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Fotografia da minha autoria |
A poesia da Francisca Camelo nunca me deixa indiferente. Acho que tem sempre um toque visceral e um jogo de sombras que nos confunde, porque parece lançar-nos as cartas todas, só para depois nos deixar no limbo. E eu adoro estas oscilações que ela cria, uma vez que nos levam por cenários que nos retiram da nossa bolha.
poemas que nos desorganizam por dentro
Quem Me Comeu a Carne é «um pedaço de fúria amarela», num formato quase de bolso, mas poderoso, que nos inquieta por nunca nos poupar à arte da reflexão, do sentido crítico, do que nos corrói pela preocupação ou pela sensibilidade. Nestes versos, existe espaço para sentirmos e essa é outra das características que mais aprecio na poetisa, atendendo a que não pretende filtrar qualquer emoção ou ignorar os detalhes que nos fazem mossa - sem excluir problemas maiores. Em simultâneo, acho interessante que equilibre as grandes questões que nos movem enquanto sociedade com as angústias que nos individualizam, sem, no entanto, criar uma barreira, porque são elos cruzados.
Quando terminei a leitura, fiquei a pensar na quantidade de estilhaços que habitam a nossa história, que nos moldam o futuro, que nos fazem tantas vezes recuar e repetir certos padrões. É por isso que acredito que a Francisca Camela escreve sempre de um lugar muito íntimo, mas sem nos excluir. Não sei quantos dos poemas são espelhos, no entanto, encontrei-me em muitos deles, mesmo não tendo vivido tudo aquilo na pele.
«ninguém fará de ti
melhor soldado
do que quem sabe
lamber-te as feridas
em silêncio»
O livro é tão plural, tal e qual o ser humano, que nos transporta pela ira, pelo cansaço, pelas mudanças do corpo, pelo desconhecido, pelo expiar da culpa, pelas relações que mudam e pelo que pode correr mal. Além disso, faz paragem no conceito de casa, nas tragédias e naquilo que procuramos dentro dos nossos destroços. Há um tom quase enfurecido nas palavras, precisamente por serem assuntos que nos exigem urgência e, sobretudo, uma atitude menos superficial na forma como os acolhemos e os gerimos, mas também há amor. E esse talvez seja o maior impulso para permanecer por perto.
Quem Me Comeu a Carne leva-nos para perto do precipício, mostrando-nos o quanto é vital assumirmos os nossos erros e, assim, sermos capazes de nos libertar das amarras que nos prendem ao conformismo, ao individualismo, ao politicamente correto, já que há coisas que têm de nos incomodar - é isso que é viver em comunidade. Ao sentirmos a brisa desse abismo, por fim, talvez sejamos capazes de voar e colmatar as ausências.
notas literárias
- Lido a: 12 de maio
- Formato de leitura: Físico
- Género: Poesia
- Poemas favoritos: É válido dizer todos?
- Pontos favoritos: A intimidade da escrita; o equilíbrio entre a fúria e o amor
- Banda sonora: Avé Maria, Schubert | À Deriva, Catarina Castanhas | Oração, A Banda Mais Bonita da Cidade | Insomnia, Richie Campbell | Oceano, Djavan
8 Comments
Não conheço, mas vou guradar a sugestão.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Boas leituras, Isa :)
EliminarMais uma sugestão boa de leitura.
ResponderEliminarVou guardar.
Beijinho grande, minha querida!
Sou suspeita, mas acredito que sim
EliminarTenho de ler mais poesia, fiquei curiosa com esta autora
ResponderEliminarTambém é algo que tento fazer com mais regularidade. Sou suspeita, mas adoro a poesia da Francisca
EliminarFiquei encantada com este pequeno poema, terei de comprar mais tarde!
ResponderEliminarAconselho imenso os livros da Francisca
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