ENTRELINHAS || OS MAIAS
Fotografia da minha autoria |
«Episódios da vida romântica»
Avisos de Conteúdo: Morte, Suicídio
A minha maturidade literária demorou a construir-se, porque tardei a apaixonar-me por esta arte. Minto, tardei a priorizá-la, isso sim. Portanto, quando o meu caminho se cruzou com Eça de Queiroz, não tive sensibilidade para acompanhar a narrativa e para equacionar tudo aquilo que era motivo de análise, num plano ficcional. Mas faz tudo parte do crescimento, incluindo a vontade de revisitar as obras que não compreendemos.
O PODER DAS RELEITURAS
Os Maias, cujo exemplar veio parar à minha estante quase como se fosse uma passagem de testemunho, continuava à espera do momento mais oportuno para redescobrir a sua história, que tem tanto de complexa, como de fascinante. É por esse motivo que sou tão apologista das releituras: porque abrem-nos outras portas.
«Era um amor à Romeu, vindo de repente numa troca de olhares fatal e deslumbradora»
Este romance intemporal tem um início bastante lento, mas o seu simbolismo marca o tom do enredo, não só por uma questão de contexto, mas também por ser palco de vivencias e fases antagónicas de uma família em particular. E é através dos Maias que conhecemos um pouco melhor a sociedade portuguesa do século XIX, naquilo que eram os seus luxos e os seus vícios; e, ainda, a sua visão erigida por um certo nível de privilégio.
«(...) as lágrimas, duas a duas, corriam-lhe pela barba branca»
Sem esta releitura, certamente que continuaria a formular uma imagem errada - condicionada por pensamentos de terceiros - e a não ser capaz de identificar todas as referências sociais e culturais que a tornam tão rica.
RAMALHETE: ESPLENDOR E DECADÊNCIA
A propriedade central - que merece uma descrição detalhada - mais parece uma das personagens principais, atendendo à importância que adquire. Porque o Ramalhete é mais do que uma casa: é um espaço de crescimento, de tragédia, de desnorte, de amor e desamor e, inclusive, é um espelho da vida boémia, das relações familiares - com todos os dramas e sentimentos que lhes são inerentes - e das desigualdade sociais.
«(...) tudo em Sintra é divino. Não há cantinho que não seja um poema»
É, também, neste lugar que assistimos à dor de um pai e ao renascer de uma das minhas personagens favoritas: Afonso da Maia. Embora, em determinados momentos, possa ser moralmente questionável, é inegável que se renovou perante um acontecimento atroz. E é na sua figura - austera e frágil - que equilibramos a diversão, o desleixo e a sobriedade. É na sua intervenção que compreendemos que o seu traço mais duro não o impede de ser extremoso. Assim, vai estabelecendo pontes com várias ligações interpessoais.
«- Nunca sabe a gente quem mete em casa»
Neste cenário, assistimos, portanto, ao esplendor e à decadência, pautados pela ironia da escrita e pelas almas corruptiveis, de personalidades ora incoerentes, ora bem intencionadas. Em simultâneo, é neste declínio que acabamos por nos reconhecer, pois esta narrativa representa uma caricatura muito fiel do ser humano.
UM AMOR EM SEGUNDO PLANO
A história deste amor impressiona-nos, sobretudo, pela sua natureza, pelas reviravoltas imprevisíveis e por estar contaminada, desde o primeiro momento, pela irresponsabilidade daqueles que nos deveriam proteger. No entanto, confesso, o que me conquistou foi mesmo o drama familiar, porque foi o impulso para o peso dos segredos, para o desgosto inerente à mentira e para a tragédia física e emocional. É por esse motivo que, para mim, o romance ficou em segundo plano: porque, apesar de ser crucial, é só uma parte de algo maior.
«- É a tua mentira que nos separa, a tua horrível mentira...»
Os Maias é irónico, é cómico, é desconcertante. Preferia que o final fosse menos célere, porque senti que poderia seguir por outro rumo. Apesar disso, é credível. E é notável que o seu retrato permaneça tão atual.
20 Comments
Li algumas partes no liceu, mas só há um ou dois anos o li com olhos de gente, digamos assim. Acabei por adorar, confesso!
ResponderEliminarQuando já temos outra maturidade e sabemos que estamos com a predisposição certa para descobrir certos livros, a leitura é sempre mais esclarecedora.
EliminarA história é fantástica *-*
Um excelente livro que já o li e reli e provavelmente ainda irei voltar a ele.
ResponderEliminarUm abraço e continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Também vou querer reler :)
EliminarObrigada e igualmente, Francisco
Li os Maias no 12º ano com muito esforço, não acho que este tipo de livros, apesar de serem de grandes autores, sejam a melhor forma de cativar jovens a ler. Na altura achei-o enfadonho, não passei do primeiro capítulo. Li-o muito depois de acabar o secundário e até gostei. Reconheço que tenho que o reler um dia.
ResponderEliminarBeijinho grande, minha querida!
Acho que faz todo o sentido mostrar que existe e partilhar a sua relevância para o panorama literário, em Portugal, mas já não concordo com a obrigatoriedade do seu estudo, porque sinto que não estamos preparados para compreender as suas mensagens. E, depois, o professor também faz toda a diferença.
EliminarAinda nao foi desta que o reli, devido ao trauma deixado no final do 12o ano mas gostei bastante do teu review *.*
ResponderEliminarQuando sentires vontade, acabarás por reler :)
EliminarJá o li 3 ou 4 vezes. E talvez ainda o leia uma vez mais.
ResponderEliminarÉ um livro notável.
Continuação de boa semana, amiga Andreia.
Beijo.
Com a predisposição certa, conseguimos desfrutar muito melhor desta aventura literária
EliminarObrigada e igualmente, Jaime
O LIVRO DA MINHA VIDA 📕 que já li vezes sem conta.
ResponderEliminarAté a tradução em alemão comprei.
Oww, que maravilha *-*
EliminarO que te posso dizer que é mais um livro que ainda não conhecia mesmo, mas parece ser outra opção para conhecer
ResponderEliminarBeijinhos
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Agora que o reli, sinto que vale mesmo a pena descobri-lo com calma e com a predisposição certa
Eliminar«(...) tudo em Sintra é divino. Não há cantinho que não seja um poema»
ResponderEliminarTão, mas tão bom!
Adorei essa passagem!
EliminarOs Maias li, mas já não me lembro bem da história.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Pode ser a oportunidade perfeita para a revisitar :)
EliminarE a vontade de reler Os Maias? Ai, Andreia, a minha pilha de livros por ler não gostou desta publicação! 🤣
ResponderEliminarA Sofia World
Sou inocente ahahah
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