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Fotografia da minha autoria |
O livro O Lugar das Árvores Tristes entrou na minha vida por acaso. O nome da autora não me era familiar, mas tenho ideia de que foram as palavras da Filipa Santos Lopes que me fizeram arriscar de olhos fechados. E a verdade é que foi uma aposta certeira, não só pela narrativa, mas também pela escrita da Lénia Rufino, cujo percurso quis passar a acompanhar de imediato. Estava, portanto, bastante curiosa com as histórias que viriam a seguir, porque acredito mesmo que a Lénia tem uma voz literária muito interessante, e o seu segundo manuscrito, acabado de sair, veio reforçar essa perceção.
uma história melancólica e muito humana
Silêncio no Coração dos Pássaros transborda de musicalidade, até porque nos permite conhecer Laura, uma prestigiada violinista de uma orquestra. A música sempre foi o seu ponto de encontro e talvez seja ela o impulso para ultrapassar a encruzilhada a que chegou: casada há vinte e sete anos, percebe que não quer permanecer ao lado de Álvaro. Deste modo, embarcaremos numa travessia entre o passado e o presente.
A ausência de um certo fulgor foi enfraquecendo os alicerces deste casamento e isso fez-me logo pensar na linha ténue que existe entre encontrarmos alguém que nos faça sentir confortáveis e estarmos numa relação que se habitou ao conformismo. Apesar da longevidade, creio que, existindo amor, continua a ser importante conquistarmos o outro e não darmos a sua presença por garantida. É certo que o alimentar da relação se despe da urgência dos primeiros tempos, daquela fase do deslumbramento, porque os sentimentos se vão fortalecendo e edificando através da confiança, mas necessita desse gatilho, dessa vontade de lutar, quase diária, para que não se caia no marasmo. No fundo, para que, em cada regresso a casa, se sinta aquele nervoso miudinho do reencontro e não a sensação de que aquela pessoa estar ou não ali é-nos indiferente.
«A culpa é um ferro demasiado quente que nos queima a pele ainda que nos toque apenas ao de leve»
Qualquer relação é feita de oscilações e a Lénia retratou-o de uma forma exímia, por esse motivo, é fácil sentirmos na pele a angústia, a dúvida, o processo de luto que é imprescindível em cada término e a necessidade de se aprender a viver a partir dai, porque há uma rutura com o que conhecemos e uma infinidade de portas abertas. Na teoria, este caminho seria sempre em linha reta, só que as circunstâncias da vida - e o nosso lado emocional - obrigam a que a estrada seja curvilínea, com avanços e vários recuos. E a nossa protagonista foi-se confrontado com cada um desses momentos.
É fascinante como algumas pessoas (e objetos, neste caso) nos impactam, ao ponto de sabermos que nos mudaram por dentro, que nos deixaram mais conscientes de quem somos e do que já não nos serve. Isso não significa que as decisões que tomemos em concordância com essas mudanças sejam menos dolorosas, contudo, acabam por nos deixar em paz. Por isso, um dos aspetos mais valiosos desta história, para mim, é o tom credível e humano com que é contada. Adorei que não existissem reviravoltas megalómanas e que a autora nos trouxesse a perspetiva de três personagens comuns, com quem nos poderíamos cruzar a qualquer instante - inclusive, podia ser a história de qualquer um de nós, por mais distante que seja a nossa realidade. Todos nós já passamos por ciclos que começam e acabam, já tivemos de lamber as feridas, abraçar a catarse e recomeçar, numa relação ou noutra área qualquer da nossa vida, portanto, acho que esta história é, também, transversal e uma metáfora para várias situações.
«São as pequenas coisas. São sempre as pequenas coisas, os pequenos gestos, as pequenas atenções»
Permitam-me, ainda, destacar a escrita. Não estava à espera de encontrar um tom tão melancólico, triste, mas senti muito conforto a acompanhar a narrativa, porque é uma escrita madura, bordada milimetricamente às emoções das personagens. Além disso, sem floreados, faz-nos sentir cada fragmento. Posso ou não rever-me nos pensamentos e opções dos protagonistas, mas em nenhum momento pus em causa as suas partilhas, as suas hesitações, as suas quebras. E vi tudo isto a acontecer à minha frente, porque a Lénia tem a capacidade de construir esse lado cinematográfico através das palavras.
Silêncio no Coração dos Pássaros é uma viagem de autodescoberta, mostrando-nos que não temos de viver um conto de fadas para experienciarmos o encanto. Podemos, até, andar à deriva, mas há acordes que não se silenciam. Não nos silenciam. E, no final, conscientes de que já não temos de ficar no mesmo lugar, conseguimos renascer.
notas literárias
- Lido entre: 3 e 6 de abril
- Formato: Físico
- Género: Romance
- Personagem favorita: Neste caso, nem é tanto identificar personagens favoritas, mas destacar o quanto os protagonistas são credíveis
- Banda sonora: Silêncio no Coração dos Pássaros (playlist criada pela autora)
6 Comments
Andreia é um livro fascinante e que nos envolve, Andreia feliz Páscoa bjs.
ResponderEliminarAbsolutamente maravilhoso 🥺
EliminarFiquei mesmo com vontade de ler.
ResponderEliminarNunca li nada da autora.
Beijinho grande, minha querida!
Aconselho imenso, minha querida 🥺
EliminarTenho de ler *.* Ja esta no carrinho da Wook pronto a ser expedido :)
ResponderEliminarAwwww, que bom 🥺 acredito que vás gostar
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