Entre Margens

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As leituras de setembro começaram mornas e, admito, desmotivei um pouco, porque temi que esse pudesse ser o registo geral. Felizmente, houve histórias que me resgataram dessa nuvem.


 a tbr de setembro: expectativa

  • Crime na Quinta das Lágrimas, Lourenço Seruya;
  • Frágil Como Origami, Raphael T. A. Santos;
  • O Palácio de Papel, Miranda Cowell Heller;
  • Mártir!, Kaveh Akbar;
  • Um Lobo no Quarto, Valentina Silva Ferreira;
  • Vidadupla, Sérgio Godinho;
  • Uma Boa História, Emily Henry,

 a tbr de setembro: realidade

Li todos os que listei em cima e ainda acrescentei:

  • O Tanto Que Grita Este Silêncio, Nelson Nunes;
  • Caminhantes, Edgardo Scott.


 algumas curiosidades

Em setembro, li:
  • 9 livros: 1 de contos, 5 romances, 1 policial/thriller e 2 de não ficção;
  • 3 autoras e 6 autores: 4 portugueses, 1 brasileiro, uma norte-americana, 1 iraniano-americano, uma americana e 1 argentino;
  • 5 autores lidos pela primeira vez: Sérgio Godinho, Raphael T. A. Santos, Kaveh Akbar, Miranda Cowell Heller e Edgardo Scott.

Favoritos do mês:
  • Mártir!, Kaveh Akbar;
  • O Tanto Que Grita Este Silêncio, Nelson Nunes;
  • Um Lobo no Quarto, Valentina Silva Ferreira.


 vamos a contas?

Excluindo os livros que comprei na última semana de Feira do Livro do Porto — que não entraram para este orçamento —, comprei um para o desafio que tenho com a Sofia e outro porque é do meu autor favorito e não tinha como não comprar.

  • Comprei 2 livros físicos (Dieta da Poesia e Enquanto o Fim Não Vem), gastando um total de 28,56€;
  • Ativei a subscrição do Kobo Plus, que me custou 7,99€. Li 4 eBooks, o que me permitiu poupar 50,12€;
  • Comecei setembro com 4€. Como li 9 livros, amealhei 9€, partindo para outubro com 13€.


 banda sonora










 
 tbr de outubro

  • Enquanto o Fim Não Vem, Mafalda Santos;
  • Uma Vida Incrível e Maravilhosa, Emily Henry;
  • Um Dedo Borrado de Tinta, Catarina Gomes;
  • Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues;
  • Dieta da Poesia, Afonso Cruz (se chegar a tempo);
  • Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos, Olga Tokarczuk.

Fotografia da minha autoria


cruzei-me com uma ilustração onde se podia ler
acho que é bonito partilharmos o mesmo céu
só que ninguém nos prepara para o momento
em que o teremos de fazer em planos diferentes
para o que nos sobra quando
naquele pedaço de madeira que se fecha
vai uma parte de quem somos
para as lágrimas que nunca cessam
que se ouvem mesmo quando não há qualquer som

o tempo não cura tudo
esbate, apazigua as feridas abertas
o vazio que ficará lá sempre
e talvez isso já seja cura suficiente

Fotografia da minha autoria


Um dos aspetos mais entusiasmantes de qualquer reencontro, para mim, é a sensação de estar a regressar a casa, mas saber que há qualquer coisa de diferente nas divisões, quase como se tivesse a possibilidade de as redescobrir, quase como se existisse uma perceção de mudança, convicta de que nunca será total, para que não se perca o traço familiar. É mais ou menos isto que me acontece com Miguel Esteves Cardoso, porque voltar à sua escrita é ter a certeza de que estou a chegar a um espaço onde pertenço.


 intimista e melancólico

Cartas Para a Vila Berta assume um tom intimista e melancólico, afinal, durante quatro anos, quase todos os dias, o autor escreveu ao seu grande amigo Carlos Vilela, a viver em Lisboa, enquanto MEC estava em Inglaterra a completar os seus estudos. E se, por um lado, esta dinâmica tem um tom encantador, por outro, vamos sendo devastados, uma vez que o seu destinatário não lhe responde uma única vez, para seu infortúnio.

O teor das missivas, para mim, tornou-se secundário. Embora seja interessante e/ou curioso, atendendo a que o MEC já nos habituou ao seu olhar para as pequenas coisas da vida, o que mais me fascinou foi mesmo o compromisso e a sua ligação à escrita. Perante a ausência de uma resposta, podia ter desistido de dar corpo às suas palavras, podia ter-se desencantado e optado por guardar essa intenção para outras realidades, mas houve algo nesta correspondência unilateral que desencadeou a sua vontade de continuar, até porque percebeu que esse era o seu destino. Portanto, à mão ou através da Olivetti Lettera32, permitiu-nos descobrir quem foi o MEC «dos 20 aos 24 anos».

É tudo tão intenso, visceral e, igualmente, aleatório, que é fácil revermo-nos em certos pensamentos e associações. Com franqueza e sem filtros, é impressionante como as suas palavras conseguem ser vulneráveis, poéticas e dolorosas; é impressionante como há um misto de mágoa e de resignação. Em nenhum momento demonstra querer parar de escrever para o amigo, contudo, é percetível que a falta de retorno faz mossa. E é essa dualidade que transforma o livro, porque, por um lado, aparenta estar em paz com o facto de ser só ele a escrever, a partilhar acontecimentos, a construir narrativas, a oferecer excertos de outros livros, mas, por outro, isso pesa-lhe, talvez por não ser capaz de identificar o motivo. Confesso que isso também foi algo que me intrigou.

