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| Fotografia da minha autoria |
O entusiasmo estava um pouco adormecido, devo confessar, porque as últimas duas experiências a ler Lourenço Seruya não foram tão positivas. No entanto, sendo um dos nomes do desafio que tenho com a Sofia — 5 autores para 2025 —, queria descobrir a direção que seguiu neste livro, que nos leva até uma das aldeias mais bonitas do país.
plantar pistas com subtileza
Crime na Aldeia trouxe-me uma sensação de familiaridade, por estar a palmilhar ruas que reconheço, embora não como a palma da minha mão. Esta proximidade, acredito, tem impacto na maneira como nos relacionamos com o enredo, porque torna as ações credíveis, sustentadas num espaço físico. As pessoas com quem me cruzei em todas as vezes que fui a Piodão não são as que aparecem retratadas neste livro, não obstante, as casas de xisto podiam muito bem esconder todos os segredos que vamos desvendando.
Quando «uma das habitantes da aldeia morre num desastre de viação», não existe uma pessoa que duvide de que «se tratou de um despiste acidental», tendo em conta o piso molhado e o facto de ser uma estrada sinuosa. A aparente pacatez do lugar é quebrada pela tragédia e pelo resultado da peritagem, que comprova que o carro foi sabotado». Portanto, o que parecia um acidente, transforma-se numa investigação de homicídio.
A partir deste momento, e já com a presença da Polícia Judiciária em Piodão, há uma sequência de acontecimentos e comportamentos suspeita: por um lado, porque nos deixa alerta, a questionar motivações e a potencial implicação no crime, e, por outro, porque todos se conhecem e isso parece fazer-nos andar em círculos, sem conseguir atar as pontas soltas. Torna-se evidente que há meias verdades a serem partilhadas, mas não descortinamos as razões e acho que continuamos sempre à margem do que aconteceu — de repente, estamos só a lançar teorias e a sentir que nenhuma encaixa.
«Mas ali estava uma situação que lhe contradizia a crença. Mais uma verdade escondida por entre as ruas estreitas e as casas de xisto acastanhado e portas azuis»
Notei uma grande diferença nesta história, quer em relação à construção da narrativa e das personagens, quer em relação à escrita, que me pareceu mais coesa, só retirava as partes que se centram na vida dos inspetores, porque são as únicas que me parecem pouco conectadas, com um tom exagerado e, por vezes, superficial. Embora entenda o propósito e reconheça que até possam justificar decisões a longo prazo, não senti que fizessem assim tanto sentido para a história central. Além disso, estava tão investida na resolução do crime que preferia não encontrar qualquer tipo de distração paralela.
Crime na Aldeia constrói-se nos detalhes e na atenção que lhes reservamos. Não sei se a concretização é óbvia, mas tornou-se evidente que os sinais estavam lá todos, que as pistas foram sendo plantadas com subtileza, mas que nem sempre somos capazes de os ver — pelas mais diversas razões. Fazendo-nos refletir sobre dinâmicas familiares, a ambiguidade dos nossos valores, os limites da decência e até onde estamos dispostos a ir para esconder os nossos segredos, também nos mostra que há sempre uma altura em que o passado nos pesa e que o silêncio deixa de ser a resposta. Os monstros não habitam apenas lugares distantes, mas nem sempre chegamos a tempo de os travar.
notas literárias
- Desafio: 5 autores para 2025
- Gatilhos: Luto, referência a abuso, linguagem explícita
- Lido entre: 3 e 5 de novembro
- Formato: Digital
- Género: Policial e Thriller
- Personagem favorita: Lucas (fui-me aproximando ao longo da leitura)
- Pontos fortes: Evolução na escrita, não ser óbvio, provocar tantas teorias
- Banda sonora: Suspicious Minds, Elvis Presley | Everybody’s Got To Learn Sometime, The Korgis | Silhouettes, Of Monster and Men | In The Air Tonight, Phil Collins | Bad Habit, The Kooks







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