Entre Margens

Fotografia da minha autoria



«A vida é feita de momentos colecionáveis»


O mês dos regressos e dos recomeços veio embalado em serenidade. Habitualmente, setembro tem um traço de azáfama evidente, mas, este ano, revelou-se bastante tranquilo e foi tudo o que necessitei. Com várias visitas aos correios, para permitir que alguns dos livros que estou a vender levantem voo, reencontros e os últimos cartuchos do meu evento literário favorito, a Feira do Livro do Porto, sinto que passou muito rápido e que não aconteceu assim tanta coisa. Porém, tenho registos a provar-me que foi um mês de muito amor.


       🌿 MOMENTOS       


Feira do Livro do Porto
Foi a edição que visitei mais vezes: para comprar livros e para desfrutar da programação. Tendo como mote as palavras Imaginar e Agir, foi um evento muito poético, até porque a artista homenageada foi a poetisa Ana Luisa Amaral. No total, foram 17 dias preenchidos, dos quais usufrui seis. E pude comprovar o ambiente descontraído, encantador e com muitas pessoas apaixonadas por livros. Para além de ter novos exemplares a morar na minha estante, tive a oportunidade de assistir a sessões enriquecedoras, com autores que admiro.


Visitar o Bolhão
O Mercado do Bolhão é um dos lugares mais emblemáticos da cidade Invicta. Após ter entrado num plano de requalificação, reabriu as suas portas e eu fui redescobri-lo. A imagem modernizada não esconde a alma de sempre, até pelo contacto que se mantém próximo. Por isso, é maravilhoso tê-lo de regresso, digamos assim, para que o possamos visitar constantemente e para podermos adquirir produtos tão diversos ou desfrutar da zona de restauração. As ruas que continuam a povoar este Mercado encaminham-nos por um lado arquitetónico e outro cultural, numa combinação que encanta. O «trabalho de continuidade» sobressai.

   

Outros apontamentos bonitos do mês: Conheci a Sofia Costa Lima. Demorou um ano até conseguirmos ter uma agenda compatível para marcarmos um café, mas finalmente aconteceu. Sinto que não disse nada de jeito [ninguém me manda ser tão envergonhada], no entanto, gostei mesmo muito deste momento.


       📚 LEITURAS       


Lugar Para Dois, Miguel Jesus
Alma Lusitana ◾ Gaia

Sem Amor, Alice Oseman
Clube do Livra-te


Outras Leituras do Mês 
Nick & Charlie [Alice Oseman], Conversas Sobre o Amor [Natasha Lunn], O Luto de Elias Gro [João Tordo], A Contradição Humana [Afonso Cruz], O Rapto [Dora Fonte] e A Espada e a Azagaia [Mia Couto].


       🎥 FILMES, SÉRIES E PODCASTS       


A segunda temporada de Pôr do Sol deixou-nos um vazio difícil de preencher, porque o projeto superou todas as expectativas. E a verdade é que conseguiu unir-nos enquanto público. Com referências hilariantes e um argumento construído ao detalhe, custou abraçar a despedida, mas, para ficamos um pouco mais próximos da ideia, da equipa e do ambiente, foi disponibilizado um Making Of, que pode ser visto na RTP Play.

A RTP continua a ter uma aposta forte nas séries e, recentemente, lançou Cuba Libre, inspirada na luta de Annie Pais Silva, «filha única do último diretor da polícia política de Salazar, apaixonada por Che Guevara e pela Cuba de Fidel Castro». Confesso que não conhecia esta história, mas estou a gostar muito de a acompanhar. Ainda só saíram dois episódios, contudo, deixaram-me com vontade de descobrir mais.

A podsérie Hotel, de Luís Franco-Bastos, regressou para a quinta temporada e promete ser mais alucinante que as anteriores. Da Marateca para o mundo, o humorista tem-se superado neste projeto. O Poema Ensina a Cair, da Raquel Marinho, e Sem Barbas na Língua, do Guilherme Duarte e do Hugo Gonçalves, são dois podcasts que estou a explorar devagar, atualizando-me no conteúdo já disponibilizado nas suas plataformas.


       🍴 À MESA       


Miss Pavlova
Foi o espaço escolhido para ir com a Sofia e soube pela vida reencontrar-me com a Miss Pavlova. A sala estava bastante diferente do que me lembrava, mas o atendimento e os artigos mantiveram o seu cuidado e sabor, respetivamente. Claro que não podia ir lá e não comer uma fatia de Pavlova - e a de Floresta Negra tem o meu coração -, mas também provei as panquecas e um Iced Caramel Macchiato. Que delícia!



