EXEMPLARES DE AUTORES PORTUGUESES QUE RECOMENDO
DE OLHOS FECHADOS

Fotografia da minha autoria



«Recomendar um livro é uma receita»


A magia de nos perdermos no interior de um livro extrapola para o quanto se cola à nossa memória, quando chegamos ao final. E há poucas sensações tão reconfortantes como esta: sentirmos que um livro soa quase a um abraço apertado, porque nos deixa em paz; porque percebemos que também tem a capacidade de ser um porto seguro. Por essa razão, existe, em nós, uma vontade imensa de o recomendar a quem nos rodeia.

Tenho sempre bastantes reticências, no entanto, em afirmar que as pessoas deveriam ler determinado exemplar, uma vez que os nossos gostos e as nossas necessidades nem sempre combinam. Além disso, temos maneiras distintas de interpretar a mesma mensagem. E a verdade é que é esta pluralidade que torna o processo tão singular. Portanto, procuro aconselhar sem impor, pois acredito que é a postura mais correta e a que respeita melhor o espaço - literário - de cada um.

Se me perguntarem, ainda assim, quais os títulos que não podem deixar de descobrir, há nomes que me saltam do coração. Por isso, reuni dez de autores portugueses, porque tornaram a minha jornada mais especial.


POESIA, SOPHIA DE MELLO BREYNER


O mar embala Sophia, mas esta obra poética transcende para identidades múltiplas, de quem deambula pela morte, pelo sonho, pela exaltação, pela fragilidade, pela plenitude, pelo terror e pelas ruínas. Com versos de uma delicadeza e humanidade ímpares, é a natureza - enquanto elemento e enquanto caráter - que nos proporciona uma metamorfose emocional, partindo de um lugar íntimo, quase desconhecido, e compreendendo as dicotomias que nos correm por dentro. Tão sublime!


COMO É LINDA A PUTA DA VIDA, MEC


Miguel Esteves Cardoso é um dos autores que mais me inspira. Porque a sua escrita é pertinente e mordaz. Foge do politicamente correto. E sabe fazê-lo com inteligência e brilhantismo. No Entrelinhas #27, mencionei que li muitas das suas crónicas. O que fez com que a minha vontade de conhecer as suas obras fosse cada vez maior. E a minha primeira escolha foi, precisamente, o título que mencionei anteriormente. E aquilo que me cativou foi o seu lado mais familiar, intimista, que nos fala ao coração. O sarcasmo não é tão evidente. E há uma certa melancolia. Mas o lado tão próprio e genuíno de MEC continua a estar bem presente [Os Meus 7 Clássicos da Literatura].


PARA ONDE VÃO OS GUARDA-CHUVAS, AFONSO CRUZ


Abriga um mundo de histórias e de personagens com percursos distintos e, aparentemente, autónomos, mas que encontram uma forma de se interligarem. Tendo o Oriente como pano de fundo, através de efabulações e traços mais fantásticos, somos capazes de estabelecer uma ponte com o nosso quotidiano, porque todos procuramos algo na vida, mesmo que os nossos contextos divirjam. Além disso, é o retrato fiel do «equilíbrio desequilibrado» do universo, que nos coloca à prova e nos leva a reconsiderar decisões e a ponderar uma maneira de quebrar as barreiras que ainda envolvem o ser humano [Alma Lusitana].


FÓSFOROS E METAL SOBRE IMITAÇÃO 
DE SER HUMANO, FILIPA LEAL


Este livro é um misto de conselhos para quem entra nos quarenta e uma exposição de escultura, mantendo um tom despretensioso, sarcástico e bastante relacional. Porque, com honestidade, equilibra aspetos do quotidiano com experiências pessoais e familiares. E, assim, deambulamos por fragmentos da sua infância e sentimentos mais atuais, proporcionando-nos uma leitura intimista, que facilmente se cola à nossa pele - mesmo que a descubramos num sopro [Alma Lusitana].


A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS, VALTER HUGO MÃE


Escrita em minúsculas, numa clara utopia de igualdade, parte da vida de um barbeiro reformado para nos impulsionar a refletir sobre conceitos que nos transformam, durante o nosso crescimento: família, amizade e compromisso. Além disso, atribui voz à velhice, à solidão e ao luto. Através de um discurso poético, é impensável não ponderarmos o que nos reservará o futuro e quais as implicações de certas perdas: sejam elas referentes a um cenário de autonomia, sejam elas referentes à morte de alguém que é tudo para nós. Porque cada uma delas dilacera à sua medida, condicionando uma parte do nosso presente [Entrelinhas].


PARA ONDE VÃO AS MEIAS QUE DESAPARECEM?, MARGARIDA PORTO


A audácia de escutarmos o coração, numa história infantil que deve ser lida por todos. Porque a autora teve a originalidade e a sensibilidade de partir de um mistério presente em todas as casas, para despertar a nossa atenção e destacar uma série de valores imprescindíveis. Mostrando o quanto o amor e a amizade nos moldam, compreendemos que ser colo e aprender a deixar voar são duas demonstrações de afeto que nos aconchegam. Além disso, é uma narrativa que nos incentiva a confiar nas nossas capacidades, pois tornam-se numa ponte para descobrirmos estradas maravilhosas. Ri-me e emocionei-me com as aventuras que nos esperam, porque há magia dentro destas páginas.


