![]() |
Fotografia da minha autoria |
[publicação originalmente escrita para a minha newsletter]
O nosso arco evolutivo é sempre fascinante de acompanhar, porque, por vezes, num período de tempo curto, conseguimos detetar mudanças muito particulares. Enquanto leitora — e leitora que se começou a formar numa fase mais tardia —, há dinâmicas que já não estão alinhadas com a pessoa que sou hoje e com aquilo que procuro trazer para as leituras que faço. Serviram-me numa altura específica e ajudaram-me a trilhar este caminho de autoconhecimento, contudo, deixaram de ser uma constante, quando compreendi que já não encaixava em certos comportamentos. Não significa que sejam uma porta fechada, porém, sei que estes tópicos já não me definem enquanto leitora.
querer aumentar as estantes dos livros por ler
Qualquer leitor reconhece que comprar livros e lê-los são desportos distintos, só que revejo-me cada vez menos nessa postura. Naturalmente, há promoções que considero imperdíveis e, por isso, aproveito-as, mas sei que estou mais consciente na hora de trazer novas histórias para casa, porque todas as que adquiri antes vieram com o selo de serem descobertas e não com a obrigatoriedade de permanecerem em espera. Por outro lado, sei que é apetecível ter várias possibilidades e, no meu caso, como sou uma leitora que vai muito pelo estado de espírito — embora faça listas mensais —, admito que nem sempre nos apeteça ler o que temos à disposição, contudo, isso acaba por ser a exceção e não a regra. É tentador ver as estantes a aumentarem, no entanto, prefiro garantir que os livros que já tinha não ficam esquecidos no meio de todos os outros.
book buying ban
O propósito é bem intencionado, até porque serve de estratégia para diminuir a lista de livros por ler, mas cheguei à conclusão de que não compensa assim tanto. Já o fiz duas vezes, sempre com três momentos de pausa, e em ambas as ocasiões percebi que acabava a comprar mais. Ora, se o meu objetivo era o oposto, não fazia sentido insistir nesse formato. Aquilo que funciona comigo é ter uma lista de obras/autores que quero comprar ao longo do ano, porque consigo fazer uma gestão mais equilibrada. É uma forma de controlar melhor o orçamento e, até, de não ter a sensação de que perdi o acesso a uma infinidade de histórias. Elas continuam disponíveis para mim (a não ser que esgotem), portanto, não preciso de alimentar a sofreguidão de as comprar a todas ao mesmo tempo, da mesma maneira que não preciso de as comprar em certas datas.
consumir menos conteúdo literário
Criar conteúdos sobre livros era algo que me entusiasmava e, por consequência, ver conteúdos dentro desse género também. Contudo, sinto que tenho perdido o encanto no primeiro, porque me fui desligando do segundo. Sendo franca, acho que estar mais consciente do tipo de leitora que sou e do facto de não querer mergulhar numa onda de consumismo tem-me feito repensar o tipo de conteúdo que acompanho — não só o literário —, uma vez que deixei de me identificar com certas narrativas. Na newsletter acerca [d]a era das possibilidades, a Sofia escreveu que já não lhe apetece «pensar em termos de listas temáticas (…) se não for para me alongar sobre esses temas» e eu sinto que estou muito nesta linha. Como estou numa fase em que me apetece explorar um pouco mais dentro dos temas, sei que já não me serve ficar apenas à superfície. É claro que há ocasiões para tudo e continuo a gostar da descontração de alguns conteúdos, mas tendo a consumir menos criações literárias porque acho que caímos em fórmulas.
deixar de participar ativamente em clubes do livro digitais
A minha personalidade introvertida sente-se bastante confortável com a abertura para conversarmos sobre livros no digital, porque me liberta da pressão de estar numa sala e/ou num espaço público com vários olhares sobre mim enquanto partilho a opinião com que fiquei da história — defeito ou feitio de quem sempre gostou mais de ouvir do que de falar e de quem se sente mais à vontade com as palavras escritas do que com as ditas. Durante muito tempo, a questão de participar ativamente em clubes do livro digitais funcionou como um impulso para descobrir títulos para os quais poderia não estar tão predisposta e, sobretudo, para contactar com pontos de vista distintos. Aliás, sinto que uma das partes mais bonitas de uma leitura é mesmo aquilo que desperta em cada leitor. Apesar de não fazer parte de muitos clubes, continuo a gostar da dinâmica, mas tenho sentido menos vontade de participar: por um lado, porque parece-me que os livros orbitam dentro do mesmo género — e acho que deve existir mais diversidade — e, por outro, porque tenho sentido que a parte da discussão fica um pouco dispersa. Honestamente, acho que preferia que fossem lançadas algumas questões orientadoras, não para condicionar, mas para moderar o modo como analisamos a história. Assim, acredito, acabaríamos por discutir realmente a obra e criar um debate mais amplo. A leitura não tem de assumir um papel académico e eu não quero perder o fascínio de ler livros por puro prazer, mas sinto cada vez mais necessidade de os pensar criticamente.
a magia não está só no papel
A sensação de ter um livro nas mãos é insubstituível, no entanto, a magia não está só no papel e tenho usufruído bastante da minha era Kobo. Nunca fui avessa a leituras digitais, no entanto, essa possibilidade parecia-me mais distante da minha realidade, talvez por ter uma lista de livros físicos extensa. Quando começou a diminuir, foi aí que reconsiderei a hipótese de investir num E-reader e isso abriu um mundo novo de opções. Sobretudo, veio reforçar uma certeza: o importante é ler, apesar do formato.
4 Comments
Andreia,
ResponderEliminarQue delícia acompanhar a tua reflexão tão consciente sobre o próprio arco de leitora. Há algo de muito maduro e poético na forma como reconheces que as mudanças não anulam o que fomos apenas revelam novas versões de quem estamos nos tornando.
A tua escrita me trouxe a sensação de liberdade: esse equilíbrio entre o amor pelos livros e o desejo de uma relação mais serena com eles, sem a pressa do acúmulo. Admiro como falas com naturalidade sobre a transição entre fases, sobre o desapego e a consciência. É bonito ver quando a leitura deixa de ser apenas consumo e passa a ser encontro. E essa tua frase final “o importante é ler, apesar do formato” resume tudo com uma sabedoria leve, quase luminosa.
Parabéns pelo texto inspirador, Andreia.
Um abraço cheio de admiração,
Fernanda
Acredito que temos de passar por todas essas mudanças para nos descobrirmos, seja enquanto leitores, seja noutras áreas da nossa vida. Faz parte do processo e é bom ver essa evolução a acontecer.
EliminarMuito, muito obrigada pelas suas palavras!
Fico muito contente por teres rendido aos ebooks, eu disse-te, um dia, que ias gostar :)
ResponderEliminarE estou conteudo em relacao aos clubes de livros digitais tambem muito por culpa da minha timidez.
https://matildeferreira.co.uk/
É um novo mundo a ser descoberto com muito entusiasmo!
Eliminar