«Está escrito nos livros: a vida dos super-heróis não é apenas feita de facilidades. Eles também sofrem revezes, a vida também lhes prega partidas. Foi isso que aconteceu...»
Dói. Claro que dói. Preferia dizer que não magoa, que é indiferente, que passa, que não sufoca. Mentiria se o dissesse. Se escondesse que o coração ficou despedaçado em cada derrota, em todos os momentos em que o nosso símbolo não se ergueu bem alto. Não consigo fazê-lo, porque sou demasiado transparente. Porque sou demasiado Portista. Porque sinto este clube todos os dias. E este ano não foi o nosso. Não fomos nós. E dói mais por isso, porque este Porto não é o meu Porto.
Fui constatando ao longo dos anos que não estamos geneticamente preparados para as derrotas. Estamos mal habituados, por força de termos conquistado o mundo. Por termos vencido quando tínhamos tudo contra nós. Porque soubemos agarrar-nos às adversidades e fazer delas uma motivação extra. Porque neste clube não se atira a toalha ao chão, joga-se mesmo com a camisola rasgada, lambe-se a relva, luta-se até ao fim. E como alguém escreveu, ou disse, só baixamos a cabeça para beijar o símbolo. O Porto que eu conheço é feito de uma força incomparável. Reinventa-se. E é quando nos julgam vencidos que renascemos e mostramos que continuamos na corrida. Este ano falhou tudo. Falhou-nos tudo. Falhamo-nos a nós.
Enganam-se aqueles que pensam que me magoa ver o Benfica campeão. Não. Nem me tira o sono e a vontade de comer. Não preciso de máscaras de oxigénio contra o pó, muito menos de ir para os Aliados impedir a festa, porque sou demasiado forte para descer a esse ponto. Sou tão Porto que nenhum outro clube é capaz de toldar as minhas ações. Sou tão Porto que o único clube que me importa é mesmo aquele que me pinta o coração de azul e branco. Aquilo que me magoa é não sermos nós, no Dragão, na rua, nas casas, no Porto, em Gaia, em Lisboa, em Faro, Em Coimbra, em Leiria, além fronteiras, a festejar. A invadir as cidades de um cântico só nosso. A ficar sem voz. A sentir as lágrimas a rolar no nosso rosto enquanto se forma um sorriso largo e luminoso. A sentir o corpo num estado de felicidade tal que é impossível ir embora. A dormir pouco, mesmo quando se entra no trabalho às 7h ou se tem aulas às 8h. O que custa é ver-nos cair por culpa própria. Porque não soubemos ser nós.
Aquilo que me magoa é ver o Quaresma - que muitos dizem velho, gordo e acabado - a lutar sozinho. A perder a calma por remar contra a maré quando todos os outros parecem demasiado conformados com o destino que este ano nos calhou em sorte. Mas este não é o nosso destino. Nunca foi. Não há-de ser a partir de agora. O nosso destino é vencer. Sempre! Mas dói, aperta o coração, ver a desilusão nos seus olhos. Senti-lo com muito mais maturidade do que quando saiu e não ter alguém que o acompanhe na garra, na vontade, no amor. Muitos quiseram ver-te cair, mas tu chegaste com ainda mais força e mostraste o que é sentir este clube como ninguém. Chorei em segredo, porque queria que o final desta temporada correspondesse à luta que travaste praticamente sozinho. És o meu número um, hei-de acreditar em ti até ao fim, obrigada por nunca teres desistido de nós.
Aquilo que mais me magoa é assistir à frustração no olhar daqueles que queriam ter feito mais por esta equipa e não puderam. É saber que tudo correu mal. É sentir que a meio do caminho alguém desistiu e baixou os braços. Perdemos a nossa mística e a identidade, e quando as tentamos recuperar foi tarde de mais. Jogar à Porto é jogar com o coração nos pés. É morder os lábios de raiva quando os postes travam os nossos festejos. É bater com a mão sobre o símbolo e acreditar até ao fim. Eu senti o meu Porto quando erguemos a Supertaça. Quando o Josué marcou o penalti frente ao Sporting nos últimos minutos. Quando vencemos o Áustria e inevitavelmente recordamos Viena. Quando suamos até ao fim com o Nápoles. Quando olhei para o banco de suplentes e vi a tristeza cravada no rosto daqueles que acreditam como eu. Quando sentia, mesmo que por breves segundos, o rasgo da vossa genialidade a sobrepor-se ao vosso nome e a lutar pelo nosso. A lutar pela nossa história. A nossa casa. O nosso amor.
