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Fotografia da minha autoria |
A vida aparenta ser uma manta de retalhos, compondo os nossos passos com várias peças que movemos por lógica, por necessidade, por improviso — por vezes, numa simbiose silenciosa entre todos estes elementos. E foi mais ou menos nesta oscilação que me senti no livro de Tatiana Salem Levy.
uma chave de possibilidades
A Chave de Casa combina, ainda que em patamares emocionais distintos, «a dolorosa perda da mãe, um amante violento [e] as origens longínquas». Antes de falecer, o avô dá-lhe a chave da sua antiga casa em Esmirna, na Turquia, e esse gesto é o gatilho para que a narradora parta numa viagem intimista, muito interior, de autodescoberta.
Os capítulos iniciais, confesso, desarmaram-me por completo. Aliás, senti-me tão impactada pelas suas dúvidas, pela sua hesitação, pela sua certeza de ser várias pessoas em simultâneo, que temi ler todas as suas palavras com lágrimas nos olhos, até porque a noção de perda, a urgência do luto, embora individuais, têm fios invisíveis que nos unem, que nos mostram que há um reconhecimento que ultrapassa qualquer falta de vínculo afetivo, isto é, eu não conheço a autora e, mesmo assim, houve muito dela naqueles contextos que senti na pele. E parte de mim quis apaziguar aquela dor.
«Você estava sentada no sofá com ar de derrota quando me aproximei e sussurrei em seu ouvido: não faz mal. Se tiver de mudar de mundo, iremos juntas. Não importa aonde for, faremos outro pacto e, se mais tarde for preciso, outro, e depois outro e outro e outro. Faremos quantos pactos forem necessários, mudaremos de mundo quantas vezes nos exigirem, mas uma coisa é certa: minhas mãos estarão sempre coladas às suas»
O tempo cruza-se e há algo na forma como Tatiana Salem Levy escreve que soa sempre a um sopro, quase como se assumisse sempre o compromisso de dar nome às coisas para que não pesem tanto. Gosto particularmente dessa dinâmica e do facto de não filtrar as suas emoções. No entanto, achei que a narrativa se tornou um pouco confusa em certas transições, dando a sensação de que alguns assuntos ficarão em suspenso — não ficam, mas, depois, há uma necessidade de os encerrar de uma forma mais célere.
A Chave de Casa é próximo e achei muito interessante que tivesse dado espaço de resposta, como se as personagens se pudessem defender, mesmo que não precisassem. Além disso, deixou-me a pensar na capacidade que temos para construir narrativas tão diferentes para as mesmas situações.
notas literárias
- Gatilhos: Luto, linguagem explícita
- Lido entre: 14 e 16 de agosto
- Formato de leitura: Físico
- Género: Romance
- Pontos fortes: O cruzamento de histórias e a melodia da escrita
- Banda sonora: I've Told Every Little Star, Linda Scott | Holocene, Bon Iver | Myth, Beach House | First Breath After Coma, Explosions In The Sky
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