2022 ◾ 12 MESES, 12 LIVROS

Fotografia da minha autoria



«A minha alma não se cansa de verter»


O meu canto de leitura, que se reproduz por vários espaços da casa, tem sempre tudo aquilo que necessito para tornar a experiência literária enriquecedora: silêncio ou uma banda sonora adequada, o BuJo, uma chávena de chá/café, post-its coloridos e, conforme a estação, a presença ou ausência de uma manta. E, claro, pelo menos um gato ao colo. Instalada confortavelmente, basta-me abrir o livro e perder-me no seu enredo.

A seleção das obras seguiu a abordagem que privilegio sempre: um equilíbrio entre novidades e autores que já são figuras incontornáveis na minha identidade livrólica. Naturalmente, tive algumas desilusões, mas, de um modo geral, sinto que o saldo foi bastante positivo, superando as expectativas e permitindo-me descobrir escritores cujo trabalho pretendo, no futuro, explorar melhor. Não cheguei aos três dígitos, como nos últimos dois anos, mas viajei imenso. Emocionei-me. Revoltei-me. Quis fundir-me na história. E cresci ainda mais.

As palavras têm mesmo o dom de nos transformar, de nos transportar para determinados estados de alma e realidades que nos retiram da nossa zona de conforto. E eu aprecio isso, porque me confronta com a minha verdade, incentivando-me a utilizar a leitura como um mecanismo de [auto] conhecimento e de evolução. Não obstante, reconheço o seu lado de entretenimento, que também é crucial. Talvez por estas razões goste tanto de participar em desafios literários, uma vez que as suas dinâmicas potenciam inúmeras abordagens plurais.

Sei que, analisando o panorama no seu todo, li bastante. Porém, nem sempre tive predisposição para ler e estive em paz com isso, sobretudo, porque acho que descobri todas as narrativas que queria mesmo abraçar este ano. Portanto, foi uma bela viagem, complicando a tarefa de reduzir a lista a 12 favoritos [estive quase a fazer um 12 meses, 24 livros, no qual metade seria de autores portugueses e a outra seria de autores internacionais]. Com algumas escolhas óbvias e trocas até ao último segundo, eis o meu pódio de prediletos.


JANEIRO

O suposto ambiente de festa que nos recebe esconde um universo muito mais sombrio, até porque ocorreu uma tragédia e isso é evidente desde o início. Não obstante, fui avançando na leitura com a sensação de existir um segredo maior, uma realidade ainda mais angustiante, embora vários aspetos não fossem explícitos.


FEVEREIRO

Apenas Miúdos é a prova que existem elos inquebráveis. Eles eram dois miúdos a tentarem encontrar o seu lugar no mundo, a descobrirem a sua voz. Mas, ainda que tudo falhasse, continuavam a cuidar um do outro.


MARÇO

Há passagens muito duras, que expõem o pior do ser humano. E há apontamentos que, só mais tarde, nos deitam ao chão, porque ficam a amadurecer na nossa memória, até compreendermos bem a perda, a falta de empatia. Por oposição, encontramos uma escrita quase melancólica, que nos envolve e vicia, ao ponto de não querermos parar de ler. Creio, portanto, que é neste equilíbrio, neste tom duplo, que o enredo se eleva, porque explora a dor física e psicológica, o medo, a capacidade de sobreviver, a desconfiança e o amor; e porque, de uma forma muito clara, jogando sempre com os opostos, há quem se consiga reinventar e, ainda assim, perder-se na rota traçada, por culpa das circunstâncias. E isso faz-nos sentir cada ponta de ironia e de revolta.


ABRIL


As Melhores Crónicas de Amor, Miguel Esteves Cardoso
As crónicas de Miguel Esteves Cardoso subsistem no tempo, pelo seu traço intemporal e por permanecerem entrelaçadas à nossa memória. Porque, por muito que as nossas vivencias divirjam, há sempre um dialeto transversal, ainda para mais, quando conversamos sobre sentimentos. Com o humor sarcástico que tão bem o caracteriza, esta coletânea transporta-nos para vários dos seus livros, recuperando a essência do ser humano, os sonhos, os medos, os contratempos, os saltos sem rede. E que privilégio que é ler os seus textos, sobretudo, quando os centra na sua Maria João. Honestamente, sinto que são a melhor definição de amor.


