layla Martínez.


 quando rancor e vingança se juntam

Caruncho é uma história familiar, que «narra o regresso de uma neta, acusada de um crime, à casa rural» onde ainda vive a sua avó. Através da relação entre ambas, somos envolvidos num ambiente sombrio e transportados para uma terra «que condena as mulheres que nela vivem».

Iniciei a leitura sem saber o que esperar e fui completamente absorvida pela escrita, pela sensação de horror que paira no que não é dito, por ser tão evidente que «nunca foi uma dádiva, [que] foi sempre uma maldição», porque o destino destas mulheres foi traçado desde cedo. E isso foi combustível suficiente para alimentar o ódio, o rancor, a raiva, o ressentimento e o desejo de vingança.

«Fiz o que pude, mas as coisas que trazemos cá dentro não se arrancam com facilidade. Nesta casa, sabemos bem disso»

A casa — que existiu e pertenceu à avó da autora — é testemunha de tudo o que nos corrói e, sem querer revelar em demasia, é também protagonista da fúria que cresce por dentro, que reacende pelas memórias tão entranhadas do passado, da repressão, da ditadura, da misoginia, da violência, do classismo. Aliás, achei mesmo fascinante a forma como a autora se socorreu desta ideia de uma casa assombrada para explorar temas tão fraturantes da sociedade, sobretudo no que diz respeito à exploração dos trabalhadores e da mulher. Ademais, traça um retrato desarmante acerca da cobardia e da hipocrisia das pessoas e das crenças que se prolongam no tempo.

Caruncho é narrado a duas vozes, alternadamente, envolvendo-nos num legado doloroso. Avançando com a certeza de que «esta casa não é um refúgio, é uma armadilha», senti-me sempre inquieta e em sobressalto, mas demasiado investida para conseguir parar. Há traumas que se herdam e gostei de saber que existem elementos verídicos nesta narrativa. A forma como Layla Martínez interligou terror, injustiça e redenção é soberba.


 notas literárias
  • Gatilhos: Prostituição, violência, misoginia; linguagem explícita
  • Lido a: 13 de agosto
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Pontos fortes: A narrativa alternada, o tema central, o partir de elementos reais, a escrita e os apontamentos de terror
  • Banda sonora: Chaga, Ornatos Violeta | Inquietações, JP Simões | In The House - In a Heartbreak, John Murphy | La Llorona, Chavela Vargas | Galo Rojo, Galo Negro, Sílvia Pérez Cruz

0 Comments