       💬 ENTRE LINHAS       


No último dia de Feira do Livro do Porto não comprei livros [algum dia isso tinha de acontecer], mas comprei, antes, um caderno e uma caneca. São dois artigos pelos quais me perco sempre e estes, em particular, alusivos a Fernando Pessoa, conquistaram-me pela elegância e pelo formato. Que bem que ficam cá em casa.

   

Publicações Guardadas na Gaveta
Entrevista de Manuel Pureza


       🎧 JUKEBOX       


A Surpresa: Lugar Certo [Iolanda];
Melhor Duo: Nem Te Vi [Beato & Joana Barra Vaz];
A Diferentona: daZona [Herlander];
As Favoritas: Vai Lá [Carolina Deslandes], 
Não Sou Eu [Firgun] & Chamada Não Atendida [Bárbara Tinoco];
Artista Revelação: KICU

Álbuns
Sal [Salvador Sobral], Pressure [Da Chick], Os Cães e as Rosas [Maria Gibson], Cantar Carneiros [Agir], Legend [John Legend], Que Te Tira o Sono à Noite [Algumacena], Alma // Ata [Alma Ata], Bonança [Beato], White Walls [Gui Aly], Blood and Love [Basilda].


       💫 GRATIDÃO       


«Dá às tuas amizades a magia que darias a um romance»

Setembro é um dos meus meses prediletos, portanto, sou muito grata por senti-lo a dar-me mais provas do porquê de ser assim. Sem a pretensão de diminuir a importância de todos os outros momentos, porque têm um lugar privilegiado no meu coração, tenho de destacar a oportunidade de ouvir a Filipa Leal e o Valério Romão.


Como foi o vosso mês?

Fotografia da minha autoria



«Um caminho de memórias difíceis»

Avisos de Conteúdo: Referência a episódios de Bullying


O compasso dos nossos passos apresenta um ritmo distinto, pelas rotas que divergem, mas torna-se sempre poético quando, por força das circunstâncias, os caminhos se vão cruzando e, até, sobrepondo, mostrando-nos que nunca navegamos sozinhos. Perante cenários de catástrofe, suplanta-se a cumplicidade e uma viagem intensa e inesquecível, como aquela que vamos acabar por descobrir neste exemplar de Rui Cardoso Martins.


ESCURIDÃO, SALVAÇÃO E CRÍTICA À SOCIEDADE

Deixem Passar o Homem Invisível permite-nos acompanhar a travessia de um homem cego desde os oito anos e de um pequeno escuteiro, «depois de uma enxurrada os empurrar para uma caixa de esgoto». Com a cidade de Lisboa virada do avesso, e uma dinâmica paralela a desenvolver-se no subsolo, a história tinha tudo para ser bastante trágica, mas tem um sentido de humor que equilibra os acontecimentos e que nos desarma.

«Não acha esta conversa sobre os cegos outra espécie de cegueira?»

Os diálogos surreais, de personagens peculiares e bem construídas, fazem-nos sentir a angústia de sentir o mundo a desabar. Por outro lado, é uma narrativa que foca a entreajuda e a cumplicidade que nasce de tempos conturbados. E creio que foi esta alternância que me fez render tanto à obra, pois explora temas complexos com uma dose de descontração que possibilita um certo relativizar de várias áreas cinzentas.

«É para se ver a luta que é uma pessoa acreditar na hipótese de um milagre»

Este livro, que oscila entre escuridão, amizades que nos salvam e uma crítica mordaz à sociedade, tem uma mensagem de esperança e um alerta para a urgência de não esperarmos por uma desgraça para agirmos. Dividida entre dois planos de ação e emoção, Deixem Passar o Homem Invisível é um álbum de memórias que nos inquietam, que nos divertem e, sobretudo, que nos consciencializam para o que acontece fora de nós.


Disponibilidade: Wook | Bertrand

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Fotografia da minha autoria



«Fotografar é uma maneira de ver o passado»


O traço subtil do regresso a casa começava a ecoar nos nossos passos, mas não sem antes termos a oportunidade de nos perdermos em mais alguns recantos do nosso país. Foram duas paragens bastante rápidas, que nos deixaram com imensa vontade de voltar, numa próxima viagem, para desfrutarmos dos locais com mais calma, descobrindo aqueles pontos que nos passaram despercebidos pela urgência da despedida.