MAIO

Um aspeto que achei fascinante prende-se com o facto de existirem muitos acontecimentos verosímeis. Mesmo que deambulemos por cenários improváveis, percebemos que todos eles poderiam ter marcado o nosso passado, enquanto nação. Portanto, interligando um mistério policial com uma saga familiar, num jogo de simbolismos e analogias subtis, somos desarmados pela escrita e pela construção minuciosa do enredo.


JUNHO


Cai a Noite em Caracas, Karina Sainz Borgo
A primeira página desarmou-me de tal maneira, que, sem perceber de imediato, senti lágrimas a caírem pelo meu rosto. A crueza, a brutalidade e a magnitude do cenário de onde parte deixam-nos mesmo sem chão, até porque é fácil colocarmo-nos no lado da protagonista; é fácil percebermos que, embora aquela não seja a nossa dor, há vários sinónimos que lhe reconhecemos. Confesso que este livro não estava nos meus planos, mas não resisti a adquiri-lo depois de ler o texto que a Lénia Rufino escreveu sobre ele. Agora que o terminei, compreendi tudo aquilo que quis transmitir. Esta história tão dura, tão desumana, tão visceral mostra-nos o pior lado da humanidade e os efeitos nefastos da privação; mostra-nos o medo, o silêncio e o desnorte. Mas também nos mostra uma força inspiradora, de alguém que se recusa a sucumbir. Por isso, no meio de um cenário de caos, encontramos alguém disposto a sobreviver - nem que, para isso, tenha que renascer.


JULHO


Jalan Jalan, Afonso Cruz
É inacreditável como Afonso Cruz consegue criar tantas imagens e realidades nas suas narrativas, de um modo tão coerente e harmonioso; e como consegue, neste caso específico, levar-nos por uma viagem à volta do mundo e ao traço mais intimista de quem somos. Porque estes textos, que nos permitem deambular sem sair do lugar, mostram-nos os diferentes tipos de viagem, ao mesmo tempo que nos permitem aprender tanta coisa acerca de culturas e personalidades distintas. Com muito humor à mistura, Jalan Jalan é uma obra de arte, à qual regressarei mais vezes - quando precisar de ir. Não me importaria de viver dentro destes enredos.


AGOSTO


Com o Humor Não se Brinca, Nelson Nunes
O plano dos bastidores, aquele acesso privilegiado ao processo antes de vermos o produto final, fascina-me, porque acredito que nos permite tem uma visão mais ampla do propósito e da essência do mesmo. Portanto, ter esta oportunidade no que diz respeito ao humor é a cereja no topo do bolo. Nelson Nunes fez um trabalho excelente ao reunir humoristas conhecidos da nossa praça, fazendo-o de uma forma descomplicada, mas sem deixar de tocar em feridas e nos preconceitos pelos quais foram [e vão] passando. Embora partam todos dos mesmos temas centrais, é interessante perceber como é que observam e vivem o humor; é interessante perceber de onde partiram, quais os sucessos e os fracassos e quais as curvas que já ultrapassaram. Além disso, achei pertinente a abordagem em relação à ausência de mulheres na comédia - ou, melhor, à sua parca aparição -, atendendo a que, direta ou indiretamente, comprova a desigualdade que ainda se faz sentir. Deambulando pelos processos criativos e pelos [não] limites do humor, estas páginas levam-nos numa conversa a várias vozes, proporcionando-nos momentos inesquecíveis - e memórias absolutamente hilariantes.


