ALMA LUSITANA: LIVROS CENSURADOS

Fotografia da minha autoria



«A palavra escrita podia comprometer o regime 
e a imagem que dele tinham os portugueses»


A liberdade assenta-nos na perfeição, contudo, não é um dado adquirido. A linha que a separa da censura continua quebradiça e à mercê de uma voz poderosa que vire do avesso o caminho da nação. Portanto, entendermos a sua finitude e o seu privilégio é a maneira mais fidedigna de a respeitarmos - sendo, também, o impulso necessário para que continuemos a lutar pela sua realidade, em vez de suspirarmos por uma utopia.

Durante a ditadura, no que à literatura e à impressa diz respeito, a polícia do regime manteve o Lápis Azul bem afiado, condicionando a tão valiosa liberdade de expressão. Embora esta prática não seja exclusiva do Estado Novo, não só porque já se verificava antes, mas também porque ainda se manifesta atualmente, é inegável a sua expressividade, tornando evidente que ir contra as ideias do sistema não passaria impune. Assim, foram vários os autores que viram as suas obras rejeitadas, proibidas ou, na melhor das hipóteses, corrigidas.

O investigador José Brandão, em 2012, compilou uma lista com 900 livros censurados, pelos mais variados motivos, mas a maioria pela sua franca identidade filosófico-política. O fim do Estado Novo atribuiu um novo fôlego a estes livros, libertando-os, no entanto, a censura não desapareceu, tal como fica comprovado pela existência de um Índice de Livros Proibidos, pertencente à Opus Dei, uma organização da Igreja Católica.

Há muitos nomes que se repetem, até por insistirem na exploração de temas considerados tabu nas suas narrativas/nos seus versos. E podem encontrar mais detalhes nesta publicação da ESCS Magazine ou nesta lista do investigador supracitado. Para a próxima paragem do Alma Lusitana, que tem Lisboa como destino, o objetivo passa, então, por lermos livros censurados. E, para auxiliar no processo, reuni 15 exemplares.


 O QUE VOU LER 


Novas Cartas Portuguesas, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa: «Reescrevendo, pois, as conhecidas cartas seiscentistas da freira portuguesa, Novas Cartas Portuguesas afirma-se como um libelo contra a ideologia vigente no período pré-25 de Abril (denunciando a guerra colonial, o sistema judicial, a emigração, a violência, a situação das mulheres), revestindo-se de uma invulgar originalidade e actualidade, do ponto de vista literário e social. Comprova-o o facto de poder ser hoje lido à luz das mais recentes teorias feministas (ou emergentes dos Estudos Feministas, como a teoria queer), uma vez que resiste à catalogação ao desmantelar as fronteiras entre os géneros narrativo, poético e epistolar, empurrando os limites até pontos de fusão».


 OUTRAS SUGESTÕES 

      

Bichos, Miguel Torga: «Escrito num registo peculiar, marcado pelo recurso a um tom coloquial, a uma adjectivação específica e a diversas metáforas muito expressivas sobre uma realidade à qual se encontra intimamente ligado. As personagens e a acção desta história têm um carácter profundamente humano com um tom dramático e até desesperado».

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, José Saramago: «O Evangelho Segundo Jesus Cristo, dizia, é o romance que gerou mais polémica e é a causa de ter mudado a minha residência de Lisboa para Lanzarote, em Espanha. É um livro que não projetei, porque jamais me havia passado pela cabeça escrever uma vida de Jesus, havendo tantas e sendo tão diferentes as interpretações que dessa vida se fizeram, destrutivas por vezes, ou, pelo contrário, obedecendo às imposições restritivas do dogma e da tradição. Enfim, sobre o filho de José e Maria disse-se de tudo, logo não seria necessário um livro mais, e ainda menos o que viria a escrever um ateu como eu. Simplesmente, o homem põe e a circunstância dispõe e aqui está o que me impeliu a uma tarefa cuja complexidade ainda hoje me assusta».

O Crime do Padre Amaro, Eça de Queiroz: «Nesta obra polémica que gerou a contestação por parte da Igreja Católica portuguesa e, mais tarde, de outros que acusaram o autor de plágio, Eça de Queiroz definiu o que, para si, seria a principal função da Arte: uma extraordinária ferramenta de reforma social. É através do amor proibido entre Amaro, pároco recém-chegado à cidade de Leiria, e a jovem Amélia, filha da mulher que o hospeda, que se critica o clero católico e a sua promiscua influência nas relações domésticas. Se este livro parecia e poderia ser a morte anunciada de uma carreira literária sólida, tornou-se na verdade um dos textos centrais da obra de Eça de Queiroz, que prova aqui, mais uma vez, ser a voz da frente na denúncia da hipocrisia dos valores da sociedade portuguesa».


      

A Costa dos Murmúrios, Lídia Jorge: «Romance de um império de ocupação de costa, nada é atenuado ou escamoteado neste livro. Enredo e personagens arrastam consigo o significado caótico de um universo desregulado, onde o risco permanente torna os protagonistas dependentes de fortuitas coincidências».