A Polaroid cumpriu o seu propósito de eternizar os momentos e a paisagem envolvente. Por isso, convido-vos a acompanharem-me neste breve revisitar, à distância, de Alcácer do Sal e de Vila Franca de Xira.


ALCÁCER DO SAL










VILA FRANCA DE XIRA












Fotografia da minha autoria



Tema 42: Gelado + Guitarra


A taça ficou ao relento
Abandonada, a derreter
O gelado de baunilha
Que já não suportavas saborear

E ao longe
Em surdina
Uma melodia falhada
De uma qualquer guitarra portuguesa
A dar voz à minha alma quebrada

Saboreei-te os medos
Enquanto partias
E eu fiquei esquecida
Diminuída no meu canto escuro
À espera, simplesmente à espera
Que o jazz descompensado
Solidificasse o que ruiu

Somos contrastes
Duas bolas de gelo
E uma faixa que se escuta em silêncio
E estamos perdidos
Como quando a sobremesa é o pretexto
Para ir embora daqui

Fotografia da minha autoria



«A palavra escrita podia comprometer o regime 
e a imagem que dele tinham os portugueses»


A liberdade assenta-nos na perfeição, contudo, não é um dado adquirido. A linha que a separa da censura continua quebradiça e à mercê de uma voz poderosa que vire do avesso o caminho da nação. Portanto, entendermos a sua finitude e o seu privilégio é a maneira mais fidedigna de a respeitarmos - sendo, também, o impulso necessário para que continuemos a lutar pela sua realidade, em vez de suspirarmos por uma utopia.

Durante a ditadura, no que à literatura e à impressa diz respeito, a polícia do regime manteve o Lápis Azul bem afiado, condicionando a tão valiosa liberdade de expressão. Embora esta prática não seja exclusiva do Estado Novo, não só porque já se verificava antes, mas também porque ainda se manifesta atualmente, é inegável a sua expressividade, tornando evidente que ir contra as ideias do sistema não passaria impune. Assim, foram vários os autores que viram as suas obras rejeitadas, proibidas ou, na melhor das hipóteses, corrigidas.

O investigador José Brandão, em 2012, compilou uma lista com 900 livros censurados, pelos mais variados motivos, mas a maioria pela sua franca identidade filosófico-política. O fim do Estado Novo atribuiu um novo fôlego a estes livros, libertando-os, no entanto, a censura não desapareceu, tal como fica comprovado pela existência de um Índice de Livros Proibidos, pertencente à Opus Dei, uma organização da Igreja Católica.

Há muitos nomes que se repetem, até por insistirem na exploração de temas considerados tabu nas suas narrativas/nos seus versos. E podem encontrar mais detalhes nesta publicação da ESCS Magazine ou nesta lista do investigador supracitado. Para a próxima paragem do Alma Lusitana, que tem Lisboa como destino, o objetivo passa, então, por lermos livros censurados. E, para auxiliar no processo, reuni 15 exemplares.


 O QUE VOU LER 


Novas Cartas Portuguesas, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa: «Reescrevendo, pois, as conhecidas cartas seiscentistas da freira portuguesa, Novas Cartas Portuguesas afirma-se como um libelo contra a ideologia vigente no período pré-25 de Abril (denunciando a guerra colonial, o sistema judicial, a emigração, a violência, a situação das mulheres), revestindo-se de uma invulgar originalidade e actualidade, do ponto de vista literário e social. Comprova-o o facto de poder ser hoje lido à luz das mais recentes teorias feministas (ou emergentes dos Estudos Feministas, como a teoria queer), uma vez que resiste à catalogação ao desmantelar as fronteiras entre os géneros narrativo, poético e epistolar, empurrando os limites até pontos de fusão».


 OUTRAS SUGESTÕES 

      

Bichos, Miguel Torga: «Escrito num registo peculiar, marcado pelo recurso a um tom coloquial, a uma adjectivação específica e a diversas metáforas muito expressivas sobre uma realidade à qual se encontra intimamente ligado. As personagens e a acção desta história têm um carácter profundamente humano com um tom dramático e até desesperado».