«Eu voltei para um quarto quente e quis escrever-te uma carta. Eu quis que a frase nunca acabasse, que as palavras rolassem para o papel sem esbarrarem, e que a voz nesta tinta parecesse doente e dolorosa. Mas as palavras escorregavam para os lados opostos quando eu inclinava o papel. E desisti da ideia duma frase que continuasse para sempre e parei nas vírgulas para marcar os pontos no futuro deste pedaço de azul»

Miguel Esteves Cardoso abriu-nos a porta de casa, convidou-nos a sentar ao seu lado e descreveu-nos angústias, pareceres políticos duvidosos, gostos, irritações, obsessões, excentricidades, paixões e detalhes deliciosos. Mostrou-nos contos, ideias soltas e o melhor da sua poesia. Pessoalmente, reforçou o porquê de permanecer fascinada com a sua escrita, sobretudo dos primeiros trabalhos, porque há ali uma crueza que nos vai desarmando: não com o intuito de magoar, mas, antes, com o intuito de não nos deixar adormecer, nem cair numa apatia individual e social. Por mais que se concentre em problemas pessoais, consegue estabelecer uma ponte com as nossas vivências. Além disso, mesmo sem sermos o seu destinatário, não nos exclui e é generoso na partilha.

Cartas Para a Vila Berta comoveu-me e faz-me rir, porque só o MEC poderia escrever sobre foleirices, crueldade, miséria, medos e o amor por Portugal, entre vários outros temas, sem que algum deles pareça deslocado. Nestas páginas, onde há um exercício de escrita livre, de quem sabe que está a comunicar com alguém que lhe é próximo, com quem não precisa de fazer cerimónias, o autor vai-se descobrindo, vai firmando a sua maturidade, ainda que oscile entre a cobrança e a aceitação. As memórias pesam, mas foi saindo dos recantos sombrios, foi-se perdendo e encontrando e isso deu-lhe mundo. A mim, que o li, deu-me mais uma série de passagens para emoldurar no peito.


 notas literárias
  • Gatilhos: Linguagem explícita
  • Lido entre: 3 e 6 de agosto
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Não ficção
  • Pontos fortes: A ausência de filtro e a vulnerabilidade que não oculta; tem um toque mordaz e poético
  • Banda sonora: You Want It Darker, Leonard Cohen | Both Sides Now, Joni Mitchell | Take Five, Dave Brubeck | Porto Sentido, Rui Veloso | I Wants To Stay Here, Ella Fitzgerald

Fotografia da minha autoria


A nossa pegada digital nunca desaparece em definitivo, o que transmite uma sensação sombria, quase como se nos fizesse acreditar que não existe qualquer possibilidade de nos dissociarmos de certos pensamentos/momentos nos quais já não nos revemos. E se, por um lado, isso não tem uma implicação nefasta para muitos de nós, a verdade é que, por outro, há sempre quem sofra as consequências da devassa por ter confiado na pessoa errada. E é isso que vemos espelhado no novo livro de ficção da Tânia Ganho.


 um mundo obscuro

Lobos mergulha nas profundezas de quatro vidas que se cruzam: Freda é antropóloga forense e regressa a casa, depois de «mais de vinte anos nalguns dos piores lugares da Terra», para um trabalho que a obriga a contactar com o lado mais pavoroso da dark net. Stefan foi repórter de guerra e, numa tentativa de equilibrar «a crueldade humana que testemunhou», vive numa cabana na floresta, levando uma vida de eremita. Leonor é uma adolescente de 14 anos que vê a sua vida virada do avesso ao ser vítima de um crime sexual. Helena, irmã de Freda e mãe de Leonor, sente-se «incapaz de lidar com o trauma» e acaba a refugiar-se «numa obsessão que ameaça destruí-la a ela e à filha».

A escrita belíssima da autora é notória desde o primeiro instante, ainda assim, foi o tom da narrativa que me impactou, porque habita na escuridão, porque nos pesa no peito, porque os acontecimentos surgem de um modo subtil e nenhum parece vir de um lugar bom, de conforto. Aliás, existe muito pouco nesta história que nos consiga aconchegar, atendendo a que denuncia «males sociais, [como] a pedofilia, o tráfico de mulheres, a guerra e o genocídio étnico, religioso ou político». Sem entrar em grandes pormenores, em descrições longas que nos mostrem como é que tudo aconteceu, nós entendemos os contornos de cada fatalidade e como é que moldam as personagens.

É curioso constatar que este livro é mais sobre os silêncios e a forma como as pessoas lidam com os seus traumas, com os seus demónios, e não tanto sobre a situação em si, porque aquele momento termina, mas a vergonha, o medo, o desgaste, o desamparo, a sensação de perdermos a nossa identidade e, inclusive, o gosto por viver persistem e fazem com que as feridas continuem expostas, a magoar. E este livro dói, embora não queiramos parar de o descobrir, porque talvez a esperança encontre o seu espaço.

«Talvez, um dia, acorde sem sentir vergonha, mas será sempre uma rês marcada com um ferro em brasa»

Tânia Ganho percorreu trilhos sombrios, expondo batalhas internas que não são apenas fruto de ocasiões presentes. E uma das riquezas desta obra, para mim, é essa transversalidade temporal, o facto de nos mostrar que as coisas demoram a sarar e que, por vezes, não saram por completo, que existem gatilhos que podem espoletar memórias que julgávamos esquecidas. E achei interessante como foi introduzindo novas camadas ao enredo, escrevendo ramificações que não esperávamos, mas que fazem todo o sentido naquele ambiente e na forma como a empatia se evidencia.

