«Passado nos recônditos fiordes islandeses, este romance é a voz de uma menina diferente que nos conta o que sobra depois de perder a irmã gémea. Um livro de profunda delicadeza em que a disciplina da tristeza não impede uma certa redenção e o permanente assombro da beleza».
A curiosidade de ler algo de Valter Hugo Mãe já é antiga, mas livros de outros autores foram-se sobrepondo à vontade e assim fui adiando a concretização deste desejo. Contudo, e por altura do meu aniversário, achei que era o momento certo para, finalmente, render-me ao talento deste escritor.
Sempre me disseram que não se julga um livro pela capa. Concordo, até porque um livro será sempre mais do que aquilo que a sua capa nos pode mostrar. Mas, confesso, que é a primeira coisa que me chama à atenção. É o que me atrai para pegar nele e ler a sua sinopse. É o título sugestivo que fica na ponta da língua e na fila da frente da nossa memória. São as cores. A disposição dos elementos. É a conjugação de tudo isso. E depois deixo que o enredo faça o resto. Que me faça apaixonar de tal forma por meia dúzia de palavras escritas na contracapa que a minha única vontade é de sair com o livro nas mãos e começar a lê-lo o mais rápido que conseguir.
«A Desumanização» foi amor à primeira vista. Principalmente pela temática que aborda e que nos deixa tantas vezes a pensar sobre ela. Acho que nunca li um livro que falasse da morte com tanta beleza. Talvez seja estranho de se dizer, mas a descrição da dor de quem fica parece poesia para quem lê. Ainda assim, é um retrato de como tudo isto nos altera. Da angustia. Da sensação de vazio. Das memórias que nos atormentam. Da saudade que nos consome todos os dias. A constante sensação de que deixamos de viver, para passarmos a sobreviver, porque quando perdemos alguém perdemos uma parte de nós. E quando atiram o último pedaço de terra sobre aquela caixa fria, escura, que nada tem de belo, é como se nos enterrassem o suficiente para sentirmos que nos falta o ar.
A morte de quem nos é próximo mata-nos um pouco. E o vazio é tão grande que duvidamos ser capazes de algum dia vir a recuperar. Sentimos que passamos a caminhar sozinhos, enterrados numa solidão que não conseguimos inverter. E este tema, por mais evoluída que seja a sociedade, continua a ser tabu. Ainda para mais quando envolve crianças. Este livro, que está brilhantemente bem escrito, mostra-nos como é a vida de uma menina de dez/onze anos que acabou de perder a sua irmã... gémea. Conseguem imaginar a dor de perder a nossa metade? Não consigo. Se perder alguém que nos é tanto já é suficientemente doloroso, não quero sequer pensar o peso redobrado que se carrega por perdermos alguém igual a nós. Que por mais diferente que seja daquilo que um dia seremos será sempre a metade que encaixará com maior perfeição na nossa vida.
Não é só a dor da irmã que fica. É também a dos pais, que inevitavelmente recordarão o que perderam. A imagem constante da filha que já não têm, mas que parece permanecer na mesma casa. Pelas lembranças e pelas semelhanças da gémea que parece ter os olhos do mundo voltados sobre si. Valter Hugo Mãe descreveu com bastante clareza a dor física que fica e que, por vezes, e por todos lidarmos com as circunstâncias de maneiras diferentes, nos infligimos a nós próprios.
Fica a culpa. O aconchego que encontramos, tantas vezes, em quem menos estamos à espera. E uma certa desumanização, por tudo aquilo que o ser humano consegue fazer nas horas de maior sofrimento.
Agora deixo-vos algumas citações:
«Éramos gémeas. Crianças espelho. Tudo em meu redor se dividiu por metade com a morte» (pág. 11);
«Achei que a minha irmã podia brotar numa árvore de músculos, com ramos de ossos a deitar flores de unhas. Milhares de unhas que talvez seguissem o pouco sol. Talvez crescessem como garras afiadas. Achei que a morte seria igual à imaginação, entre o encantado e o terrível, cheia de brilhos e sustos, feita de ser ao acaso. Pensei que a morte era feita ao acaso» (pág. 12);
«Fazia sol, íamos deitar garrafas ao mar. Escrevíamos mensagens aos desconhecidos, pedindo sorte e prendas, pedindo visitas» (pág. 31);
«Ele arrancou duas flores silvestres, eu pu-las a flutuar na água. O Einar: não tens de estar sozinha. Só sentir. Sentir, sim. Estar, não. Até não te sentires sozinha» (pág. 57);
«Tinha medo. Segurava sempre a minha barriga como se desse a mão ao meu filho e ouvia. Deixava o dedo mindinho no umbigo» (pág. 104)
«Mais tarde, também eu arrancarei o coração do peito para o secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas» (pág. 223)
12 Comments
Obrigada, minha querida! *-*
ResponderEliminarFiquei super curiosa com este livro, dás sempre boas sugestões e excelentes críticas!
Também tenho imensa curiosidade quanto a este autor e acabaste de me deixar ainda mais curiosa!!! Adorei os excertos.
ResponderEliminarAdoro ler!
ResponderEliminarE fiquei super curiosa com este menino!
r: Eu sei disso, e ainda hoje tenho amigos que deixaram de ser da minha turma há uns tempos, mas que mesmo assim ainda falo com eles e passo tempo com eles.
Espero que com estes aconteça o mesmo*
Eu nunca julgo olivro pela capa...
ResponderEliminarBjxxx
vou por na minha lista de livros a ler... :))
ResponderEliminarAmiga resenha maravilhosa amei livro ótimo, boa dica bom final de semana
ResponderEliminarBlog: http://arrasandonobatomvermelho.blogspot.com.br
Canal de youtube: http://www.youtube.com/NekitaReis
Eu não gosto de ler ... mas já li alguns livros e o que me atraiu neles foi a capa lol
ResponderEliminarNão conhecia este livro :)
Womens's Stuff
resp: a letra é linda *.*
ResponderEliminarbom fim de semana :)
nunca vi este livro, talvez venha a gostar :)
ResponderEliminarTambém já te estou a seguir, obrigada!
ResponderEliminarBjxxx
resp blog história: Ainda bem então :)
ResponderEliminarJá tenho o segundo capítulo escrito e logo irei publicar :p
Sim, e depois quando criar o newsletter eu irei deixar sempre um comentário a quem se inscrever a avisar que publiquei um novo capítulo *
Ainda não li o livro, gostei das citações que colocaste :)
ResponderEliminarhttp://retromaggie.blogspot.pt/