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, José Saramago: «O Evangelho Segundo Jesus Cristo, dizia, é o romance que gerou mais polémica e é a causa de ter mudado a minha residência de Lisboa para Lanzarote, em Espanha. É um livro que não projetei, porque jamais me havia passado pela cabeça escrever uma vida de Jesus, havendo tantas e sendo tão diferentes as interpretações que dessa vida se fizeram, destrutivas por vezes, ou, pelo contrário, obedecendo às imposições restritivas do dogma e da tradição. Enfim, sobre o filho de José e Maria disse-se de tudo, logo não seria necessário um livro mais, e ainda menos o que viria a escrever um ateu como eu. Simplesmente, o homem põe e a circunstância dispõe e aqui está o que me impeliu a uma tarefa cuja complexidade ainda hoje me assusta».

O Crime do Padre Amaro, Eça de Queiroz: «Nesta obra polémica que gerou a contestação por parte da Igreja Católica portuguesa e, mais tarde, de outros que acusaram o autor de plágio, Eça de Queiroz definiu o que, para si, seria a principal função da Arte: uma extraordinária ferramenta de reforma social. É através do amor proibido entre Amaro, pároco recém-chegado à cidade de Leiria, e a jovem Amélia, filha da mulher que o hospeda, que se critica o clero católico e a sua promiscua influência nas relações domésticas. Se este livro parecia e poderia ser a morte anunciada de uma carreira literária sólida, tornou-se na verdade um dos textos centrais da obra de Eça de Queiroz, que prova aqui, mais uma vez, ser a voz da frente na denúncia da hipocrisia dos valores da sociedade portuguesa».


      

A Costa dos Murmúrios, Lídia Jorge: «Romance de um império de ocupação de costa, nada é atenuado ou escamoteado neste livro. Enredo e personagens arrastam consigo o significado caótico de um universo desregulado, onde o risco permanente torna os protagonistas dependentes de fortuitas coincidências».

Aparição, Vergílio Ferreira: «Reedição de um dos livros mais emblemáticos da obra vergiliana. Alberto Soares, a personagem central, rememora o ano em que deu aulas em Évora. E as pessoas que conheceu e que, de alguma maneira, contribuíram para a consolidação das suas teorias sobre a existência: Sofia, como quem manteve uma relação erótica tumultuosa, e as suas irmãs, Ana e Cristina. Carolino que, por ciúmes, tenta matar Alberto, mas acaba matando Sofia. Cristina, a irmã-criança de Sofia, também morre».

Filha de Lobão, Tomás da Fonseca: «Uma novela rústica (na modesta definição do autor), cuja acção decorre na segunda metade do século XIX. Nela nos oferece o romancista uma aguarela pitoresca e poética de costumes e tipos humanos, onde a vida campesina palpita bucólica e rude, com suas virtudes, atavismos e vícios. É o mundo dos simples, em que a existência se escoa sem fulgor no rio humilde das coisas triviais, mas em que é possível brotar e crescer, sem apostasia, alguém que reúne em si, harmonicamente, a majestade das serras, a candura da flor campestre e o hieratismo bíblico de uma imagem de retábulo; a Maria de Aljão, a Cotovia, como, menina e moça, a apelidavam».


      

Dinossauro Excelentíssimo, José Cardoso Pires: «De facto, não há muito tempo existiu no Reino do Mexilhão um imperador que na ânsia de purificar as palavras acabou por ficar entrevado com a paralisia da mentira. Ainda lá está, dizem. E não é homem nem estátua porque a ele, sim, roubaram-lhe a morte. Não faz parte deste nosso mundo nem daquele para onde costumam ir os cadáveres, embora cheire terrivelmente. Quando muito é isso, um cheiro. Um fio de peste a alastrar por todas as vilas do império».

Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, Natália Correia: «Depois de ver sucessivos livros seus apreendidos pela Censura do Estado Novo, Natália Correia aceitou o convite do visionário editor da Afrodite, Fernando Ribeiro de Mello, para organizar esta Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. «Finalmente num único livro», prometia a cinta que acompanhava o volume, publicado em dezembro de 1965, «a poesia maldita dos nossos poetas», «as cantigas medievais em linguagem atualizada», «dezenas de inéditos» e «a revelação do erotismo de Fernando Pessoa». A obra causou escândalo e foi apreendida pela PIDE, com vários dos intervenientes julgados e condenados em Tribunal Plenário, num processo que se arrastou durante anos. É agora republicada pela primeira vez com as ilustrações originais de Cruzeiro Seixas, incluindo também novos textos introdutórios e reproduções de documentos que contextualizam um marco histórico na edição nacional».