Outro aspeto que não passa despercebido é o elo que acaba por entrelaçar todas estas vidas: Amélia, «uma mulher no limite da memória e da sobrevivência», que pode ser a resposta para as questões que vamos colocando, no entanto, ficamos no limbo, porque é maior a probabilidade de não atarmos as pontas soltas. Pessoalmente, sinto que foi uma abordagem sagaz, uma vez que acompanha a essência dos assuntos abordados: por mais que as feridas sarem, deixam portas entreabertas para nos provarem que a qualquer momento a história se pode repetir, porque a natureza humana não é só luz.

Lobos tem um traço obscuro e um tom de mistério, com personagens humanas, e deixa-nos a questionar sobre quem são os verdadeiros predadores. A associação aos lobos é mais uma demonstração da mestria da autora, uma vez que nos permite refletir sobre como, sendo parte de uma sociedade, funcionamos sempre em grupo e «vivemos numa alcateia», por isso, cada uma das nossas decisões não nos afeta só a nós e à nossa vida. Não sei se algum dia os protagonistas serão capazes de sair do labirinto, mas a forma como se amparam é extraordinária. De olhar atento, o perigo está sempre à espreita.


 notas literárias
  • Gatilhos: Linguagem gráfica e explícita
  • Lido entre: 21 e 24 de julho
  • Formato de leitura: Digital
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Freda e Stefan
  • Pontos fortes: Ser um livro cheio de camadas, com personagens bem construídas e um desenvolvimento que desarma. Além disso, Tânia Ganho equilibrou muito bem a quantidade de temas que explorou
  • Banda sonora: 21, Lhast | Lobos, Jão | On The Nature Of Daylight, Max Richeter | Familiar, Agnes Obel | The Might Rio Grande, This Will Destroy You

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Um dos traços mais bonitos da música, para além da componente artística em si, é a partilha. E não me refiro apenas à partilha de emoções e de experiências através de versos que nos parecem ler por dentro, mas também à partilha concreta de artistas que falam sobre outros artistas — e àquela que surge em forma de colaboração musical.

Quando, por exemplo, incluí o Van Zee nas minhas playlists e me perdi de encantos pelo seu do.mar, acabei por descobrir a Pikika. Com O Clima, do Dillaz, passei a estar mais atenta ao trabalho do Lhast, que, por sua vez, me permitiu descobrir outros músicos. Este encadeamento motiva-me, uma vez que me permite cruzar com vozes e registos que não fazem parte do meu quotidiano. Aliás, sinto que é nesta ligação entre artistas que acabo por encontrar um certo impulso para continuar a abrir novas portas — curiosamente, não só na música.

Há vozes que fazem parte da minha vida, mas adoro a sensação de ter encontrado novos nomes que se alinham perfeitamente com a minha energia e cujo trabalho quero continuar a acompanhar de perto. As vozes que compõem esta lista têm timbres distintos, mas creio que partilham a mesma sonoridade harmoniosa; partilham, também, uma certa serenidade na melodia, com letras que nos convidam a refletir sobre sentimentos, vivências, medos e o lugar que ocupamos no mundo. E acho que foi sempre neste ponto que discordei dos Clã, quando Manuela Azevedo canta que «a língua inglesa fica sempre bem», porque em português também conseguimos encontrar os termos certos. E eles são a prova disso.

À custa desta ideia, acabei por criar a playlist cata-ventos, que reúne as novas vozes que estão a fazer o meu ano, mas sempre com espaço para adicionar novas descobertas. Sinto-me em paz quando as escuto.


 ed





 vasco




 mar



 yang



 lour



 trista



 harold



 mary jane




 valle



 vizinhos



 guga




 satiro



 icaro




 rita santos

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Os pequenos milagres sucedem-se: depois de me ter desafiado a reler A Amiga Genial e a avançar para os restantes volumes da tetralogia napolitana, regressei a Elena Ferrante para a descobrir num universo diferente.


 as imagens que se quebram

A Vida Mentirosa dos Adultos tem um título sugestivo, provocador até, e o seu início desarmou-me logo pela brutalidade das palavras. Com a história a ser narrada por Giovanna, acompanharemos a transição da personagem principal da infância para a adolescência, com todas as questões emocionais que essa mudança implica, e a sua missão de conhecer a tia Vittoria, com quem dizem ser muito parecida.

O tom de intriga faz-nos compreender que há situações pendentes, que têm afastado a família ao longo dos anos, e isso é um gatilho para que a protagonista procure desvendar o mistério e atar as pontas soltas — e desconhecidas até ao momento que ouviu os seus pais a conversarem. Esta decisão fá-la-á perceber duas coisas: que Nápoles tem camadas com as quais nunca contactou antes e que a imagem que temos dos adultos nem sempre corresponde à verdade.

O que acho de mais fascinante na escrita da autora é mesmo a sua capacidade de retratar a complexidade do ser humano, enquanto traça o ambiente social e político daquele lugar, como se fossem extensões da mesma raiz — e, em parte, não deixam de o ser. Além disso, agradou-me a forma como construiu as personagens femininas: imperfeitas, contraditórias, poderosas. Por mais dúvidas que possam ter, são destemidas, têm o coração perto da boca e não se deixam pisar.