DEBAIXO DE ALGUM CÉU, NUNO CAMARNEIRO


É um livro bastante especial. E, por algumas horas, senti-me a viver dentro deste prédio, que funciona como purgatório, permitindo-nos descobrir uma mensagem muito mais profunda. Ainda que o enredo se situe «numa cidade da província», podemos encontrá-lo ao virar da esquina. E, se calhar, até já habitamos nele [Entrelinhas].


RACISMO NO PAÍS DOS BRANCOS COSTUMES, 
JOANA GORJÃO HENRIQUES


A autora é jornalista, branca, ciente dos seus privilégios e sem a pretensão de falar pelos outros. No entanto, a sua consciência social fá-la querer servir de plataforma, como a própria refere, «para um grupo heterogéneo de pessoas que é alvo de discriminação a vários níveis». Embora esta obra parta de uma série de reportagens publicadas no jornal Público, em 2017, continua a ser atual e a evidenciar o mito do não-racismo. Assim, baseada em histórias reais, é revoltante a dualidade de critérios, o desrespeito e os obstáculos acrescidos, porque a cor ainda influencia o acesso aos direitos humanos. Cru, objetivo e conciso, Racismo no País dos Brancos Costumes mostra a urgência de expormos casos como aqueles que são escritos, porque, enquanto não mudarmos a estrutura, o problema continuará irreversível.


PECADOS SANTOS, NUNO NEPOMUCENO


Um thriller alucinante. Iniciei a obra curiosa, mas tentei não elevar as expectativas. E a verdade é que fui envolvida numa viagem surpreendente. Porque a cadência dos atos e os seus simbolismos prendem-nos, ao mesmo tempo que nos levam a refletir sobre as ligações interpessoais, a religião e o extremismo das nossas crenças. Para além do mais, com uma escrita rigorosa, o autor teve a sensibilidade de expor e explorar factos bíblicos sem tornar a leitura pesada e desconexa. Pelo contrário, tornou a descrição bastante apelativa e contextualizada. A certo ponto, naturalmente, somos incentivados a formular hipóteses, mas creio que nada nos encaminha para o desfecho. Deambulando entre o passado e o presente, há um ritmo misterioso e frenético que nos abraça e nos perturba, deixando-nos perplexos com as reviravoltas que a vida nos reserva e, sobretudo, com o quanto estamos longe de conhecer certas pessoas. Afinal, todos temos telhados de vidro e não imaginamos os laços que unem histórias [Alma Lusitana].


ESTAR VIVO ALEIJA, RICARDO ARAÚJO PEREIRA


É uma obra que podemos ler num sopro ou ir descobrindo aos poucos. Alia conhecimentos plurais e imaginação. E transparece uma postura de autocrítica, convidando-nos a rir de todas as incoerências que encontramos em nós e no mundo - sobretudo, no mundo. Ricardo Araújo Pereira não procura ajudar-nos a compreender aquilo que nos rodeia. Fornece-nos, antes, a melhor arma que podemos possuir: o sentido de humor. Talvez, assim, a vida aleije menos [Uma Dúzia de Livros].


Quais são os livros que recomendam de olhos fechados?

Comentários

  1. Vou tomar nota das recomendações! É impressionante o teus gosto pela leitura!
    Isabel Sá  
    Brilhos da Moda

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    1. Boas leituras, Isa :) é algo que me transmite imensa paz!

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  2. "Autobiografia", José Luís Peixoto, "O Dia em que chegaste", Letícia Brito, "Segunda-feira", Ana Silvestre, "Ensina-me a voar sobre os telhados", João Tordo.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Adoro o livro do João Tordo *-* tenho de ler Autobiografia

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  3. Excelentes sugestoes <3 Li Poesia na adolescencia e tenho mesmo de voltar a te-lo na minha biblioteca <3 Indispensavel <3 Ja sabes a minha opiniao sobre o do MEC e o do VHM <3

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    1. É daqueles livros que nos aconchegam a alma *-*
      Dois escritores absolutamente inspiradores!

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  4. Não ofereço livros a não ser que a pessoa em questão tenha demonstrado interesse/preferência por determinado título de determinado autor.
    'Recomendar' ou falar de algo que li e gostei... a conversa já é outra ;) :)
    Dos títulos/autores que fizeste referência só conheço (com respectiva leitura) dois deles... Sophia MB e Miguel EC.
    Recomendação minha?... Sem pensar muito 'A Relíquia' do nosso Eça de Queiroz.
    Adorei esta tua partilha.
    Bem-hajas e continuação de boas leituras.
    Tudo de bom.

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    1. É sempre um risco, compreendo, mas, por acaso, gosto bastante de oferecer livros - e de receber também :)
      Tenho ideia que já li A Relíquia, mas não me recordo da história.
      Muito obrigada!

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  5. " A máquina de fazer espanhóis" Fácil: Chama-se Homem. (brincando)

    Miguel Esteves Cardoso: Gostava de ler este seu livro. Vou tentar adquiri-lo.
    .
    Abraço fraterno
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  6. Ainda não conhecia esses livros, obrigada pelas indicações, amei muito a capa deles

    http://www.meblog.com.br/

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    1. Se tiveres oportunidade de ler algum, depois diz-me o que achaste :)

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  7. Que boa sugestão, ainda não conhecia de todo, mas gostei bastante de conhecer um pouco mais
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  8. Bons livros estão ao dispor de quem os quiser e poder ler. Haja interesse e paixão pela leitura!
    Desejo para si Andreia, bom fim de semana.

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    1. Essa paixão é mesmo fundamental!

      Obrigada e igualmente, Edumanes

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  9. Fiquei curiosa com alguns destes livros. :)

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