2021 || 12 MESES, 12 LIVROS

Fotografia da minha autoria



«A literatura ilumina(-nos]»


A minha interação prévia com os livros é feita de duas maneiras: ou aventuro-me de olhos fechados, caso sejam de um autor que me inspira, ou arrisco-me a ler a sinopse, para ter uma pequena noção dos seus contornos gerais. No entanto, a travessia é sempre surpreendente, até porque nunca sabemos ao certo o que as narrativas nos reservam, nem o impacto que terão em nós. Por isso é que é tão desafiante e desarmante.

O meu percurso, durante este ano, confortou-me de um modo indescritível, visto que me cruzei com histórias lindíssimas, arrebatadoras. Não só li bastante, como tenho plena consciência que a maioria representou leituras enriquecedoras, que dificilmente esquecerei. Talvez perca alguns detalhes, reconheço, mas a sua essência será simples de recuperar - só de olhar para a capa do manuscrito ou em partilhas sobre o mesmo.

Não sei se tenho tido sorte na seleção que vou fazendo ou se tenho uma maior predisposição para guardar o melhor de cada exemplar, mas a verdade é que foram mais aqueles que me conquistaram do que aqueles que me desiludiram. Naturalmente, isso deixa-me de coração cheio, porque sinto que embarquei numa viagem literária maravilhosa. Por outro lado, causa-me problemas, pois parece impossível definir a lista de favoritos.

Com muitos avanços, recuos e alterações, sabendo que outros nomes poderiam figurar neste pódio de 12 lugares [sobretudo, se estruturasse uma dinâmica diferente], estes foram os livros que mais me marcaram.


JANEIRO


Filho da Mãe, Hugo Gonçalves
É um relato biográfico, despretensioso e comovente sobre a perda: da mãe e de identidade. Assim, recuando à tarde em que recebeu a trágica notícia do falecimento da sua progenitora, leva-nos numa viagem introspetiva, na qual procura pistas que interliguem as suas recordações e fragmentos que apaziguem a dor, ao mesmo tempo que mantenham presente esse elo relacional, porque é pavoroso termos a noção que nos estamos a esquecer, aos poucos, de características tão identitárias de alguém que significa o mundo para nós. E é através de uma luta interior, com vários percalços pelo meio, que o autor compreende a importância do luto.


FEVEREIRO

Abriga um mundo de histórias e de personagens com percursos distintos e, aparentemente, autónomos, mas que encontram uma forma de se interligarem. Tendo o Oriente como pano de fundo, através de efabulações e traços mais fantásticos, somos capazes de estabelecer uma ponte com o nosso quotidiano, porque todos procuramos algo na vida, mesmo que os nossos contextos divirjam. Além disso, é o retrato fiel do «equilíbrio desequilibrado» do universo, que nos coloca à prova e nos leva a reconsiderar decisões e a ponderar uma maneira de quebrar as barreiras que envolvem o ser humano - Pudéssemos chorar estrelas!


MARÇO

Alterna entre dois planos - flores e livros -, permanecendo interligados por um tom poético que marca toda a narrativa. Além disso, faz uma clara alusão à história de Portugal, numa transição do Estado Novo para a Liberdade. E é neste enlaço que somos confrontados com segredos, ilusões, dicotomias, silêncios e dúvidas, tão próprios de quem vai construindo a sua identidade e gerindo o turbilhão de emoções que florescem num peito inquieto e desejoso de ser grande. Só que o nosso discernimento nem sempre privilegia a postura mais correta, porque nos deslumbramos e criamos ideais frágeis, que nos fazem ruir - para sermos borboleta.


ABRIL


Se Esta Rua Falasse, James Baldwin
É uma corrida contra o tempo. É um romance-manifesto contra o preconceito, o cinismo e a injustiça do sistema judicial. E é, também, uma apaixonante prova de amor. Oscilando entre o passado e o presente, a narrativa é tão real e comovente, que nos coloca no centro da ação, despertando uma total sensação de impotência, porque, por mais esforços que se façam, parece que permanecemos sempre um passo atrás. E por mais empática que eu seja, não consigo imaginar a dor de alguém que é condenado por um crime que não cometeu. Ainda para mais, quando se torna evidente que o maior indício para a condenação é a cor da pele.