Aparição, Vergílio Ferreira: «Reedição de um dos livros mais emblemáticos da obra vergiliana. Alberto Soares, a personagem central, rememora o ano em que deu aulas em Évora. E as pessoas que conheceu e que, de alguma maneira, contribuíram para a consolidação das suas teorias sobre a existência: Sofia, como quem manteve uma relação erótica tumultuosa, e as suas irmãs, Ana e Cristina. Carolino que, por ciúmes, tenta matar Alberto, mas acaba matando Sofia. Cristina, a irmã-criança de Sofia, também morre».

Filha de Lobão, Tomás da Fonseca: «Uma novela rústica (na modesta definição do autor), cuja acção decorre na segunda metade do século XIX. Nela nos oferece o romancista uma aguarela pitoresca e poética de costumes e tipos humanos, onde a vida campesina palpita bucólica e rude, com suas virtudes, atavismos e vícios. É o mundo dos simples, em que a existência se escoa sem fulgor no rio humilde das coisas triviais, mas em que é possível brotar e crescer, sem apostasia, alguém que reúne em si, harmonicamente, a majestade das serras, a candura da flor campestre e o hieratismo bíblico de uma imagem de retábulo; a Maria de Aljão, a Cotovia, como, menina e moça, a apelidavam».


      

Dinossauro Excelentíssimo, José Cardoso Pires: «De facto, não há muito tempo existiu no Reino do Mexilhão um imperador que na ânsia de purificar as palavras acabou por ficar entrevado com a paralisia da mentira. Ainda lá está, dizem. E não é homem nem estátua porque a ele, sim, roubaram-lhe a morte. Não faz parte deste nosso mundo nem daquele para onde costumam ir os cadáveres, embora cheire terrivelmente. Quando muito é isso, um cheiro. Um fio de peste a alastrar por todas as vilas do império».

Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, Natália Correia: «Depois de ver sucessivos livros seus apreendidos pela Censura do Estado Novo, Natália Correia aceitou o convite do visionário editor da Afrodite, Fernando Ribeiro de Mello, para organizar esta Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. «Finalmente num único livro», prometia a cinta que acompanhava o volume, publicado em dezembro de 1965, «a poesia maldita dos nossos poetas», «as cantigas medievais em linguagem atualizada», «dezenas de inéditos» e «a revelação do erotismo de Fernando Pessoa». A obra causou escândalo e foi apreendida pela PIDE, com vários dos intervenientes julgados e condenados em Tribunal Plenário, num processo que se arrastou durante anos. É agora republicada pela primeira vez com as ilustrações originais de Cruzeiro Seixas, incluindo também novos textos introdutórios e reproduções de documentos que contextualizam um marco histórico na edição nacional».

Gaibéus, Alves Redol: «Nesta história da alienação de uma comunidade de trabalhadores, ficamos a saber até que ponto são explorados, e até que ponto essa exploração se deve à falta de união com outras comunidades de jornaleiros. Gaibéus é, assim, o romance do divórcio entre ganhões, uns procurando resgatar algumas bouças ou sulcos que ainda lhes pertencem, outros alheios ao que seja possuir qualquer chalorda ou mesmo canteiro. História simbólica do embate de duas diferentes mentalidades, a desunião entre gaibéus e rabezanos é triste e profético paradigma das oposições, ainda hoje bem marcadas, entre os camponeses dos minifúndios e os dos latifúndios. Redol acreditava que seria possível o "casamento" entre uns e outros quando descobrissem que a mesma fome os une. É disso exemplo simbólico a parábola dos quatro jovens rabezanos e dos três jovens gaibéus».


      

Apresentação do Rosto, Herberto Helder: «Há a tentação de escrever um texto inabitável, uma espécie de mapa solitário e limpo, diante do qual o engenheiro da fábula não possa maquinar o seu empenho de aventura humana, com as palavras: aqui fica uma rua, aqui uma ponte, aqui um parque, aqui a mancha cerrada de sentimentos e ideias com o nome de bairro de gente. Antes da escrita, alguém disse: um momento, engenheiro - eu amaria uma superfície destituída de enigmas, aonde ninguém chegasse, onde não houvesse uma casa paterna, sobretudo, e a perpetração da parábola do filho pródigo. É um texto que se destina à consagração do silêncio, a gente já pensou tanto, já teve mãos por tantos lados, já dormiu e acordou - bom seria imaginar o espírito apaziguado, a reconciliação do pensamento com a matéria do mundo. Mestre, não me dês um tema. E então o texto principia a ser ferozmente habitado».

O Arcanjo Negro, Aquilino Ribeiro: «Este trabalho vem perfazer o estudo do casal lisboeta dos nossos dias encetado com Mónica. Se os figurantes são de carne viva, o seu complexo se inscreve logicamente nas coordenadas da alma humana, se ajustam ao meio como a imagem ao caixilho, julgar-se-á agora com segurança. Ocioso dizer que a minha preocupação foi submetê-los à lei das três dimensões com objectividade, respeito pela sintaxe, em tudo o culto fervente do real. Porventura o pio leitor se aperceba que andou com eles de braço dado, e então não será preciso ajuntar mais nada em seu abono».