Gaibéus, Alves Redol: «Nesta história da alienação de uma comunidade de trabalhadores, ficamos a saber até que ponto são explorados, e até que ponto essa exploração se deve à falta de união com outras comunidades de jornaleiros. Gaibéus é, assim, o romance do divórcio entre ganhões, uns procurando resgatar algumas bouças ou sulcos que ainda lhes pertencem, outros alheios ao que seja possuir qualquer chalorda ou mesmo canteiro. História simbólica do embate de duas diferentes mentalidades, a desunião entre gaibéus e rabezanos é triste e profético paradigma das oposições, ainda hoje bem marcadas, entre os camponeses dos minifúndios e os dos latifúndios. Redol acreditava que seria possível o "casamento" entre uns e outros quando descobrissem que a mesma fome os une. É disso exemplo simbólico a parábola dos quatro jovens rabezanos e dos três jovens gaibéus».


      

Apresentação do Rosto, Herberto Helder: «Há a tentação de escrever um texto inabitável, uma espécie de mapa solitário e limpo, diante do qual o engenheiro da fábula não possa maquinar o seu empenho de aventura humana, com as palavras: aqui fica uma rua, aqui uma ponte, aqui um parque, aqui a mancha cerrada de sentimentos e ideias com o nome de bairro de gente. Antes da escrita, alguém disse: um momento, engenheiro - eu amaria uma superfície destituída de enigmas, aonde ninguém chegasse, onde não houvesse uma casa paterna, sobretudo, e a perpetração da parábola do filho pródigo. É um texto que se destina à consagração do silêncio, a gente já pensou tanto, já teve mãos por tantos lados, já dormiu e acordou - bom seria imaginar o espírito apaziguado, a reconciliação do pensamento com a matéria do mundo. Mestre, não me dês um tema. E então o texto principia a ser ferozmente habitado».

O Arcanjo Negro, Aquilino Ribeiro: «Este trabalho vem perfazer o estudo do casal lisboeta dos nossos dias encetado com Mónica. Se os figurantes são de carne viva, o seu complexo se inscreve logicamente nas coordenadas da alma humana, se ajustam ao meio como a imagem ao caixilho, julgar-se-á agora com segurança. Ocioso dizer que a minha preocupação foi submetê-los à lei das três dimensões com objectividade, respeito pela sintaxe, em tudo o culto fervente do real. Porventura o pio leitor se aperceba que andou com eles de braço dado, e então não será preciso ajuntar mais nada em seu abono».

A Magrizela, Maria da Glória: «Nesta obra, não apenas há muitas situações sexuais como há muitas variantes que hão-de ter sido ainda mais problemáticas para os censores: sexualidade infantil, necrofilia (praticada por crianças), atracção sexual de uma criança pelo pai adoptivo, relações eróticas homossexuais, relações eróticas grupais, várias relações extra-conjugais».


   

O Judeu, Bernardo Santareno: «
Ao contar a história do dramaturgo António José da Silva, Bernardo Santareno estabelece uma alegoria do regime Salazarista e da sua perseguição a qualquer tipo de discurso livre. A Inquisição, o tribunal, a escumalha de denunciantes e afins que condenam António José da Silva à fogueira têm evidente paralelo na acção da PIDE e na censura ideológica e política bem como no regime opressor. Se Camilo tinha criado um romance de época que era uma grande saga familiar sobre um país de extremos mas também sobre a opressão, Santareno cria uma peça política na acepção pura da palavra».

Minha Senhora de Mim, Maria Teresa Horta: «Compõe-se de 59 poemas. Neles, a autora usa a forma poética das cantigas de amigo medievais, usando a literatura canónica – e, portanto, a tradição literária – para desafiar um status quo (o pensamento patriarcal). Ao mesmo tempo, o seu conteúdo é subvertido. Nas cantigas de amigo medievais, escritas por homens, a voz era feminina e versava quase sempre o sofrimento por amor, regra geral devido à ausência do “amigo”, descrevendo-se as mulheres num estado de absoluta dependência. Contudo, na obra de Maria Teresa Horta, a mulher é o centro da narrativa dos poemas, sendo ainda o centro do desejo sexual. Não raras vezes, o sujeito poético usa o modo imperativo, comanda a relação heterossexual, não só rejeita a submissão como submete. A novidade não está apenas em dar-se voz à sexualidade das mulheres, mas no tom imperativo que é usado nos poemas, pondo-se a mulher a comandar a acção, dizendo ao homem o que deve fazer para agradar-lhe. Para além disso, é a mulher quem toma a iniciativa e chega a descrever como agradar ao parceiro. O sexo torna-se numa busca pelo prazer, esvazia-se do seu carácter procriador ou, ao reclamar o prazer para a mulher, de uma relação de poder do homem sobre a mulher».