MAIO


O Jogo do Anjo, Carlos Ruiz Zafón
O enredo leva-nos para Barcelona dos anos 20, contextualizando melhor a narrativa que se concentra na família Sempere. Com uma abordagem distinta, mas igualmente misteriosa, senti-me perdida num labirinto de acontecimentos suspeitos, cujo destino parece ser apenas um. E dei por mim, em várias passagens, a partilhar a preocupação e o sufoco das personagens. Em simultâneo, também senti todo o amor que habita nestas páginas - desde os impossíveis àqueles que exaltam o seu lado mais puro. Transmitindo a sensação de ser uma história dentro de outra, mostra-nos o preço e as consequências das nossas escolhas e dos nossos atos. E deixa-nos com uma questão: será que conhecemos, verdadeiramente, as pessoas que nos rodeiam?


JUNHO


O Que Dizer das Flores, Maria Isaac
A capacidade de Maria Isaac para contar histórias já me tinha conquistado no seu primeiro livro - Onde Cantam os Grilos -, mas voltou a surpreender-me. Porque há tanta verdade nas suas personagens, nos seus dilemas e nas suas interações, que eu senti-me parte daquele ambiente. Além disso, tem um enredo que caracteriza bem a essência do nosso Portugal rural e da intimidade que vai interligando os seus habitantes, mesmo que haja tanto a separá-los. Com um ritmo aliciante e uma narrativa que demonstra o peso do passado, dos juízos de valor e dos silêncios, queria continuar a acompanhar o quotidiano de Mont-o-Ver. Porém, ainda que me tenha custado um pouco a despedida, sei que dificilmente me esquecerei destes protagonistas tão carismáticos.


JULHO


Heartstopper Volume 2, Alice Oseman
Estava a contar os dias para receber este livro, porque o primeiro volume conquistou-me de imediato. A história é tão relacional, independentemente da nossa sexualidade, que é fácil reconhecermo-nos nos medos, nas dúvidas e em todas as hesitações. Centrando-se mais em Nick e no seu processo de autodescoberta, é percetível que cada um precisa de tempo, espaço e apoio para se conhecer. Além disso, é inspirador quando temos, ao nosso lado, quem respeite isso. Porque esse é o maior sinal de amor. É impossível resistirmos.


AGOSTO


Os Fornos de Hitler, Olga Lengyel
Este livro permite-nos conhecer Olga Lengyel, uma enfermeira húngara que vivenciou na pele o horror, a humilhação e a tortura de Auschwitz-Birkenau. Porém, não se concentra apenas na sua experiência, atendendo a que dá voz, ainda que de uma forma indireta, a todos aqueles que foram remetidos ao silêncio, que caminharam ao seu lado e que se viram privados de segurança e dos seus direitos mais básicos. Escrito com um tom cru e, igualmente, emocionante, este livro é um espelho dos homens, mulheres e crianças que sucumbiram, contra a sua vontade, a ideologias racistas e que viram ser-lhes negada a sua condição humana.


SETEMBRO


Balada Para Sophie, Filipe Melo & Juan Cavia
Uma das mais belas e brilhantes histórias que tive a oportunidade de descobrir. Fui envolvida nesta melodia sem ter noção da leveza com que o tempo avança, porque há um desenvolvimento que inebria; que tanto nos diverte, como nos comove. E se, por um lado, dei por mim a rir com as intervenções do protagonista, não é menos verdade que, por outro lado, fui invadida por lágrimas incontroláveis, sobretudo, na fase final. Porque esta não é apenas a história de um famoso pianista, é uma viagem intimista pela ascensão e pela queda - e por tudo o que ficou por dizer. Além disso, as ilustrações parecem ter vida, transportando-nos para cada momento da ação. Filipe Melo e Juan Cavia estão de parabéns pela magia que habita nestas páginas, pelos pormenores irrepreensíveis e pela sinceridade com que transmitiram cada emoção. Hei-de regressar a esta balada, que tem tanto de simples, como de complexa, por ser tão humana. É uma autêntica obra prima!


OUTUBRO


Coisas de Loucos, Catarina Gomes
A premissa desta obra é cativante, mas o que nos desarma e emociona é a maneira como cada história é contada com tanto respeito, dignidade e empatia. Há muita entrega e trabalho de pesquisa. E há, acima de tudo, uma vontade imensa de dar voz a pessoas cujas vidas ficaram esquecidas. Transportando-nos para o Miguel Bombarda, deambulamos por um mundo de memórias fascinantes, mas sem esquecer que não foi tudo um mar de rosas. Em simultâneo, coloca a saúde mental no centra da discussão, fazendo-nos refletir sobre o progresso dos tratamentos, sobre a privação da liberdade e sobre a sensação de termos o tempo suspenso.


