sintra, hugo gonçalves

Fotografia da minha autoria


A admiração pelo Hugo Gonçalves é cada vez mais notória, porque acho fascinante a forma como constrói as narrativas, os diálogos e o crescimento das personagens. Além disso, acredito mesmo que a sua escrita brilha ainda mais no plano da não ficção - sem demérito para os romances. Por isso, fui descobrir uma cidade através do seu olhar.


 entre a realidade e a ficção

Sintra é o quinto volume da Coleção Portugal, na qual vários escritores portugueses e um fotógrafo de património, Libório Manuel Silva, se unem para mergulhar na nossa geografia, mantendo «o mesmo horizonte para a ficção e a realidade». Neste livro, o autor parte numa aventura simples, mas a transbordar de significado, com o filho e esse é, para mim, o melhor género de literatura de viagens, porque os intervenientes não se excluem do processo. É maravilhoso conhecermos pontos turísticos, sabermos histórias antigas e criarmos um roteiro gastronómico, mas considero bastante especial quando uma paragem desperta memórias. Eu nunca as sentirei com propriedade, mas é como se tivesse acesso a trilhos escondidos, que não aparecem num guia comum.

No conforto da minha casa, dei por mim a concordar com a ideia de sairmos à procura de algo e de regressarmos com aquilo que encontramos. Quando iniciei a leitura, ia à procura de um estreitar de laços - só não sabia a natureza - e voltei à realidade a sentir que o Hugo Gonçalves é exímio na arte de comover, de entrelaçar elos que parecem autónomos, de fazer dos lugares uma ponte para a nossa história. Não conheço Sintra tão a fundo, mas senti-me transportada para algumas trajetórias e, sobretudo, senti-me a abrir um álbum de família, consciente de que certos momentos não se repetem.

«Querias explicar ao teu filho o inabarcável universo de todas essas vidas e contrariar os guias turísticos que prometem Sintra como um lugar onde o tempo parou»

Feliz ou infelizmente, não posso levantar assim tanto o véu acerca desta obra, porque corro o risco de revelar em demasia. Ainda assim, não podia deixar de destacar as reflexões sobre família e parentalidade, sobre podermos ser diferentes pessoas ao longo da nossa vida, nos mais diversos contextos, e sobre aquilo que os nossos já não chegarão a saber. Há vazios impossíveis de preencher, mas nunca os esquecemos.

Sintra é delicado, generoso e estabelece uma travessia entre o passado e o presente. Partindo de um local físico que qualquer um pode visitar, explorar, chegamos a um espaço íntimo que confere maior simbolismo à paisagem que nos envolve. E acho curioso que, mesmo sem existir essa intenção, dialogue tão bem com Filho do Pai.


 notas literárias

Disponibilidade: Wook | Bertrand
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