A Magrizela, Maria da Glória: «Nesta obra, não apenas há muitas situações sexuais como há muitas variantes que hão-de ter sido ainda mais problemáticas para os censores: sexualidade infantil, necrofilia (praticada por crianças), atracção sexual de uma criança pelo pai adoptivo, relações eróticas homossexuais, relações eróticas grupais, várias relações extra-conjugais».


   

O Judeu, Bernardo Santareno: «
Ao contar a história do dramaturgo António José da Silva, Bernardo Santareno estabelece uma alegoria do regime Salazarista e da sua perseguição a qualquer tipo de discurso livre. A Inquisição, o tribunal, a escumalha de denunciantes e afins que condenam António José da Silva à fogueira têm evidente paralelo na acção da PIDE e na censura ideológica e política bem como no regime opressor. Se Camilo tinha criado um romance de época que era uma grande saga familiar sobre um país de extremos mas também sobre a opressão, Santareno cria uma peça política na acepção pura da palavra».

Minha Senhora de Mim, Maria Teresa Horta: «Compõe-se de 59 poemas. Neles, a autora usa a forma poética das cantigas de amigo medievais, usando a literatura canónica – e, portanto, a tradição literária – para desafiar um status quo (o pensamento patriarcal). Ao mesmo tempo, o seu conteúdo é subvertido. Nas cantigas de amigo medievais, escritas por homens, a voz era feminina e versava quase sempre o sofrimento por amor, regra geral devido à ausência do “amigo”, descrevendo-se as mulheres num estado de absoluta dependência. Contudo, na obra de Maria Teresa Horta, a mulher é o centro da narrativa dos poemas, sendo ainda o centro do desejo sexual. Não raras vezes, o sujeito poético usa o modo imperativo, comanda a relação heterossexual, não só rejeita a submissão como submete. A novidade não está apenas em dar-se voz à sexualidade das mulheres, mas no tom imperativo que é usado nos poemas, pondo-se a mulher a comandar a acção, dizendo ao homem o que deve fazer para agradar-lhe. Para além disso, é a mulher quem toma a iniciativa e chega a descrever como agradar ao parceiro. O sexo torna-se numa busca pelo prazer, esvazia-se do seu carácter procriador ou, ao reclamar o prazer para a mulher, de uma relação de poder do homem sobre a mulher».


 CONSIDERAÇÕES 

📖 Podem ler qualquer género e em qualquer formato;
📖 O tema é menos flexível na interpretação, mas podem ter sido censurados pelos mais diversos motivos;
📖 A lista anterior é um mero guia de apoio, caso estejam sem ideias para as vossas leituras, mas podem ler outra obra do vosso agrado, desde que, naturalmente, respeite o tema central e seja de um autor português;
📖 Não há prazos, obrigações, nem meses fixos. E podem ler mais do que um livro;
📖 Utilizem a hashtag #almalusitana_asgavetas para que consiga acompanhar o que estão a ler.


O Alma Lusitana tem grupo no Goodreads. Se quiserem aderir, encontro-vos aqui.

Comentários

  1. Li O Crime do Padre Amaro na pre-adolescencia e depois acompanhei a novela com o Tony Ramos, gostei muito e quero voltar a ler :) Quero muito ler o livro das 3 Marias tambem. Sobre censura, lembro-me da minha ter escondido um livro sobre o 25 de Abril, na mesinha de cabeceira dela para nao criar discussoes com o meu pai que, apesar de ser um bom homem era salazarista (hoje sei que ele o era sem saber...) Valeu-lhe o amor e o bom senso da minha mae .

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    1. A novela nunca cheguei a ver!
      Estou bastante curiosa com o livro das 3 Marias, mas a equilibrar expectativas, porque já me disseram que pode ser difícil em algumas partes.
      O amor dos nossos salva-nos

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  2. Parece-me que vou voltar ao Eça. Tenho o filme do Crime do Padre Amaro, mas nunca cheguei a ver.

    Talvez opte por essa leitura.

    Beijinho grande, minha querida!

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  3. Já tive o prazer de ler uns quantos livros desta excelente selecção de livros que foram censurados.
    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  4. Acredito que sejam todos bons livros de ler.
    .
    Uma semana feliz … cumprimentos poéticos
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. Destes, ainda só li O Crime do Padre Amaro, mas já adicionei os restantes à lista :)
      Obrigada e igualmente, Ricardo

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  5. Hum, parece ser mais uma boa sugestão para se conhecer ou até para comprar porque ainda não conhecia alguns que tens aí
    Beijinhos
    Novo post
    Tem Post Novos Diariamente

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    1. Se tiveres curiosidade, és muito bem-vinda a esta viagem :)

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  6. Oi Andreia
    parece ser bons livros, estamos fazendo uma lista de livros para ler até 2023. Colocamos alguns citados!
    Abraços,
    Blog Vou Arrasar

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