NOVEMBRO


Terapia de Casal, Rita da Nova & Guilherme Fonseca
Este livro é o formato físico do podcast com o mesmo nome, privilegiando a mesma dinâmica e, ainda, a mesma imagem de marca: a discussão sobre «coisinhas insignificantes que dividem os casais no dia a dia». À medida que avançamos nos textos - 15 da autoria da Rita e 15 da autoria do Guilherme -, ficamos com a sensação de estarmos a escutar um episódio, até porque há expressões tão identitárias, que imaginamos as suas vozes a reproduzi-las. Assim, é fácil decifrar que cada argumentação transparece as suas personalidades.


DEZEMBRO


Não Serei Eu Mulher?, Bell Hooks
O Feminismo é uma luta urgente e não exclusiva das mulheres, ainda que sejam delas a voz que grita a desigualdade. No entanto, enquanto ideologia, continua a representar um movimento praticamente branco e elitista, como se percebe por este relato duro, elucidativo e tão necessário de Bell Hooks. Porque nos confronta com a opressão, a desvalorização, o sexismo e o racismo sofrido pelas mulheres negras. Sendo este um movimento que procura erradicar qualquer forma de exclusão, revolta saber aquilo que tiveram de enfrentar, quase como se fossem cidadãs de segunda; quase como se não fossem mulheres. Apesar de ser um livro de 1981, continua a ter perspetivas muito atuais e que nos levam a reconsiderar a nossa postura em sociedade.

Permitam-se só mencionar mais estes sete, porque foram leituras igualmente preciosas: Persépolis [Marjane Satrapi], Crónica dos Bons Malandros [Mário Zambujal], Dia do Mar [Sophia de Mello Breyner], O Lugar das Árvores Tristes [Lénia Rufino], Agora e na Hora da Nossa Morte [Susana Moreira Marques], O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo [Charlie Mackesy] e Notas Sobre o Luto [Chimamanda Ngozi Adichie].


Que livros marcaram o vosso ano?

Comentários

  1. Ensina-me a voar sob os telhados, João Tordo, Almoço de Domingo, José Luís Peixoto, O meu pé de laranja lima, José Lauro de Vasconcelos, Bridge Over troubled dreams, Delta Goodrem, O Bom Inverno, João Tordo.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Ensina-me a Voar Sobre os Telhados continua a ser o meu favorito do autor *-*
      Tenho de me aventurar n' O Meu Pé de Laranja Lima!

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  2. Imagino que nao tenha sido facil fazer estas escolhas no meio de tantas boas sugestoes <3 Por aqui acho que vou começar 2022 com a tua sugestao de Janeiro <3 Adorei os 4 livros de Heartstopper e tenho de ler os Fornos de Hitler*

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    1. Foi mesmo complicado chegar a este top final e, mesmo assim, tive de acrescentar extras :D
      É um livro maravilhoso!
      Mal posso esperar para que lancem o 4º volume de Heartstopper
      Os Fornos de Hitler é muito duro, mas necessário

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  3. Continuação de boas leituras.
    .
    FELIZ ANO NOVO, extensivo à sua família.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  4. Oi Andreia
    Foi ano bem difícil e as minhas leituras foram centradas em pesquisas educacionais
    Mas foram leituras expressivas e cativantes. Gostei de ler as resenhas destas sagas mencionadas e lidas por você.
    Que o Ano Novo seja a porta de entrada para novos sonhos e também um período de renovação e de muita paz em sua vida. Feliz 2022!
    Beijinhos

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    1. Foram leituras de enriquecimento, o que é ótimo!
      Muito obrigada, Gracita, desejo-lhe o mesmo

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  5. Votos de um excelente ano de 2022, com saúde, alegria e muitas leituras.
    Beijinho

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  6. Ainda não li nenhum dos que mencionaste :)
    Beijinho grande

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  7. Como é sempre bom quando acabamos por ler o que mais gostamos, confesso que nem todos conhecia, mas sim vou levar de sugestão
    Beijinhos
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