«Foi assim que comecei a reagir. Pouco a pouco passei do aturdimento em que deixava correr os dias a observar-me, para a necessidade de me consertar, como se fosse um pedaço de qualquer material de boa qualidade danificado por um operário desastrado»

Achei muito interessante a premissa e a forma como nos faz refletir sobre relações familiares e a inquietante sensação de desilusão em relação às nossas pessoas. De repente, ao crescermos, parece que as retiramos de um pedestal e as nivelamos pelo nosso olhar. Passando a fase do desencanto por termos perdido a inocência, creio que é a maneira mais bonita de encararmos os adultos com quem temos uma ligação: porque reconhecer a sua humanidade e as suas falhas permite-nos amá-los de perto, sem filtros — ou, então, perceber que estes vínculos não são para nutrirmos mais.

A Vida Mentirosa dos Adultos confronta-nos com as nossas incoerências e com aquilo que nasce dos escombros. É curioso como, sendo narrativas independentes, me senti a regressar ao Bairro, talvez pela intensidade e por toda a carga humana que pulsa nesta(s) história(s).


 notas literárias
  • Gatilhos: Linguagem explícita
  • Lido entre: 24 e 27 de julho
  • Formato de leitura: Digital
  • Género: Romance
  • Personagem favorita: Vittoria
  • Pontos fortes: A construção das personagens, a carga humana, o ambiente
  • Banda sonora: Mystery Of Love, Sufjan Stevens | I Fall In Love Too Easily, Chet Baker | Human Behavior, Björk | Bird Set Free, Sia

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A edição de 2024 da Feira do Livro do Porto (FLP) ainda não tinha terminado e eu já estava a organizar o meu orçamento para a edição do ano seguinte. Como? Através da Apparte.


 a apparte

A aplicação do Millennium tem uma funcionalidade dentro da categoria Poupar, denominada Apparte. Aqui, podemos ter um mealheiro, criar uma reserva de emergência e/ou fazer poupanças para um objetivo específico. E foi na lógica deste último ponto que a comecei a utilizar, a partir da última semana de agosto de 2024, com o intuito de ter um orçamento definido para a Feira do Livro do Porto.


 o orçamento da feira do livro

O compromisso era simples e confortável: adicionar 1€ sempre que terminasse um livro. Além disso, pretendia poupar para este mealheiro até ao meu primeiro dia de Feira do Livro — que coincidiu com o primeiro dia de FLP deste ano, a 22 de agosto. Estava tudo alinhado nesta missão.

Portanto, durante este período de quase um ano, amealhei 128€. Uma vez que li todos os livros que comprei no ano anterior, e de maneira a arredondar o valor, decidi acrescentar 2€ extra. Assim, parti para a feira com 130€ para gastar e uma lista de títulos que me interessavam adquirir.


 a lista de livros

Como seria de esperar, esta lista foi sofrendo alterações ao longo do tempo. Primeiro, criei uma página no Notion com possibilidades e, depois, fui filtrando consoante a minha vontade de ler o livro num futuro próximo, preço, facilidade de ler num formato digital e ano de publicação (para conjugar com eventuais descontos a mais de 20%). Quando encontrei a lista definitiva, estipulei alguns dados para me orientar: nome, autor, editora, ano de publicação, PVP e PVP com 10% de desconto.

Estava consciente de que a minha lista tinha, na sua maioria, livros com menos de 24 meses, por isso, não encontraria descontos abismais, mas a vantagem de estar a preparar o meu orçamento desde 2024 é a de ficar com uma margem confortável para gerir esses condicionantes.

Os escolhidos foram, então, os seguintes:

  • A Desobediente, Patrícia Reis (PVP: 20,90€ | PVP com 10%: 18,81€);
  • Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues (PVP: 16,90€ | PVP com 10%: 15,21€);
  • Mártir!, Kaveh Akbar (PVP: 22€ | PVP com 10%: 19,80€);
  • Vidadupla, Sérgio Godinho (PVP: 15,50€ | PVP com 10%: 13,95€).

À semelhança do que fizemos em 2023, a Sofia escolheu um livro para eu comprar. Inicialmente, pensou no Uma Pequena Vida, de Hanya Yanagihara, mas a escolha acabou por seguir noutra direção:

  • Os Transparentes, Ondjaki (PVP: 17,90€ | PVP com 10%: 16,11€).

No grupo inicial, também tinha Autobiografia Não Autorizada 2, de Dulce Maria Cardoso, contudo, depois de ter sido disponibilizada a lista de livros do dia, fez-me mais sentido trocar por uma das opções listadas, até porque era de um autor que já queria ler há algum tempo:

  • À Escuta dos Amantes, Júlio Machado Vaz (PVP: 16,60€ | PVP com 10%: 14,94€).

Uma vez que podia não encontrar algum dos livros que ia à procura — e que havia a possibilidade de ficar com alguma margem no orçamento —, anotei mais dois livros do dia que me interessavam, depois era só jogar com os dias em que iria à FLP.

  • Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago (PVP: 18,85€ | PVP com 10%: 16,97€)
  • As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy, Filipe Melo & Juan Cavia (PVP: 48,45€ | PVP com 10%: 43,61€)


 o que comprei e o que gastei

No total, comprei nove livros, entre Tinta da China, Bertrand, Porto Editora, Poetria, Penguim Random House e Flâneur. Desses nove:

  • quatro foram livros do dia;
  • um foi comprado com 40% de desconto, enquanto os restante usufruíram dos 20%;
  • um foi Às Cegas;
  • um deles tinha de ser do autor homenageado;
  • tal como antevi, consegui adicionar os dois livros extra.