Não dei conta das lágrimas infinitas que chorei pela eliminação na Liga dos Campeões. Pela meia hora de avanço que demos ao Sevilha e que nos custou a continuidade na Liga Europa. Pela vantagem que desperdiçamos frente ao Benfica. Pela derrota no Estoril. Tudo isso seria secundário se olhando para trás senti-se a raça que nos move. A sorte nem sempre protege os audazes, é preciso procurá-la, conquistá-la, preservá-la. Sou demasiado Portista para aceitar de ânimo leve que batemos no fundo. Esta época batemos. E dói-me ter que admitir que para alguns este clube deve ser demasiado grande, ao ponto de não conseguirem corresponder. É demasiado dolorosa essa realidade. Ainda para mais porque implica reconhecer os vossos erros. Não sei assobiar e mesmo que o soubesse nunca seria capaz de o fazer. Pudesse estar em todos os jogos no Dragão e não tinha falhado um. Não consigo deixar-vos, assobiar-vos, receber-vos com insultos. A promessa foi para o bem e para o mal. Sou mais Portista todos os dias. Ainda mais quando o caminho é feito de quedas.
Por isso não, não me dói ver o Benfica campeão. Nem qualquer outro clube. E espero honestamente que aproveitem a festa, mereceram-no por tudo o que fizeram. Em vinte e dois anos de vida tive a honra e o privilégio de festejar muitas vezes assim. De ver as minhas cidades e o mundo pintado de azul. De receber a equipa numa onda de aplausos. De celebrar com eles. De ficar rouca e não parar de cantar. De saltar até não sentir a força nas pernas. De partilhar a festa com amigos. De abraçar desconhecidos. De sentir que estamos juntos mesmo que nunca mais volte a encontrar aquelas pessoas. Porque lutamos lado a lado pelo mesmo objetivo.
Há amores que nascem connosco, amores que crescem em nós quando nós próprios ainda não crescemos o suficiente para saber o que significa amar por inteiro. Há amores que não se procuram, que andam de mãos dadas connosco, que estão sempre em nós. Este amor nasceu comigo, no sangue, no coração, na alma e na voz, e eu nunca mais o larguei. Há amores que resistem a tudo, porque são tudo. Procuro-o em tudo o que sou, agarrei-o com as mãos e com o coração, luto por ele, cuido dele, faço-o crescer comigo. Estas duas cores que nos unem foram as únicas que eu conheci, as únicas que me importam conhecer. Os verdadeiros amores não se explicam, sentem-se bem cá dentro, porque são demasiado importantes para se banalizarem com meras palavras soltas. Este amor eu nunca o saberei explicar, mas saberei sempre senti-lo da melhor forma que conheço: com tudo de mim. Há amores que se partilham em família, com irmãos de um sangue igual ao nosso, e este amor eu aprendi a partilhar com eles. Este amor, que é azul e branco, que guarda muitas pessoas dentro dele, que nos torna a todos num só, é o meu amor maior, é aquele a que dou as mãos e é aquele pelo qual eu luto com unhas e dentes, com garra e com raça, com fé e esperança. Este amor é o meu amor desde o primeiro dia e será o meu amor até ao último, porque há amores que são intemporais e este amor que eu sinto não fazia sentido se não fosse assim. Este amor é muito daquilo que eu sou e orgulho-me disso.
Aquilo que me magoa não é um campeonato conquistado por qualquer outro clube que não o meu. Nunca fui de festejar a queda dos adversários nem chorar as suas conquistas. Sou demasiado Portista para me importar com o clube dos outros. Só o meu me importar. E aquilo que me dói é ver os meus de coração ferido. Para o ano voltaremos mais fortes. À Porto. E aconteça o que acontecer, caminharei ao vosso lado incondicionalmente. Com ainda mais orgulho e amor. Porque há amores que sou a nossa cara. E este é o meu coração por inteiro. Até ao fim!