ALMA LUSITANA || PORTO:
PÃO DE AÇÚCAR

Fotografia da minha autoria



Tema: Um livro que dê voz a minorias

Avisos de Conteúdo: Preconceito, Homofobia, 
Violência, Morte, Linguagem Explícita


O manto de alheamento que povoa certos cenários, quase como se fossem invisíveis, desvia-nos da certeza de existirem submundos tão perto de nós - e a necessitarem de intervenção urgente. Porque continuamos a não ouvir «o grito nas trevas», porque persistimos nos preconceitos que nos desumanizam. Portanto, quando selecionei o tema do Porto para o Alma Lusitana, foi com o livro de Afonso Reis Cabral no pensamento.


FUI AO ENGANO, MAS NÃO ME DESILUDIU

Pão de Açúcar parte de um caso verídico: em fevereiro, de 2016, os Bombeiros Sapadores do Porto resgataram do poço de um prédio abandonado um corpo com marcas de agressões e nu da cintura para baixo, tendo sido espancado ao longo de vários dias. No entanto, confesso, as memórias que tinha deste acontecimento atroz eram muito ténues, mas o nome Gisberta Salce Júnior tornou-se impossível de esquecer.

«Também me irritou dar-lhe carta branca para ser maior»

Fui um pouco ao engano, porque acreditei que seria atribuído um foco maior aos contornos deste crime que abalou o país. Porém, compreendi que serviu, apenas, como um pretexto para refletir acerca de outras condicionantes. No fundo, tornou-se o menos importante da narrativa, poupando-nos ao seu horror, visto que nos leva por outras pontos de análise, outras vozes e outras problemáticas, numa mistura entre factos e ficção.

«Levantar-me ao nascer do Sol e sair antes dos outros era viver de novo»

Embora estivesse à espera de uma abordagem mais visceral, vertiginosa, revelou-se uma leitura inquietante.


O PODER DOS PRECONCEITOS

O amor, a repulsa, o medo e a pressão dos pares são gatilhos poderosos na forma como nos relacionamos com as pessoas. Sobretudo, quando nos ensinam a observar o mundo de uma determinada perspetiva. Além disso, é notório que as circunstâncias influenciam sempre os nossos comportamentos, que o acesso facilitado a certos ambientes corrói e que, no seio de famílias tão desestruturadas, o instinto de sobrevivência é lei.

«Como é que se vivia assim?»

Um dos aspetos mais interessantes deste manuscrito, para mim, prende-se com o constante conflito interior do protagonista, uma vez que, sem anular e tornar aceitável o que fizeram - muito longe disso -, mostra-nos que cada atitude é consequência das suas histórias, do contexto por onde se movimentam, do receio de serem marginalizados, dos preconceitos enraizados e da falta de oportunidades. Ainda que em planos distintos, também eles foram vítimas de um sistema, de uma sociedade, que continua a condenar a diferença.


O PARADOXO QUE NASCE DA FALTA DE AMOR

Pão de Açúcar mergulha num mundo de violência [quase sempre intencional e gratuita], de segregação e de delinquência. É, ainda, a prova que, desamparados, o nosso eu pode mudar quando estamos em grupo e queremos encontrar o nosso lugar de referência. E, principalmente, como o próprio autor mencionou, reflete o paradoxo que fez os intervenientes transitarem da subtil empatia para o desprezo total por um ser humano.

«Havia diferentes maneiras de pertencermos uns aos outros»

A falta de amor, de colo e de educação corrompe-nos. E só isso motiva a que, tantos anos depois, a perseguição a transexuais persista. E que Gisberta possa, por força da intolerância, ser, na realidade, tantos outros nomes e tantas outras pessoas, vítimas do ódio que as anula e que as atira para o fundo do poço.


|| Disponibilidade ||

Wook: Livro | eBook
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20 Comments

  1. Li este livro em 2020, confesso que não consegui criar ligação com a narrativa. Demorei imenso tempo a ler e não me entusiasmou muito. No entanto, compreendo os alertas que deixa.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Creio que a sinopse nos induz em erro, o que pode condicionar essa relação com a narrativa

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  2. Li esta historia dramática e muito bem escrita pelo Afonso R. Cabral.
    Gostei.
    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Tem uma perspetiva muito interessante sobre um tema que carece de máxima atenção

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  3. Excelente sugestao para representar a nossa cidade, fiquei bastante curiosa com esta leitura. Preciso de ler.
    Beijinhos grandes, minha querida *.*

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    1. Aconselho, mas não com o intuito de compreender o caso mais a fundo

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  4. O temas seduz-me sobremaneira. Obrigada mesmo pela tua partilha!

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  5. Que sim, é mais uma boa sugestão para conhecer, ainda não tinha ouvido falar
    Beijinhos
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  6. Vi esse livro mas não tive curiosidade em abrir.
    Beijinhos

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  7. Tu sabes, Andreia, que o AFONSO REIS CABRAL é um dos meus autores portugueses preferidos … o nosso próximo NOBEL na minha opinião.

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  8. não conheço o caso mas fiquei mega curiosa com o livro
    http://retromaggie.blogspot.com/

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    1. Aconselho, mas faço a ressalva de não se focar propriamente no caso em si

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