 CONSIDERAÇÕES 

📖 Podem ler qualquer género e em qualquer formato;
📖 O tema é menos flexível na interpretação, mas podem ter sido censurados pelos mais diversos motivos;
📖 A lista anterior é um mero guia de apoio, caso estejam sem ideias para as vossas leituras, mas podem ler outra obra do vosso agrado, desde que, naturalmente, respeite o tema central e seja de um autor português;
📖 Não há prazos, obrigações, nem meses fixos. E podem ler mais do que um livro;
📖 Utilizem a hashtag #almalusitana_asgavetas para que consiga acompanhar o que estão a ler.


O Alma Lusitana tem grupo no Goodreads. Se quiserem aderir, encontro-vos aqui.


«Corpos não são matéria
De somenos importância
E constelações são desenhos teus
Que visam tocar
Os sentidos que dançam
Quando ousas brilhar no meu céu

Dei-te uma rosa
Sangue bom
Dei-te uma rosa

Reguei-a de prosa
Meu amor
Reguei-a de prosa

Li páginas de enternecer
O maior dos gigantes
E às tuas mãos
Eles vão beber
E nada mais é como dantes»

Fotografia da minha autoria



«O primeiro e mais ambicioso romance de James Baldwin»

Avisos de Conteúdo: Segregação, Discriminação, Preconceito, Violência Física e Verbal


Os percursos dos nossos pais - ou dos nossos familiares mais próximos - pode ser uma inspiração ou uma fonte de ansiedade, porque pode acontecer uma projeção de sonhos por realizar ou uma tentativa de prolongar o testemunho. Quando essa dinâmica é condicionada por fatores externos, torna-se ainda mais complexo respeitar cada individualidade. E é esse cenário que encontramos no primeiro romance de James Baldwin.


CRISE OU EPIFANIA?

Se o Disseres na Montanha acompanha a luta de John Grimes: um adolescente que, aos catorze anos, sente ter chegado a uma encruzilhada. Perante uma educação amplamente religiosa e intransigente, começa a ter dúvidas em relação ao seu futuro. Se, por um lado, é expectável que siga os passos do seu padrasto, por outro, ele pretende distanciar-se do destino que a comunidade lhe reserva. A grande questão é que, por pertencer a uma comunidade - já de si segregada -, receia não ter liberdade para escolher outro caminho.

«Parecia incapaz de respirar, parecia que o seu corpo não conseguia conter toda aquela paixão, 
que, diante dos olhos de todos, ia dispersar-se naquela atmosfera congelada de expectativas»

Inspirado na vida do autor, deixa-nos mais conscientes dos receios, das dúvidas e da voz do protagonista, porque há um contexto a ampará-los e a provar que mentalidades fechadas têm o poder de reprimir um jovem a descobrir a sua verdadeira personalidade. Assim, escutando o impacto de uma realidade conturbada, com relações tóxicas, violência e muita hipocrisia, este livro estabelece uma ponte com problemas estruturais.

«Mas aquele coração sobrecarregado não ficaria quieto, não o deixaria 
ficar em silêncio - não o deixaria respirar até que gritasse de novo»

O racismo sistémico, a negligência parental, a pobreza e as incoerências da Igreja são partes integrantes - e fundamentais - da narrativa, marcando a história de John. Na tentativa de descobrir se está a atravessar uma crise de identidade ou a abraçar uma epifania, compreenderá melhor a sua sexualidade e o lugar que pretende ocupar no mundo. No entanto, este processo não será isento de angústia, de revolta e, sobretudo, de culpa, até porque sofrerá uma pressão constante de terceiros, que tentarão fazê-lo acreditar que está errado, apenas desorientado, aumentando o fosso na sua autodeterminação para quebrar as amarradas e ser, por fim, livre.

«Não ouviu vozes a travar o caminho de Royal, e não tardou que o silêncio fosse total»

Se o Disseres na Montanha é um livro de contrastes, que opõe a adoração e a repugnância, a crença e a falta de fé, a norma e a diferença. É um relato duro, cheio de simbolismo e compaixão, porque, no meio do drama familiar, no qual se questiona a moralidade da personagem principal, Grimes tenta fazer dos dilemas a sua força. Para mim, faltou-lhe, ainda assim, um pouco mais de voz, mas a escrita de James Baldwin é soberba.


|| Disponibilidade ||

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andreia morais

andreia morais

O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá


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