Estas foram as minhas compras finais:

  • A Desobediente, Patrícia Reis (16,70€ em vez de 20,90€);
  • Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues (livro do lia — 13,50€ em vez de 16,90€);
  • À Escuta dos Amantes, Júlio Machado Vaz (livro do dia — 8,30€ em vez de 16,60€);
  • Mártir!, Kaveh Akbar (17,60€ em vez de 22€);
  • Vidadupla, Sérgio Godinho (9,35€ em vez de 15,50€);
  • Os Transparentes, Ondjaki (14,40€ em vez de 17,90€);
  • Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago (livro do dia — 11,31€ em vez de 18,85€);
  • As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy, Filipe Melo e Juan Cavia (livro do dia — 29,08€ em vez de 48,45€);
  • Caminhantes, Edgardo Scott (livro Às Cegas — 7,90€ em vez de 16€).

      

      


Se tivesse comprado os nove livros pelo PVP, gastaria 193,10€. No total, gastei 128,14€, fazendo uma poupança de 64,96€


 orçamento para a feira do livro do porto 2026

O meu orçamento para a FLP 2025, como referi no início, estava nos 130€. Olhando para o que gastei, ainda me sobrou 1,86€, mas retirei os oitenta e seis cêntimos para facilitar as contas. Assim, o orçamento de 2026 começou com 1€ de base.

Até ao final do ano, continuarei a acrescentar 1€ por cada livro terminado, mas, depois, estou a ponderar alterar ligeiramente a dinâmica, sem comprometer a estabilidade do meu orçamento geral.

Por curiosidade, já li duas das obras que comprei. E, agora sim, faço a despedida da Feira do Livro do Porto. 


Até para o ano!

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O nome de Betty Smith nunca esteve no meu radar literário, até a Rita da Nova o trazer para o Clube do Livra-te. Curiosa com a história e com algumas opiniões que li depois, decidi fazer reserva na BiblioLED, com previsão para dezembro. Corta para: o exemplar ficou disponível mais cedo, por isso, mudei-me para Brooklyn entre os últimos dias de julho e o primeiro dia de agosto.


 dramas, tumultos e compaixão

Uma Árvore no Céu de Brooklyn leva-nos até ao bairro de Williamsburg para conhecermos a família de Francie Nolan, que «cresce rodeada de pobreza, sonhos e desafios». Com exemplos de trabalho, carisma e determinação, a protagonista aprendeu, «desde cedo, a observar a beleza nas pequenas coisas» e a não dar algo por garantido.

O ambiente cativou-me logo, porque está naquele grupo de histórias sem personagens heroínas, naquele grupo de histórias que se confundem com a realidade e que, por isso mesmo, nos impactam pela verdade, pelos contrastes, pela ausência de reviravoltas. Traçando um retrato muito fidedigno da humanidade, das relações interpessoais e dos problemas sociais, também me rendi à construção das personagens femininas, que se revelaram uma força motriz deste enredo, decentralizando o papel do homem como figura maior da casa.

«Eu acho que é bom pessoas como nós poderem desperdiçar algo de vez em quando e terem a sensação de como seria ter muito dinheiro e não terem de se preocupar com a escassez»

A única fragilidade que detetei prende-se com o ritmo da narrativa, sobretudo no livro três, porque tornou-se lenta e um pouco repetitiva sem ser necessário. Por outro lado, acredito que os pontos mais desarmantes só o conseguem ser em pleno por causa dessa construção demorada, que nos faz sentir na pele a revolta, a dor da desilusão, as diferenças de classes. No fundo, é como se tudo fosse cozinhado em lume brando para que nenhum detalhe nos escape.

Uma Árvore no Céu de Brooklyn relembra-nos a importância dos livros, da educação e do conhecimento. Com passagens dolorosas e outras que nos renovam a esperança, é uma história francamente atual, que me deixou a pensar na coragem necessária para não se desistir e nos esforços que fazemos para protegermos as nossas pessoas, ainda que não as possamos proteger de tudo. Há momentos em que a vida é sombria, mas ver Francie a manter o encanto e a bondade foi inspirador.


 notas literárias
  • Gatilhos: Luto
  • Desafio: Clube do Livra-te
  • Lido entre: 28 de julho e 1 de agosto
  • Formato de leitura: Digital
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Francie e Sissy
  • Pontos fortes: O ambiente, o contacto com a realidade, a construção das personagens
  • Banda sonora: Let Me Call You Sweetheart, Bing Crosby | Brooklyn Baby, Lana Del Rey | Annie Laurie, The Corries | I'm Wearin' My Heart Away For You, Göta River Jazzman | Come, Little Leaves, Susan Stark

Fotografias da minha autoria


É praticamente impossível traduzir o que me pulsa por dentro quando penso na Feira do Livro do Porto. E essa dificuldade talvez caminhe de mãos dadas com o amor às palavras que vem quase do berço, com o fascínio de descobrir histórias escritas/contadas por outros que foi crescendo devagar e com o facto de este evento ter feito morada num dos meus lugares favoritos da cidade.

Razões à parte, a Feira do Livro do Porto faz-se anunciar e há um brilhozinho nos olhos que não se esconde mais. E, nem de propósito, o autor homenageado na edição deste ano foi Sérgio Godinho, figura incontornável do nosso panorama musical e que me acompanhou — e acompanha — em tantas ocasiões da minha trajetória.

Sinto que esta foi a edição que mais aproveitei: não só porque consegui ir a dez dos 17 dias, mas também porque há uma magia acrescida quando o homenageado pode estar presente. E foi contagiante ver a felicidade de Sérgio Godinho por ter recebido uma Tília e por chegar aos 80 com um programa que fez justiça ao seu legado. Sorte a minha por ter lá estado!


as sessões a que assisti


Atribuição da Tília de Homenagem

A cerimónia de atribuição da tília de homenagem é um momento simbólico, que eu acho sempre comovente e com um toque poético: porque é uma maneira de eternizar aquela figura na cidade. Sérgio Godinho é um nome incontornável, que reconhecemos como extensão desta margem, e esta árvore é uma forma de lhe dar ainda mais raízes. Na Avenida das Tílias haverá sempre um brilhozinho nos olhos difícil de esquecer.

