volta já, antónio raminhos

Fotografias da minha autoria

A minha morte nunca me assustou. Amedronta-me a forma como acontecerá, sim, no entanto, não me aflige saber que um dia já não estarei por cá — talvez por ter perdido pessoas importantes muito nova e isso me ter ajudado a perceber que é o curso natural da vida, ainda que soe sempre a um lugar comum e nunca seja fácil lidar com a perda afetiva que nos deixam. Seja como for, não tenho medo de morrer, contrariamente a António Raminhos, cujo espetáculo mais recente sustenta a sua premissa neste tema.

Volto Já aborda experiências pessoais e traz reflexões «sobre o que significa viver num mundo onde a morte é uma realidade inevitável» e cuja presença sempre se fez notar na «sua ansiedade e perturbação obsessiva-compulsiva». Assim, construiu um texto onde transita entre medos, particularidades absurdas do quotidiano, histórias sobre funerais e tradições fúnebres, dinâmicas familiares e tudo o que relembra a finitude.

Foi a primeira vez que o vi a atuar ao vivo e, primeiro, deixem-me só partilhar o meu espanto quando o vi a entrar em palco, porque eu sei que o Raminhos é alto, mas não estava preparada para o quão alto ele é. Segundo, e focando-me naquilo que importa, quero apenas dizer-vos que adorei a cadência do espetáculo, a maneira como encaixou todos os assuntos, garantindo que «o seu habitual humor nonsense» tinha propósito e que trazia um dialeto transversal à plateia. Na sala do Sá da Bandeira estavam pessoas muito diferentes, que podiam não se rever em determinadas crenças e, mesmo assim, sinto que abraçamos cada pedaço das suas histórias de peito aberto, disponíveis para, pelo menos, tentarmos compreender a origem daqueles pensamentos e/ou daquelas atitudes. Houve muita vulnerabilidade e franqueza na partilha e isso conquistou-nos.


Regressei a casa de coração cheio e com uma certeza: a de que o Raminhos conseguiu ser sensível, inteligente e cómico nos tempos certos, equilibrando muito bem cada um dos segmentos pensados. E, por isso, o espetáculo foi leve e emocional, arrancou-nos gargalhadas e tirou-nos o tapete, deixou-nos absortos e descontraídos, tudo na mesma medida. E, de repente, «a indesejada visita da morte» transformou-se só em comédia.

Volto Já promete «ressignificar o luto e celebrar a vida» e eu creio que cumpriu ambos com naturalidade e relevância, até porque, sem diminuir dores, ajuda-nos a relativizar. E, por vezes, só precisamos de alguém que nos faça sair da nossa cabeça e praticar o denominado «é o que é». Há muitas coisas que não controlamos e nem sempre é fácil aceitar isso, mas havemos de lá chegar e, quem sabe, rir disso. Com um tom intimista e um texto que, creio, conseguirá perdurar no tempo, espero que o Raminhos volte já.

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