vista chinesa, tatiana salem levy

maio 02, 2025

Fotografia da minha autoria

A minha estreia na obra de Tatiana Salem Levy foi através de Melhor Não Contar, que entrou no grupo de favoritos. Uma vez que estava com vontade de regressar à sua escrita, aproveitei o BiblioLED para colmatar as saudades.

romance baseado numa história real

Vista Chinesa é um miradouro localizado no bairro do Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, e palco de uma história real. Júlia decidiu ir correr antes de uma reunião de trabalho, num horário diferente do habitual, e, num determinado ponto do percurso, foi atacada por um homem que a violou e a deixou no meio da mata. O relato deste momento traumático chega-nos em forma de carta escrita para os filhos.

O tom próximo e empático mostra-nos, por um lado, que há um conhecimento profundo acerca deste acontecimento e, por outro, que o escrutínio não se limita ao que muda na vida de uma mulher, mas que se estende à postura da sociedade e da própria polícia. É doloroso sermos confrontados com certos procedimentos, onde falta sensibilidade, com os estilhaços de um futuro virado do avesso, porque a protagonista sobrevive, mas até que ponto?

«As vozes tinham sumido. Ouvi o silêncio, o deles e o meu. A certeza de que, por mais que eu falasse, nunca conseguiria expressar o turbilhão que havia dentro de mim me trouxe a certeza da solidão. A certeza de que somos sozinhos, não só eu, todos nós»

O que vem depois parece envolto numa neblina, porque fica o sentimento de culpa, a vontade de esquecer, a dúvida sobre o que podia ter sido feito de forma diferente, porque isso é o reflexo de ideias profundamente enraizadas que ficam a ecoar. A culpa precisa mesmo de mudar de lado, mas a vergonha ainda pende e pesa para o lado da vítima. E, por mais que a vida avance, «há sempre uma parte que volta» para relembrar as sequelas.

Vista Chinesa impulsiona-nos a refletir sobre «a violência ancestral contra a mulher». Houve passagens onde não me consegui relacionar tanto, mas é um livro urgente, necessário, que incomoda: pela angústia, pela desumanidade, pela coragem e por nos mostrar que é uma luta que tem de ser de todos.

notas literárias

Gatilhos: Linguagem gráfica e explícita
Lido entre: 19 e 20 de abril
Formato de leitura: Digital
Género: Romance
Pontos fortes: A empatia, a vulnerabilidade, o facto de nos mostrar as implicações no quotidiano
Banda sonora: Vista Chinesa, Baptiste Herbin