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filho do pai, hugo gonçalves

by - abril 14, 2025

Fotografia da minha autoria


O Hugo Gonçalves, quando esteve a apresentar o livro Revolução na Fnac do Alameda, levantou o véu acerca de um livro que gostaria de escrever no futuro e que se centrava na premissa de ser pai e de ser filho em simultâneo - ou de esse vínculo já não ser uma realidade. Estávamos em novembro, de 2023. Em março de 2025 saiu a concretização dessa ideia e eu não lhe resisti, até porque tinha plena noção de que seria arrebatada.


parentalidade, masculinidade, memórias

Filho do Pai é assumidamente biográfico, alternando «entre o registo de diário e a escrita de romance» e explorando a «difícil relação de um filho, órfão de mãe, com o pai viúvo, desde a infância até à idade adulta». Um acontecimento muito particular, que contrasta nascimento e morte, impediu que o autor pudesse desempenhar o papel duplo de ser pai e filho ao mesmo tempo, levando-o a questionar a história da família e, acima de tudo, a questionar «o património em que a virilidade era uma divisa».

O tom vulnerável e reflexivo desarmou-me de imediato, atendendo a que contextualiza uma narrativa pautada por contrastes, por sensações que se vão desconstruindo com o tempo e o amadurecimento da nossa personalidade e por uma espécie de repetição de ciclos, ainda que algumas circunstâncias divirjam. Há coisas que nos são transmitidas e que não compreendemos bem por não as estarmos a viver, mas se o nosso caminho conflui nesse sentido torna-se mais claro o que as pessoas queriam dizer. E acredito que é esta análise que Hugo Gonçalves vai fazendo no texto, porque ora questiona os comportamentos do pai, ora acaba a atribuir-lhes um significado, uma justificação plausível. Nem sempre a mágoa nos permite entender as decisões dos nossos, mas há um momento em que somos confrontados com o que não conhecemos e ficamos a pensar em todas as camadas que, por falta de mundo, não poderiam entrar na equação.

«Lembramos para encontrar sentido no que não conseguimos esquecer»

Um aspeto que achei muito curioso é que, apesar de se querer desvincular da figura do seu progenitor, por uma série de questões que os afastaram, fá-la presente. Claro que, sendo um livro centrado na história de ambos, era uma inevitabilidade, mas sinto que ultrapassa essa abordagem narrativa, sinto que, por mais que não seja um exercício consciente, o vai mantendo perto: por um lado, para encontrar respostas e, por outro, para que não repita aquilo que o dilacerou. Em nenhum momento pretende demonizar o pai, mas também não procura colocá-lo numa redoma, envolvendo-o em qualidades exageradas. Antes de tudo, acredito que foi a sua forma de encontrar alguma paz no meio do caos, foi a sua maneira de perceber aquilo que pretendia guardar e legar.

Olhar para o passado, quase como se estivesse a tecer um elo invisível neste álbum de fotografias inacabado, por vezes desconexo, impulsionou-o a repensar os modelos de masculinidade e a pensar o tipo de pai que pretende ser para os filhos. Além disso, ao partir de vivências pessoais e intimas, conseguiu criar cenários muito transversais.

Este livro, tal como o autor refere, dialoga com o Filho da Mãe. Embora não goste de comparar obras, porque cada uma tem o seu propósito, a verdade é que há pontes a uni-los. Curiosamente, senti o Filho da Mãe mais emocional, talvez por ter sentido o luto mais evidente. Não obstante, Filho do Pai tem um tom mais maduro, talvez por trazer a sociedade para a discussão, como se, por ter maior noção de si e do que o rodeia, percebesse que são indissociáveis - creio que sim, atendendo a que tudo o que fazemos tem consequências. E, uma vez que somos parte de uma comunidade, torna-se urgente refletir sobre os valores que queremos perpetuar nas gerações futuras.

«O que te assusta, no teu próprio fim, não é apenas que a festa continue sem a tua presença, que não vejas o teu filho crescer, mas que lhe faltes, que ele precise de ti e que tu não estejas»

Há, portanto, uma análise quase sociológica, mas sem perder a emotividade, o traço familiar, o impacto da perda, as nossas idiossincrasias, as nossas incoerências, fruto de um crescimento que é sempre mais emocional do que racional. E enquanto nos implica numa conversa sobre parentalidade, faz-nos observar toda a estrutura familiar, faz-nos pensar sobre as feridas que continuam abertas, ainda que nos incomodem com menos ardor, faz-nos voltar às coisas que nos dizem e que ecoam uma vida inteira, moldando o nosso caráter, as nossas certezas, as nossas carências, tudo o que somos.

Filho do Pai tem uma escrita polida, mas encontrei uma certa poesia nas palavras, no modo como alimentou doses de esperança, como procurou deixar de lado o que pesa por dentro e como se foi reencontrando. Sinto que as memórias são uma personagem extra nas suas histórias e é sempre bonita a maneira como as borda. Num tempo em que há tanto para reconsiderar, este livro não esconde fragilidades, mas talvez tenha o condão de apaziguar algumas inquietações, porque, por mais que a nossa experiência seja diferente, está escrito com muita empatia e mostra que existem áreas cinzentas onde todos acabamos por chegar. Comovi-me em várias passagens, mas confesso que foi o final que me destruiu, porque sinto que demonstra bem a luta que foi travando.


notas literárias

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Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

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8 comments

  1. Fiquei com muita curiosidade em ler este livro. Nunca li nada do autor.

    Vou levar a sugestão.

    Beijinho grande, minha querida!

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  2. Parece ser um livro emocionante e tocante. Fiquei com vontade de ler.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está no ar cheio de posts novos e novidades! Não deixe de conferir!

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    Até mais, Emerson Garcia

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  3. Um livro incrível Andreia que você trouxe, bjs.

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  4. Tambem tenho este na lista para ler... depois do Filho da Mae e Revolucao...

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