SETEMBRO


Conversas Sobre o Amor, Natasha Lunn
É difícil encontrar palavras que façam justiça à preciosidade deste livro. Terminei-o ciente de que transborda de honestidade e que, por isso mesmo, representou muitas daquelas que são as minhas inseguranças, os meus medos, os meus sonhos. Embora tenha uma realidade distinta das experiências retratadas, há uma linguagem transversal, na qual nos reconhecemos. Porque o amor não é só romance e este sentimento também se manifesta em situações de perda, de desgaste, de hesitação. Aliás, o amor manifesta-se de várias maneiras, nas mais diversas ocasiões. Foi maravilhoso acompanhar estas conversas, compreender as visões dos intervenientes e conhecer o ponto de partida para cada uma das entrevistas, visto que a autora fez da sua realidade um impulso de reflexão. Hei-de abri-lo novamente. Inúmeras vezes. Porque é mesmo um livro-casa.


OUTUBRO

A aura sombria e vincada por uma tensão permanente cativa-nos e leva-nos a imiscuirmo-nos nas suas dinâmicas. A premissa deixou-me logo curiosa, mas acredito que a relação desenvolvida entre as personagens é a sua força matriz, porque a ligação dos amigos é próxima, é obscura e muito vulnerável; porque há uma energia disfuncional, que os une e que os move num instinto de quase sobrevivência. E, quando a pressão adensa e a exigência académica os leva ao limite, é como se fosse mais difícil distinguir o real da ficção.


NOVEMBRO

Revoltei-me, senti-me imponente, insultei personagens e senti-me num ambiente claustrofóbico. Porque esta história é triste, carregada de penumbra e de um tom mórbido. Envolvendo-nos na sua dor profunda, angustia-nos e enoja-nos, visto que a crueldade do criminoso assume proporções desconcertantes. O estado de espírito que povoa toda a narrativa influencia-nos e transporta-nos para os recantos mais obscuros do ser humano.


DEZEMBRO


O Pecado de Porto Negro, Norberto Morais
O Pecado de Porto Negro, tenho de reconhecer, envolve-nos numa história que já foi replicada de várias maneiras, em imensos manuscritos. No entanto, a forma como o autor a construiu é verdadeiramente surpreendente: porque tem uma melodia própria e porque nos faz sentir tudo aquilo que está descrito; porque sentimos na pele a dor, a tragédia e o amor que consegue sobreviver a todos os golpes de vingança e de maldade. O cenário imaginário torna-se credível pelo movimento, pelos aromas e pelas vivências que Norberto Morais lhe atribui. Por isso, senti-me a ser transportada para este Porto Negro, tão cheio de vida, de desavenças, de mesquinhez, de desconfiança e, até, de empatia. Sofre-se muito aqui, mas também encontramos apontamentos de esperança e uma certa justiça poética. Queria continuar mais tempo neste livro!


Menções Honrosas: 
A Breve Vida das Flores [Valérie Perrin], Americanah [Chimamanda Ngozi Adichie], Heartstopper 4 [Alice Oseman], Eliete [Dulce Maria Cardoso], Inquieta [Susana Amaro Velho] e Autismo [Valério Romão].


Que livros marcaram o vosso ano?

Comentários

  1. Follow me Back da A.V. Geiger; Hotel Memória do João Tordo; O Mundo de Sofia do Jostein Gaarder; Sobre o Amor do Daniel Oliveira. Escolheria estes, como os que mais gostei.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Tenho de ler o Hotel Memória, mas, como ainda tenho outros dois do autor em espera (e o objetivo é só voltar a comprar livros em abril), vou esperar mais um pouco

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  2. Belos companheiros para todo o ano! Desejo-te um bom ano, minha querida! ✨

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  3. Fiquei tão curiosa com o livro do mês de agosto! :)
    Bom ano, Andreia!

    www.amarcadamarta.pt

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    1. É um tema que gosto bastante e adorei a forma como o Nelson Nunes estruturou o livro. Acho que vale muito a pena, até pelas figuras que entrevistou :)

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  4. Nunca li nenhum desses livros, mas quem sabe se não dou um salto à biblioteca e sigo as tuas sugestões. :) Bom ano, Andreia!

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    1. Apoio essa decisão :D se leres algum, vou querer saber o que achaste.
      Obrigada e igualmente!

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  5. Que bela selecao de leituras *.* Tenho de terminar o Just Kids :)

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  6. Como é mesmo bom ter cantinhos assim pela nossa casa, que são mesmo uma boa companhia e boa sugestão para conhecer
    Beijinhos
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