O SOL PARECE A LUA
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Fotografia da minha autoria |
- título sugerido pela Matilde Ferreira -
A casa branca deita flores pela chaminé. Tantas vezes repetiu este pensamento, quando por lá passava, que começou a acreditar nele. E a acreditar que via um desfile de tulipas, girassóis, margaridas, gerberas e mais uma série delas a ascender por aquele mar azul translucido, em plena tarde de verão, por cima da sua cabeça.
Numa das suas longas caminhadas, decidiu parar e, enquanto criança curiosa, deitar-se em terreno alheio, que julgou abandonado, para desfrutar do espetáculo que apenas ele observava, mas que o enternecia mesmo assim. Julgou-se adormecer, até que uma borboleta colorida, numa dança delicada, pousou no seu nariz.
– Também vieste ver a casa que deita flores pela chaminé?
– Que casa é essa?
Arregalou muito os olhos, a achar que tinha enlouquecido. Não tinha, só não reparou que não estava sozinho.
– Tu falas?
– Sim... Qual é o espanto?
– Mas és uma borboleta?
– Essa é boa – e o riso daquela voz encheu o ar.
Naquele instante, uma sombra aproximou-se e ele levantou-se num ápice.
– Calma, não precisas de ficar assustado. O que fazes aqui? Estás perdido?
– Ah, não, não, só vim dar um passeio, já vou embora – respondeu algo desorientado. – Achei que este jardim estava abandonado e resolvi deitar-me um bocado, para descansar. Lamento ter incomodado, até à próxima.
Preparou-se para desaparecer dali, mas algo o impedia. Era como se o olhar daquela mulher, que poderia bem ser sua mãe (e talvez não se importasse se fosse), o hipnotizasse, como se lhe dissesse para não sair dali.
– Podes ficar o tempo que quiseres – sorriu.
– Obrigado!
– Diz-me lá, que história é essa de a casa branca deitar flores pela chaminé?
– Uma brincadeira que tinha com a minha mãe...
– Tinhas?
– Um incêndio destruiu a nossa casa, do outro lado do monte. Ela não sobreviveu.
– Lamento, meu querido.
– Eu também.
O ar ficou envolto num silêncio desconfortável, mas nenhum recuou. Aquelas duas almas não se conheciam de parte alguma e, ainda assim, tinham histórias de vida semelhantes. Talvez tivessem tempo de o descobrir.
Como se nada tivesse acontecido, retomaram a conversa.
– Tínhamos o hábito de ir para o jardim, em tardes de céu aberto, para imaginar figuras em cenários improváveis. Por isso, passei a ver mais do que existe na realidade. É divertido pelo que podemos criar.
– Então basta-te olhar para o céu?
– Sim, tão simples quanto isso.
– Parece-me um bom plano. Vou deixar-te sossegado.
– Pode fazer-me companhia.
– Fazemos assim, eu cedo o espaço e todos os dias regressas com uma história nova. O que te parece?
– Perfeito!
A partir daquele dia, o rapaz voltou sempre à mesma hora. Quem o visse, julgava-o sempre atrasado para um compromisso inadiável. Mas que compromisso poderia ser aquele? Apesar da curiosidade, ninguém perguntou.
Passou o verão e todas as estações seguintes. Floriram as flores, chegaram as primeiras chuvas e os nevões da serra. E ele sempre de um lado para o outro, a criar narrativas, a deitar-se no jardim e a olhar para o céu à procura de inspiração. Houve olhares desconfiados, mas a verdade é que ninguém se atreveu a segui-lo.
A voz da mulher era a única que lhe preenchia os dias. Ali, encontrou um lar e sentiu que, tal como ele, ela deveria estar sozinha no mundo, numa bolha de perda da qual não conseguia falar. Que triste é estar-se só.
Quando o ano deu mais uma volta, o rapaz deixou de ir e passou a ficar. Primeiro, no quarto de hóspedes, depois na casa toda. E cresceu a imaginar, afinal, a casa branca continuava a deitar flores pela chaminé.
Era já inverno nos suspiros descompensados da mulher. Os espaços em branco na sua memória eram mais intensos, ampliados de falhas, mas, observando um último pôr-do-sol, pegou na mão do rapaz de quem nunca conheceu o nome, talvez porque existam elos que não precisem de saber mais do que aquilo que alcançam.
– O sol parece a lua, não achas?
E, depois, o silêncio. E uma chaminé vazia.
Fiquei literalmente agarrada ao texto. Que doçura.
ResponderEliminarAdorei *.* Parabéns, minha querida.
Beijinho grande!
Oww, que bom que é ler isso, minha querida! Significa muito 🤍
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ResponderEliminarBom dia: Não é fácil contar estórias em prosa. A casa que deita flores pela chaminé. Tão original, tão bonito, tão sedutor de ler.
Feliz quinta feira
ilusões e poesia intima
*/*
Muito obrigada por esse retorno tão bom, Mariete!
EliminarFeliz quinta
Belo texto que gostei de ler
ResponderEliminarFeliz fim de semana.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Muito obrigada, Ricardo!
EliminarContinuação de boa semana
Fico de coração cheio por ter inspirado uma historia tao encantadora *.* Nao pares, minha querida, continua a inspirar-nos com a tua escrita tao bonita :)
ResponderEliminarObrigada pela inspiração, minha querida, e por essas palavras tão generosas 🤍
EliminarFantástico! Os meus parabéns!
ResponderEliminarBjxxx
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Muito obrigada, Teresa!
EliminarNossa que texto mais bonito, como não gostar da sua escrita
ResponderEliminarParabéns
Beijinhos
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Muito obrigada, Sofia!
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