LIVROS PARA QUEM TEM PRESSA OU
NÃO TEM PRESSA ALGUMA

Fotografia da minha autoria



«Ler dá sonhos»


O ato de pegar num livro e desligar do mundo traz-me conforto, porque me permite abrandar, sem me preocupar com rotinas e horários. E isso é, no mínimo, bastante saudável para o meu equilíbrio emocional.

Há, no entanto, um aspeto que aprecio e que, neste cenário, pode ser um contrasenso: narrativas céleres, que me envolvem ao ponto de as ler quase num suspiro - porque sinto que o autor a interligou na perfeição. Talvez por esse motivo vá priorizando géneros como as crónicas e os contos, por serem uma junção desses fatores.

As opções supracitadas potenciam-me dois cenários: intercalar leituras mais densas ou, então, ter uma alternativa para quando quero ler, mas a predisposição temporal e mental não me permite um período de leitura demorado. Por norma, tento mesmo fazer render estes livros, para absorver os vários contextos que agregam, mas nem sempre sou capaz, porque a escrita é tão encantadora - e os temas tão pertinentes -, que prossigo como se de uma história de ficção se tratasse. E, ao longo de 2022, tive alguns casos desta natureza.

Portanto, para pessoas com pressa [porque são textos curtos] ou que não têm pressa alguma [porque podem levar meses até serem terminados], partilho seis exemplares maravilhosos que me fizeram companhia.


CASOS DO BECO DAS SARDINHEIRAS, MÁRIO DE CARVALHO


A minha estreia na obra de Mário de Carvalho não podia ter sido mais gratificante, porque este livro é uma preciosidade. Para além da escrita maravilhosa do autor, os onze contos têm uma ironia e um humor que aprecio; e fascinou-me embarcar neste bairro com tantas histórias insólitas e hilariantes. Há expressões muito próprias [que acredito que sejam ainda mais queridas a quem for de Lisboa ou tenha adotado a cidade como sua], o que torna a leitura intimista, e personagens que, facilmente, poderíamos encontrar perto de nós, visto que têm características muito portuguesas. Fiquei com vontade de visitar este Beco das Sardinheiras.


COM O HUMOR NÃO SE BRINCA, NELSON NUNES


TW: Linguagem Explícita, Referência a Depressão

O plano dos bastidores, aquele acesso privilegiado ao processo antes de vermos o produto final, fascina-me, porque acredito que nos permite tem uma visão mais ampla do propósito e da essência do mesmo. Portanto, ter esta oportunidade no que diz respeito ao humor é a cereja no topo do bolo. Nelson Nunes fez um trabalho excelente ao reunir humoristas conhecidos da nossa praça, fazendo-o de uma forma descomplicada, mas sem deixar de tocar em feridas e nos preconceitos pelos quais foram [e vão] passando. Embora partam todos dos mesmos temas centrais, é interessante perceber como é que observam e vivem o humor; é interessante perceber de onde partiram, quais os sucessos e os fracassos e quais as curvas que já ultrapassaram. Além disso, achei pertinente a abordagem em relação à ausência de mulheres na comédia - ou, melhor, à sua parca aparição -, atendendo a que, direta ou indiretamente, comprova a desigualdade que ainda se faz sentir. Deambulando pelos processos criativos e pelos [não] limites do humor, estas páginas levam-nos numa conversa a várias vozes, proporcionando-nos momentos inesquecíveis - e memórias absolutamente hilariantes.


LEVANTE-SE O RÉU, RUI CARDOSO MARTINS


TW: Homicídio, Incesto, Pedofilia, Violência doméstica, Maus Tratos, Linguagem Explícita

A narrativa secundária de Causa Própria [série transmitida pela RTP] tem como ponto de partida as crónicas de Rui Cardoso Martins, que, durante 17 anos, assistiu «a mais de 700 caos de justiça em sessões públicas de tribunal». Naturalmente intrigada, priorizei esta leitura e fui conquistada pela forma como o autor nos narra as histórias, envolvendo-nos num ambiente trágico, cómico, bizarro e revoltante. Porque há textos que nos deixam perplexos com o seu desenvolvimento e consequente desfecho. Aliás, há situações tão surreais, que quase duvidamos da sua veracidade. Mas aconteceram. E são um retrato fiel da vida dos tribunais portugueses. Por outro lado, angustia conhecer os contornos de certas situações, até porque continua a existir uma proximidade chocante com o presente. Equilibrando um traço ora inocente, ora caricato, estes registos fazem-nos refletir sobre o rumo da nossa jornada, sobre as nossas escolhas e sobre quem somos em sociedade - com ironia.