Durante este momento especial, que contou com palavras elogiosas por parte de Rui Moreira e a partilha de memórias, também lhe foi entregue a Medalha Municipal de Honra, num gesto que comprova o quanto Sérgio Godinho é uma personalidade com um impacto extraordinário na comunidade - não só da cidade, mas da nação inteira.

Justiça reposta, como referiu o Presidente da Câmara do Porto ao dizer que a cidade devia esta homenagem ao «homem dos sete instrumentos», foi uma bela celebração.



Sérgio Sobre o Porto

A voz de Cristiana Sabino encheu a sala com a leitura de poemas de Sérgio Godinho. E, assim, a sessão prosseguiu, com copos de vinho na mesa e uma dinâmica de quem está entre amigos, em casa, a partilhar recordações, histórias de um passado que não é tão longínquo como aparenta ser e a certeza de que foi preciso lutar pela liberdade.

Francisco José Viegas moderou a conversa, João Gobern fez uma viagem «sergiana», que se esperava isenta, mas que transbordou de emotividade, de intimidade (e que me comoveu em certas passagens, devo confessar), e Rui Moreira foi quase a ponte entre estes universos, num simbolismo que não passou despercebido e que interligou a cerimónia de atribuição da Tília de homenagem. Não contabilizei o tempo passado no Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, mas a conversa foi tão preciosa que ficaria mais um par de horas a escutar todas as histórias que ficaram na gaveta.

Numa travessia que passou pela censura, pela necessidade de ser criativo, pelo gosto de Sérgio Godinho pelas artes partilhadas e pelas memórias do Porto que o ajudaram a criar as suas canções e as suas narrativas ficcionais, foi o coração que marcou o tom.



Ciclo «E o Coração Que o Conte / Quantas Vezes Já Bateu Pra Nada» com Luís Severo

A voz de Luís Severo tem ecoado menos cá por casa, mas continuo fascinada pelo seu timbre, pela sua serenidade, pela sensação de leveza que imprime em cada canção. Por isso, fiquei muito feliz quando percebi que era um dos nomes a atuar na Feira do Livro.

Houve uma certa poesia a embalar a passagem do tempo e as melodias. O pôr do sol foi conselheiro e paisagem do concerto e, para mim, tornou a experiência ainda mais encantadora, até porque me voltei a apaixonar pelos temas escolhidos: não sei se por já não os escutar há algum tempo, se por terem sido tocados num dos meus lugares favoritos, se pela junção de ambos, o certo é que este momento me encheu as medidas.

No reportório incluiu três temas de Sérgio Godinho, numa homenagem sentida. A interação com o público talvez tenha tido pequenas fragilidades, mas estou curiosa para o ouvir numa sala preparada para a tranquilidade da sua obra. E não esqueço o privilégio que foi escutar Primavera ao vivo. O coração há-de contar esta memória.



O Labirinto da Beleza com Martim Sousa Tavares

A sensibilidade de encontrar beleza naquilo que não é propriamente belo talvez seja um dom ao alcance de poucos. Ou talvez só precisemos de habituar esse músculo, só precisemos de o ir treinando para a aceitação, para aquilo que sai um pouco da caixa.

O olhar que o Martim Sousa Tavares tem sobre a beleza é fascinante de escutar, acima de tudo, devido à sua capacidade para nos incluir na explicação, na análise, no prisma para o qual nos quer mediar. Aliás, o mais bonito da sua comunicação, além de toda a cultura e conhecimento que a revestem, é a empatia, é o saber colocar-se no lugar do outro, acolhendo-o sem suscitar culpa. Independentemente de quem estiver na sala, ele será sempre capaz de adequar o discurso sem ser condescendente, o que denota as várias camadas da sua inteligência - que se estende para lá da erudição, que integra.

N’ O Labirinto da Beleza voltei a ser arrebatada pela eloquência, pela proximidade e pela forma harmoniosa como interliga temas diversos. Desde o valor estético ao valor ético, passando por referências a David Bruno, fica uma pergunta: para onde olhar?



Ciclo «E o Coração Que o Conte / Quantas Vezes Já Bateu Pra Nada» com Manel Cruz

A neblina foi-se aproximando, mas Manel Cruz estava a jogar em casa, portanto, ao envolver-nos na névoa tão típica (e mística) da cidade, soube ser colo e aconchego.

Nome incontornável do panorama musical português, tive-o sempre como banda sonora de inúmeras ocasiões, através dos projetos que abraçou nas últimas décadas, Ornatos Violeta, Foge Foge Bandido, Pluto e Supernada, mas, curiosamente, nunca o tinha escutado ao vivo e, apesar de ser num contexto muito particular, sei que este momento escalará para um dos meus favoritos do ano. Que privilégio que foi assistir.

Sentada na minha manta, na Concha Acústica dos Jardins do Palácio de Cristal, tive alturas em que me permiti fechar os olhos e ser embalada pela sua voz inconfundível e pelo misto de luz, sombras e poesia que revestem as suas canções. Independentemente do formato, existe um lado intimista, por vezes visceral, nos versos que compõe; existe uma ausência de filtro para esconder a vulnerabilidade. Nas suas palavras sentimo-nos acolhidos, como se tivesse a capacidade de, com delicadeza, contar a nossa história.

