 |
Fotografia da minha autoria |
As minhas caixas de madeira, outrora tão cheias, devem estar a estranhar o meu controlo literário. Excluindo abril, o mês que, até ver, foi onde fiz mais estragos neste departamento, tenho sido bastante regrada nas minhas compras, porque me interessa cada vez menos acumular histórias e demorar a priorizá-las. Ainda assim, isso não significa que a lista de desejos tenha estagnado: muito pelo contrário, vai aumentando com alguma rapidez. E, por esse motivo, há livros de autores portugueses que ainda quero comprar este ano.
o vício dos livros ii, afonso cruz
«Sócrates não deixou escrita uma linha que fosse para a posteridade, Charles Darwin não suportava a poesia, Henry David Thoreau acreditava que a leitura de um livro marcava o início de uma era para cada leitor, Fernando Namora dizia que não escrevia para agradar a ninguém e Julian Green fazia-o para não sufocar. Tudo isto e muito mais ficamos a conhecer neste segundo volume de O vício dos livros, onde Afonso Cruz — ciente de que os vícios são difíceis de matar, mas que ao contrário de outros este tem tanto de prazer quanto de benefício — alimenta o leitor com um sem-número de curiosidades literárias, reflexões e memórias, provando que é possível, sim, compreender a vida através da literatura».
a desobediente, patrícia reis
«A dor e o abandono chegaram cedo à vida de Teresinha, a filha mais velha de um dos mais prestigiados médicos da capital e de uma mulher livre e corajosa, descendente dos marqueses de Alorna, que nas ruas e nos melhores salões de Lisboa rivalizava em encanto com Natália Correia. A menina que haveria de ser poetisa vê a morte de perto quando ainda mal sabe andar, sobrevive às depressões da mãe, chegando mesmo a comer uma carta para a proteger. É dura e injustamente castigada e as cicatrizes hão-de ficar visíveis toda a vida, de tal modo que a infância e a adolescência de Maria Teresa Horta explicam quase todas as opções que tomou. Sobreviver ao difícil divórcio dos pais, duas figuras incomuns, com as quais estabeleceu relações impressionantes de tão complexas, foi apenas uma etapa».
a casa invisível, francisca camelo
«Há uma casa invisível onde toda a gente vive, mas ninguém a vê. Nesta casa vivem mil seres pequeninos, quase microscópicos e sempre em roda-viva, que remendam, compõem, cozinham, arrumam e, vejam lá, até fazem a cama! Mas que casa é esta, afinal? E como podemos encontrá-la. Nesta história tão mágica quanto real, os miúdos e os graúdos poderão, finalmente, conhecer juntos os cantos à casa — e quem, amorosamente, a compõe por dentro».
mais uma desilusão, valério romão
«Partindo do reflexo ao espelho, vai contrapondo as suas próprias experiências formativas - a que não faltam as memórias de infância ou as dores de crescimento - ao território fértil em contradições e promessas de uma país órfão da sua fantasia atlântica e dos territórios que lhe correspondiam, lançado aos braços de uma União Europeia de bolsos fundos e exigências - aparentemente - razoáveis, desejoso de sacudir o mofo de cinco décadas de ditadura para finalmente chegar à tão desejada e misteriosa modernidade e, já agora e no mesmo passo, à idade adulta».
soco e sono, inês morão dias
«O que é Soco e Sono? E sobre o que é? Dizer que são poemas é evidente, embora lhe possamos chamar uma colecção de solilóquios, dúvidas, meditações e até subtis divertimentos. Já a pergunta acerca do ‘sobre’, além de ser de utilidade questionável num poema, deixa-nos neste caso sem resposta satisfatória. Há textos sobre arquitectura, cidades estrangeiras, amizade e exílio, ‘espécies de espaços’, palavras de níveis linguísticos diferentes no mesmo texto (‘hermenêutica’ e ‘rebuçados’, conjunto que Álvaro de Campos aprovaria), o banal e o bizarro, a conversa coloquial e a intelectual».
adrenalina, filipa leal
«Adrenalina é o novo livro de Filipa Leal, uma obra que leva a autora a fazer o balanço: «O meu primeiro livro de poemas foi publicado em 2004, há 20 anos. Acho que este é um exercício de maior reflexão, talvez, sobre a maturidade. Sobre a vontade de não ter pressa, e não conseguir. Há um conflito entre a ansiedade do quotidiano no século XXI, esta urgência de viver, e uma vontade de dizer à própria vida: tem calma, não tragas mais surpresas, por favor, porque, às vezes, são más. É um espelho da infância, da adolescência, da família, do amor, da amizade, dos pequenos e dos grandes desastres... Mas, como sabemos (e o livro ainda esteve para se chamar assim): os espelhos mudam muito com o tempo».
autobiografia não autorizada 2, dulce maria cardoso
«Talvez tivesse sido melhor começar por falar da decisão de me usar como personagem: tendo em conta que, numa crónica, se espera que o autor esteja mais declaradamente presente, este seria o sítio em que experimentaria não fugir de mim. Bem sei que era arriscado: vivi histórias extraordinárias, vi-me envolvida em situações terríveis, também eu se quisesse enlouquecia. Talvez não fosse prudente aventurar-me por mim adentro. Daí a autobiografia ser não autorizada. Escreveria a minha biografia à minha revelia. O ilícito desmascarado no não autorizada dizia-me exclusivamente respeito. Nunca pensei que pudesse ser de outro modo. Evidentemente que ao falar de mim falaria também daqueles que estão ou estiveram comigo, dos que passam ou passaram por mim. Não estou sozinha, nunca estive sozinha, não sei estar sozinha. Não quero estar sozinha. Os outros estariam a salvo nas minhas crónicas, eu seria a única a correr perigo: estilhaçar-me na minha memória. Não sei escrever sobre o que não amo. Escrever é descobrir, é conhecer. E conhecer, se não é amar, é pelo menos dispor-me a amar. Dispor-me a amar coisas ignóbeis, às vezes. O que também é assustador. Aqueles que não amo nunca terão lugar no que escrevo. O que escrevo é iluminado pelos que amo, são eles que escrevem o que escrevo. Ou, dito de outra maneira, eu sou os que amo, são eles que me escrevem».