LEVANTE-SE O RÉU OUTRA VEZ, RUI CARDOSO MARTINS


TW: Referência a Sexo, Homicídio, Incesto, Pedofilia, Violência Doméstica, Racismo; Linguagem Explícita

A maneira como o autor narra as histórias já me tinha conquistado no volume anterior, Levante-se o Réu, porque tem um tom irónico que nos retira da perplexidade provocada pela maioria dos acontecimentos descritos. À semelhança do que encontramos no livro supracitado, regressamos aos tribunais portugueses para acompanharmos mais cem casos reais, com pessoas e crimes verídicos, apenas protegidos na sua identidade, para não provocar dissabores delicados. Envolvendo-nos num ambiente surreal, ora trágico, ora cómico, voltei a refletir sobre as nossas atitudes; sobre o quanto as circunstâncias e a urgência de sobreviver nos toldam o discernimento, e como tudo o que se torna num vício nos deixa frágeis e à mercê de uma força maior do que nós. E sobre o quanto nem sempre temos o devido acompanhamento por parte das entidades competentes.


JALAN JALAN, AFONSO CRUZ


TW: Morte, Linguagem Explícita

É inacreditável como Afonso Cruz consegue criar tantas imagens e realidades nas suas narrativas, de um modo tão coerente e harmonioso; e como consegue, neste caso específico, levar-nos por uma viagem à volta do mundo e ao traço mais intimista de quem somos. Porque estes textos, que nos permitem deambular sem sair do lugar, mostram-nos os diferentes tipos de viagem, ao mesmo tempo que nos permitem aprender tanta coisa acerca de culturas e personalidades distintas. Com muito humor à mistura, Jalan Jalan é uma obra de arte, à qual regressarei mais vezes - quando precisar de ir. Não me importaria de viver dentro destes enredos.


AQUÁRIO, CAPICUA


TW: Referência a Morte, Violação

O mergulho neste Aquário revelou-se mágico e uma experiência enriquecedora, porque a Capicua tem poesia na alma e consegue, com muita pertinência e empatia, envolver-nos nos assuntos mais diversos. E mesmo quando estes não nos servem, por não os vivenciarmos [como a maternidade, no meu caso], há um laço que nos une, que nos deixa predispostos a escutar/a ler, já que se torna quase palpável o seu entusiasmo ou o seu inconformismo; o seu fascínio pelas pequenas coisas ou a fúria perante cenários que diminuem o outro. Dividido em crónicas, pequenos textos, poemas e letras de canções, é um livro ao qual farei por regressar: porque me revi em pensamentos e sentimentos e porque, aqui, tive a doce sensação de estar em casa.

8 comments

  1. Parecem-me excelentes sugestões, vou levá-las para ler no próximo ano, ainda não me aventurei em nenhum destes autores.
    Obrigada, minha querida.
    Beijinho grande!

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    1. Aconselho qualquer uma delas. Embora tenham energias muito distintas, acredito que possam proporcionar ótimos momentos de leitura, em várias ocasiões

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  2. Excelentes sugestoes para quem o tempo é escasso como o meu :D Fiquei curiosa "Com o Humor nao se brinca" pois os 4 humoristas da capa sao os meus preferidos :) e ja tenho o podcast para ouvir :) Tambem gostava muito de ler os dois volumes de "Levante-se o reu" ja que nao consegui ver a serie na RTP play porque esta nao deixou :(

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    1. Acho que ias gostar muito de ler Com o Humor Não se Brinca, porque está mesmo bem estruturado. Também aconselho imenso os dois volumes do Rui Cardoso Martins

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  3. Hum, que sim, são mais uma boa opção não só conhecer, mas também para oferecer.
    Uma boa semana
    Beijinhos
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  4. Dos que referiste nunca li nenhum ainda. 🤭

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