ALMA LUSITANA ◾ LISBOA:
NOVAS CARTAS PORTUGUESAS,
MARIA ISABEL BARRENO, MARIA TERESA
HORTA & MARIA VELHO DA COSTA

Fotografia da minha autoria



«Um livro que é um marco inquestionável na história da literatura portuguesa»

Avisos de Conteúdo: Referência a Violação, Morte, Suicídio, Aborto; Linguagem Explícita


Os livros têm um poder incalculável e a prova disso é a necessidade de alguns, pelo seu tom político e/ou social, serem censurados. Durante a ditadura, em Portugal, o Lápis Azul manteve-se bem afiado e «as 3 Marias» foram um dos casos mais mediáticos da sua ação. Portanto, para responder ao tema do Alma Lusitana, fui descobrir a obra escrita por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa.


AS CARTAS PORTUGUESAS

As conhecidas cartas seiscentistas de Soror Mariana Alcoforado, que se perdeu de amores por um oficial francês, foram o ponto de partida para a construção das Novas Cartas Portuguesas, consideradas como a primeira causa feminina internacional. Assim, consciente da sua pertinência e importância, senti que tinha mais lógica começar pelas cinco missivas escritas pela jovem freira portuguesa, enclausurada no convento de Beja.

«Só de nostalgias faremos uma irmandade e um convento»

O tom dos seus textos é elucidativo do «estereótipo da mulher abandonada, suplicante e submissa». Além disso, oscilam entre o amor e o ódio, entre o desgosto e o conformismo da partida. Embora assumam uma energia demasiado afetada, demasiado dramática e visceral, fiquei com a ideia de que, em certos momentos, Mariana Alcoforado parece retirar algum prazer dessa dor amorosa. A sua paixão é tão intensa, é tão cega, que chega a perder identidade e, talvez por esse motivo, se apresente sempre numa espécie de limbo, mostrando-se ora insubordinada, ora obediente, sem a pretensão de se libertar das amarras deste seu amado ausente.

«Ninguém me peça, tente, exija, que regresse à clausura dos outros»

Não creio que seja obrigatório embarcar nesta leitura prévia, no entanto, reconheço, fez diferença na compreensão de certos textos destas Novas Cartas, porque há referências que passariam despercebidas.


UMA NOVA E ANOTADA EDIÇÃO

É curioso como a obra de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa foi ignorada no nosso país, tendo uma expressão muito maior além-fronteiras, quando o seu discurso também implica uma revolução: não só contra a ideologia em vigor antes do 25 de abril, mas também por começar a explorar uma mudança de paradigma em relação à mulher. Não obstante, é indicativo do quanto precisamos de progredir no que concerne à luta pelos direitos femininos. Desde todo, partiram de um cenário de devoção, subserviência e autovitimização, como referiu Ana Luísa Amaral, para quebrar limites e reescrever a história de todas nós.

«voltar ao rigor do riso
que eu te fiz silêncio
eu te guardei brava
eu te pintei solta
por um preço alto»

A leitura de Novas Cartas Portuguesas tem tanto de complexa, como de fascinante, porque entendemos que as suas entrelinhas são ainda mais profundas do que aquilo que aparentam. Porém, alternando entre a revolta, a angústia e um certo aborrecimento, é um manuscrito que nos desarma e, sobretudo, que nos incentiva a refletir sobre feminismo, sobre o papel, a sexualidade e a voz da mulher na sociedade. Com um tom provocante, existem intervenções que, se calhar, surgem com a clara intenção de chocar. E ainda bem. Porque são o precedente para compreendermos que não nos compete vivermos reféns de vontades e de conceções alheias.

«(...) encosto a cabeça ao teu peito, e assim me tens passiva, gemendo tão baixo que ninguém ouvirá o queixume colhido de imediato por ti com ternura, avidez: e te debruças: sobre mim te debruças. Me observas. Me encaminhas. Me dominas. Me encarceras»

Não partilhei o mesmo entusiasmo por todas as narrativas, embora lhes atribua todo o mérito, audácia e relevância, já que algumas me pareceram um pouco deslocadas, até desconexas. Apesar disso, seria impossível não reconhecer o interesse que despertam. Em simultâneo, verificar que os textos não estão identificados, deixando-nos sem saber a qual das autoras pertencem, traz um toque irreverente. E é bonito ver como partilham uma linguagem comum, que as unifica - que, parecendo que não, também pode ser uma metáfora para nos reunirmos, independentemente de nomes, personalidades e contextos, por um bem maior.

«Que diferença, afinal, vos pode fazer minha ausência, se somente 
foi a ausência de mim que vos dei, mesmo quando em vossos braços adormecia...»

Esta nova e anotada edição, que dispõe de uma investigação minuciosa, pretende tornar a obra acessível a gerações posteriores, cujo conhecimento do período de escrita do livro é menos consistente. Poder, deste modo, aceder a essas notas, que desmistificam as mais variadas referências intertextuais, é mesmo um dos seus pontos altos. Dividindo-se em prosa e poesia, proporciona-nos um jogo de palavras desconcertante.

«Adoeço de ti em meu silêncio»

É fácil perceber porque é que este manuscrito foi censurado e as autoras sujeitas a interrogatórios individuais e em grupo: porque demonstra, de inúmeras maneiras, que podemos lutar contra a repressão. E isso, ainda hoje, afigura-se como um problema para aqueles que acreditam que a mulher é um ser menor. Novas Cartas Portuguesas serão sempre uma lição de sororidade, um grito de emancipação e de liberdade feminina.


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Comentários

  1. Fiquei muito curiosa com este livro, nunca li nenhum livro censurado.

    Vou levar a sugestão. Obrigada pela partilha, minha querida!

    Beijinho grande!

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    Respostas
    1. Aconselho, minha querida! Como referi, não partilhei o mesmo entusiasmo por todos os textos, mas a mensagem é importantíssima.

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  2. Nunca li, mas vou guardar a sugestão!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  3. Acredito que seja um livro fascinante de ler
    .
    Uma semana feliz … Cumprimentos poéticos.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  4. Um excelente livro que foi muito polémico na altura da sua 1ª edição.
    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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    1. Ainda para mais, por mostrar uma imagem da mulher que considerável impensável.
      Obrigada e igualmente

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  5. Ando mesmo muito curiosa por ler este livro *.*

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  6. Hum, que ainda não conhecia de todo, mas parece ser mais um livro bastante bom para ir ler e conhecer
    Beijinhos
    Novo post
    Tem Post Novos Diariamente

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