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Fotografia da minha autoria |
O nome José Cardoso Pires era daqueles que ia povoando a minha memória, sempre à espera de uma oportunidade para priorizar a sua obra. Havia curiosidade, sim, mas, por qualquer razão, fui sempre adiando o encontro, até que a Sofia sugeriu este livro e trouxe para que o lesse. Aproveitar a biblioteca dos nossos amigos é um belo tesouro.
recuar ao passado, sentindo o presente
O Hóspede de Job transporta-nos para o Alentejo dos anos 50, em plena época feudal e com a ditadura a subir de tom. Por esse motivo, vamos reunindo recortes desse tempo, do quotidiano da população que espelhava assimetrias, da realidade que era marcada por uma profunda disparidade social e económica. Aliás, o texto poderia mesmo ser uma espécie de legenda para aquilo que os nossos olhos não veem, mas imaginam.
O tema é complexo por si só, atendendo a que recupera um passado com várias feridas expostas, no entanto, sinto que, ao afastar-se de um tom documental, o autor teve a sensibilidade de, primeiro, dar voz às pessoas e, segundo, de tornar a compreensão das situações mais acessível. Não creio que a literatura tenha a obrigação de nos facilitar a interpretação, mas considero valioso quando um escritor consegue incluir diferentes leitores. Além disso, os capítulos são curtos e a escrita faz com que nos envolvamos em ocasiões longínquas, que apenas conhecemos através de discursos indeferidos.
«Só passados momentos é que começam a avaliar a emboscada para onde foram levados. Tinham escapado a um perigo que não sabiam ao certo medir, tinham-se entregado ao cansaço, perdidos de susto. E agora, agora que vêem eles?»
A obra, dedicada ao irmão que faleceu «num acidente de aviação em cumprimento do serviço militar», não fica, então, isenta de um propósito maior, já que alguns detalhes pretendem evocar, em forma de protesto, a guerra fria e a colonização militar. E, por isso, os pormenores que nos parecem usufruir de uma certa inocência podem muito bem esconder mensagens subliminares, já que Cardoso Pires utiliza a subtileza para tecer uma assertiva crítica política e social, por muito que não sintamos o seu peso.
O Hóspede de Job não se esconde em subterfúgios. Gostava de ter ficado a saber mais sobre a vida de algumas personagens, ainda assim, o que me marcou nesta narrativa foi mesmo a necessidade de denunciar os constantes jogos de poder e de colocar a nu que o sofrimento de um povo fica esquecido perante os caprichos de quem governa.
notas literárias
- Lido entre: 9 e 11 de abril
- Formato: Físico
- Género: Romance
- Pontos fortes: uma certa familiaridade e a crítica política e social
- Banda sonora: Há Sempre Um Fardo, Capitão Fausto | Que Força é Essa, Sérgio Godinho | Alentejo, Cassete Pirata
4 Comments
Mais um autor para eu descobrir.
ResponderEliminarComo sempre, levo a sugestão.
Uma excelente Páscoa, minha querida.
Beijinho grande!
Boas leituras, Ana 😊
EliminarTenho alguma curiosidade com este autor! :)
ResponderEliminarwww.amarcadamarta.pt
Fiquei com vontade de explorar mais da sua obra 😊
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