entre o verso e o silêncio: fechar o ciclo

Fotografia da minha autoria



A frase não é novidade, mas continuo a acreditar que um dos aspetos que mais me define é encontrar na escrita uma forma de comunicar muito mais alinhada com a minha essência. E como penso melhor de caneta na mão, a preencher folhas em branco, a rasurar para chegar ao tom certo do texto, é mais intuitivo estruturar o que quero dizer. Não vou debater qualidade (ou falta dela), mas é através das palavras que procuro sustentar a minha arte.


 entre o verso e o silêncio

Fui recuperando o fascínio por escrever poesia e a parte mais interessante é que me tenho divertido no processo. Não quero olhar para o género com um filtro inacessível, embora haja sempre um momento em que a síndrome do impostor se faz ouvir com mais assertividade e fique só a oscilar entre perguntas como «o que é a poesia?», «será que os meus versos podem ser considerados poesia?», «será que posso desconstruir este formalismo que ainda parece pairar nos poemas?». Não obstante, quis permitir-me explorar, deixar que as palavras seguissem o seu curso, e fui-me comprometendo para chegar ao patamar que sempre sonhei: escrever e ser publicada.

Quando, na primavera de 2023, enviei o meu manuscrito para algumas editoras, sinto que cumpri o propósito de parar de adiar um objetivo que me acompanha desde a infância. Não achei que o caminho estivesse feito e também não me iludi. Acalentei a esperança, mas não tirei os pés do chão. O tempo foi passando e o silêncio fez mossa, claro, apenas não quebrou a certeza de ter enviado um trabalho com um conceito do qual me orgulhava. E a verdade é que continuavam a existir alternativas.

No final de 2023, aliando uma vontade crescente de sair da minha zona de conforto, achei que fazia todo o sentido levar aqueles poemas, aquele livro, para uma versão áudio e, por isso, avancei com o entre o verso e o silêncio, um podcast semanal cujo único propósito era sentar-me a declamar, de uma forma muito descontraída, o que já tinha saído da gaveta. Acho que este formato não é, de todo, para mim, mas foi um exercício valioso, até porque me ajudou a perceber que estava na altura de largar a mão.

Durante um pouco mais de um ano, transitei entre os diferentes cadernos que compilei no manuscrito, mas resolvi fechar este ciclo.


 fechar o ciclo

A vida foi-se intrometendo pelo caminho e encontrar tempo para gravar os episódios deixou de ser uma prioridade. No entanto, mais do que isso, percebi que tinha ali versos onde já não me revia. Pertencem a um período específico e não me envergonham, apenas compreendi que não fazia sentido continuar a reproduzi-los quando aquela já não era bem a minha voz. Além disso, quero acreditar que a minha escrita evoluiu, portanto, a continuar, teria de ser sempre com algo que o espelhasse — e não podia ser no entre o verso e o silêncio, porque chegou com uma identidade muito específica.

Fui adiando o inevitável, mas a verdade é que já há algum tempo que tinha percebido que não voltaria ao podcast. Ainda assim, sinto que precisava de fechar esta porta por escrito, porque não deixou de ser uma parte bonita da minha jornada digital (para mim, pelo menos). Portanto, sim, despeço-me do entre o verso e o silêncio, consciente de que permanecerei ancorada à poesia, sempre à procura de novos conceitos e versos que possam traduzir o caos que tantas vezes me habita.

A única hesitação é apagar ou não a secção do substack de forma definitiva. De resto, sei que chegou a altura de seguir em frente, de navegar por outras margens, porque «aprendi a gostar de poesia lendo o seu silêncio» e isso não se alterará, só deixará de vir alicerçado à minha voz.


Obrigada a quem esteve desse lado a acompanhar a aventura 💜

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