O palco nem sempre foi uma vontade, mas assenta-lhe bem. E não o digo apenas pelo lado interpretativo, digo-o, também, pela forma como comunica com o público, que é próxima, cómica e muito franca. Além disso, senti que o seu concerto nos permite ter uma viagem individual, explorando as emoções que melhor nos servirem no momento.

No tema Constelação, canta que as «Estrelas/São mesmo assim/Vivem/Para brilhar», tal como ele. Sorte a minha por ter visto, finalmente, este génio de perto. É para repetir.



Quantas Faces Ocultas na Face Visível da Lua? com Valério Romão

A voz de Sérgio Godinho ecoou na minha memória ao recordar-me do verso «nasce um novo dia e no braço outra asa», quando estava a entrar no Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett para assistir a outro ciclo de conversas da Feira do Livro.

A associação talvez seja rebuscada, mas o verso anterior ocorreu-me por duas razões: três anos depois, reencontrar-me-ia com Valério Romão neste evento (correspondendo ao «nasce um novo dia») e sabia que a conversa escalaria sempre para a sua obra mais recente e para a que sairá em outubro (que serve o «nasce […] no braço outra asa»). Não é óbvio, no entanto, talvez ajude a personificar as faces ocultas na face visível da lua.

Maria João Costa mediou a conversa e Valério Romão foi igual a si próprio: honesto, sem filtro, sem a pretensão de cair nas boas graças de quem o ouve. E, apesar de ainda só ter lido Autismo, O da Joana e Cair Para Dentro, que compõem a trilogia Paternidades Falhadas, sinto que é o mesmo registo que encontramos na sua escrita, o que me atraiu de imediato. Existe um tom cru que povoa o seu discurso e que pode abalar as nossas esperanças, mas, por outro lado, acho que é esse mesmo tom que nos permite refletir sobre direitos/deveres, condições de trabalho, processos de escrita, a memória curta e a estupidificação humana como se se interligassem. O autor só desenrolou o novelo.



Tudo no Amor Faz do Nada um Tudo com Rui Couceiro e Alberto Manguel

A figura carismática de Alberto Manguel fascina-me, embora continue a adiar o meu encontro com a sua obra (e sem conseguir justificar a razão). Por outro lado, gosto da forma como o Rui Couceiro comunica, apesar de não ter ficado rendida ao seu livro de estreia. Assim, achei que fazia todo o sentido marcar presença na sessão entre ambos.

Nesta conversa fluida, com espaço para provocações e histórias encantadoras, gostei particularmente do tom descomplicado e descomprometido. Não me interpretem mal, os intervenientes estavam inteiros na partilha, quando refiro descomprometido é no sentido de não pretenderem acariciar egos e deixar as críticas de parte. Em nenhum momento procuraram transformar a sessão num apontar de dedos, mas falaram das fragilidades de alguns projetos, daquilo que demora para acontecer, das burocracias que atrasam sempre ideias concretas. Podiam ter-se retraído nessa análise, porém, de uma maneira muito cordial e cuidada, mostraram-nos os diversos lados das questões.

Refletindo sobre a biblioteca do autor, a importância de eventos literários numa altura em que somos tão digitais e a necessidade de não existirem barreiras na literatura, dei por mim a anotar algumas frases proferidas por Alberto Manguel, visto que tocaram num nervo emocional, como é o caso de «a literatura obriga-nos a ver a ambiguidade das histórias», «os verbos ler e amar não podem ser usados no imperativo» e, ainda, «o campo da literatura não pode ter fronteiras ou os autores não têm passaporte».



Como Se Não Houvesse Amanhã - Histórias Suicidas: Apresentação do Livro

As palavras de Sérgio Godinho continuam a entrar cá em casa através das canções, mas não podia perder a oportunidade de o ouvir falar sobre o seu mais recente livro.

À semelhança do que aconteceu na sessão Sérgio Sobre o Porto, Cristiana Sabino leu excertos de Como Se Não Houvesse Amanhã e, de seguida, João Carlos Barros convidou-nos a conhecer o homem dos sete instrumentos através do seu olhar e de uma análise cuidada acerca da forma como constrói as suas narrativas. Achei bonito que tivesse encontrado pontes entre a ficção e a música, até na própria estrutura das frases, uma vez que me parece corroborar o gosto de Sérgio Godinho em interligar diferentes manifestações artísticas. E saber que o faz com naturalidade deixa-me entusiasmada.

É provável que ainda demore a chegar a estas histórias suicidas, mas foi bom perceber de onde partiram, qual a sua intenção nestes contos e como é que os foi construindo. Sérgio Godinho é mesmo um contador de histórias exímio, ficaria horas a escutá-lo.



Toda a Faca Tem o Seu Fio com Inês Meneses e Filipa Leal

O Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, a propósito do ciclo «Toda a Faca Tem o Seu Fio», reuniu em palco duas mulheres que admiro pela forma como comunicam: Inês Meneses e Filipa Leal. Enquanto a primeira entra em minha casa através de formatos como O Coração Ainda Bate, a segunda fá-lo através da poesia.

A conversa começou com a ligação a Sérgio Godinho, autor homenageado da Feira do Livro do Porto, e foi escalando para aquilo que nos leva a escrever, para a necessidade de ir testando e procurando novas fórmulas e para o facto de usar a poesia para fazer perguntas — mais do que para encontrar respostas. Ademais, nesta partilha intimista, houve espaço para se falar sobre medos, sobre eventuais bloqueios criativos e sobre a vontade de que as palavras e a poesia continuem a aparecer na vida da Filipa Leal.

Para tornar este momento entre amigas ainda mais encantador, a poetisa brindou-nos com a leitura de poemas de Adrenalina, a sua obra mais recente, e versos inéditos.



Tudo no Amor Faz do Nada um Tudo com Rui Couceiro e Lídia Jorge

O meu contacto com Lídia Jorge aconteceu através do extraordinário Misericórdia, que me arrebatou por completo durante a leitura e ainda mais quando percebi o propósito que lhe deu origem. Por isso, não podia perder a sua sessão na Feira do Livro do Porto.

A fila para entrar parecia interminável e, pela primeira vez enquanto frequentadora assídua do evento, senti que ficaria à porta, sem a possibilidade de assistir a este ciclo de conversas. Felizmente, deu tudo certo e pude escutar uma partilha que interligou o início de carreira da autora com questões históricas, políticas e sociais. A história vai apagando a memória e a literatura tem um papel imprescindível no combate contra o esquecimento. É por esse motivo que a literatura nunca se desatualiza, os temas estão sempre lá, a embalar as nossas ações, a fazer da palavra uma tomada de posição.

Com um discurso muito lúcido, mas sem perder a emotividade, Lídia Jorge falou-nos sobre como a escrita nos ajuda a organizar a vida, sobre a passagem do tempo e sobre a necessidade de termos compaixão por quem que já não consegue ser autónomo.



O Que Cresci Ouvindo com Ivan Lima e Rui Reininho

O podcast O Que Cresci Ouvindo, de Ivan Lima, não estava no meu radar e fiz por não o ir ouvir antes da sessão na Feira do Livro do Porto, para ser surpreendida quando me sentasse na Concha Acústica e escutasse a versão ao vivo com o icónico Rui Reininho.

Ponderei bastante se devia ou não incluir esta parte, mas a verdade é que não adorei a forma como a conversa foi conduzida. Entrevistar Rui Reininho é sempre imprevisível, até porque há uma capacidade inata para divagar e para interligar temas com leveza e naturalidade, mas, a certo ponto, senti que estava a assistir a intervenções paralelas. E, embora tenha valido a pena fazer parte deste momento, fiquei com a sensação de que o humor e as partilhas do músico não foram tão bem aproveitados e que as perguntas acabaram por ser monotemáticas. Também admito que possa ter sido uma má gestão de expectativas da minha parte, no entanto, estava à espera de algo mais fluído.

Apesar disso, é sempre delicioso escutar o Reininho e as suas saídas mordazes, ditas com um olhar inocente, quase como se não tivesse consciência do impacto daquilo que está a dizer. Mas magia é essa: é que sabe e di-lo com um tom que é um misto de poesia e provocação. Além disso, foi bom mergulhar na memória afetiva e descobrir a forma como a música entrou na sua vida e como o acompanha desde a infância.



Ciclo «E o Coração Que o Conte / Quantas Vezes Já Bateu Pra Nada» com os Napa

O acaso tem a capacidade de nos ir enredando a certos artistas. Embora já me tivesse cruzado com músicas dos Napa, foi só com a sua participação no Festival da Canção que me comprometi a descobrir melhor o reportório da banda — mas é curioso como a familiaridade de alguns temas se destacou. Por outro lado, como acredito que o ar na Avenida das Tílias «é bem melhor de respirar», regressei para os poder ouvir ao vivo.

Não estava preparada para ter uma casa tão cheia, mas senti-me orgulhosa por isso, senti-me orgulhosa por ver tantas pessoas juntas pelo mesmo grupo. A Deslocado é capaz de ter desbloqueado o interesse de muitos, mas foi bom sentir que não foi o único motivo e que éramos tantos a cantar outros versos. E, confesso, ouvir esse tema numa cidade que me corre no sangue foi comovente, porque reforçou o quanto não quero perder a sensação de lhe pertencer. Além disso, também partilho que, num lugar que tem os seus próprios advérbios de intensidade, achei poético cantarmos «às vezes sabe tão bem mandar alguém à merda» em plena Feira do Livro do Porto.

A energia foi contagiante e só tenho pena de não ter desfrutado de todos os pedaços da atuação, porque nem tivemos hipótese de entrar na Concha Acústica e vê-los em palco. Mal posso esperar para os reencontrar e revisitar cada um destes temas.



Concerto Sérgio Godinho & Os Assessores com Manuela Azevedo

O último dia de Feira do Livro do Porto reservou-nos uma despedida extraordinária, com o concerto de Sérgio Godinho & Os Assessores e Manuela Azevedo. Os últimos raios de sol pintaram o Rossio, enquanto a noite chegava sem pressas, e um mar de gente juntou-se para cantar temas que cresci a ouvir. Este dialeto é, de facto, mágico.

Entre versos que nos contam histórias quotidianas, inquietações, desejos e uma forte crítica social, ao mesmo tempo que nos permitem conhecer personagens icónicas, foi bonito de ver tantas gerações a acompanharem com o mesmo entusiasmo, a fazerem uma festa ainda mais bonita, a prolongarem a poesia que escutávamos desde o palco.

Não sei se foi o primeiro dia do resto das nossas vidas, mas partilhamos todos um certo brilhozinho nos olhos. E, acima de tudo, sentimos a liberdade a passar por ali.



No último dia de Feira do Livro do Porto, ainda fui à sessão de autógrafos do Hugo Gonçalves, que é sempre uma simpatia. Nota-se mesmo que a sua partilha é feita de coração, sem reações forçadas.


O Poeta de Todos os Poetas concedeu-nos boa estrela.
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andreia morais

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O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá


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