CUIDADOS AO ESCREVER OPINIÕES LITERÁRIAS

Fotografia da minha autoria



«O papel tem mais paciência que as pessoas»


A literatura encontrou-me numa fase bastante avançada da minha adolescência, alargando uma série de horizontes. Por isso, também compreendi o encanto de, para além de ler, estudar e conversar sobre livros, mas escrever sobre eles revelou-se um processo demorado - e demorou até que me dedicasse a esse conteúdo.

É evidente que não sou crítica literária, mas isso nunca excluiu um certo receio e intimidação: pelo desafio e pela responsabilidade, pois estamos a avaliar o trabalho e o sonho materializado de alguém. E acho que, acima de qualquer conhecimento técnico (que fica para os entendidos), tem de existir empatia e sensibilidade suficientes para sermos corretos na apreciação, independentemente de o autor ter, ou não, acesso à mesma.

Quando escrevo sobre as obras que li, prefiro focar-me naquilo que me fizeram sentir e nos temas que me pareceram vitais para a construção da narrativa, é por esse motivo que mantenho o meu Bullet Journal perto, para garantir que não perco pensamentos e detalhes que me serão úteis para sustentar a argumentação.

A minha primeira review remonta a maio de 2014 (tive de ir pesquisar) e, naturalmente, existem diferenças quando comparada com as atuais, porque a minha forma de comunicar mudou, porque talvez esteja mais criteriosa e consciente de determinados pormenores e porque tenho vontade de explorar outras abordagens, outras perspetivas. Faz parte do processo de amadurecimento, que nos permite descobrir a nossa identidade.

Numa altura em que há tantos meios para debatermos leituras, tantas contas dedicadas a livros, dei por mim a refletir sobre os cuidados que tenho ao escrever acerca do que leio - e que acabo por incluir noutras áreas.


   CUIDADOS QUE TENHO AO 
 ESCREVER OPINIÕES LITERÁRIAS   


INCLUIR AVISOS DE CONTEÚDO
Foi um elemento que passei a incluir, talvez há dois anos, e que me deixa muito mais confortável, porque permite que qualquer leitor perceba se a obra tem temas que lhe são sensíveis e que podem despertar gatilhos. Sei que algumas pessoas os encaram como spoiler - e eu entendo, mesmo que não partilhe dessa opinião -, mas entre isso ou garantir que a experiência de leitura é segura, é claro que optarei sempre pelo segundo. Portanto, a não ser que não detete qualquer trigger warning, farei essa ressalva no início do texto.

HONESTIDADE
É um valor crucial em tudo, portanto, não seria diferente neste nicho. Independentemente de o autor ler a nossa crítica (ou não), temos de ser verdadeiros nas observações que fazemos, porque acredito que só assim podemos evoluir. De que é que adianta escrever que livro x é genial, se a nossa opinião é contrária? É para sermos notados e termos cinco segundos de fama? Não compensa, porque cria uma imagem distorcida.

Neste ponto, aproveito para me concentrar nos nossos autores, sobretudo naqueles que estão a dar os primeiros passos neste meio. Uma coisa é partilharmos uma opinião sobre a obra de um escritor conceituado, porque, embora o critério deva ser o mesmo, já terá outros mecanismos para gerir a crítica (e quanto mais estabelecido, menos provável será ler tudo). Quando nos dedicamos a livros de novos autores, acho que esse cuidado deve ser mais evidente, porque a interação é mais direta e porque é normal, no começo, procurar-se por validação. Sem fazer da nossa visão o expoente máximo (é só a nossa opinião e vale o que vale), acho bonito quando abrimos o coração e não enganamos o outro, fazendo-o acreditar em algo que não sentimos.

Por fim, considero essencial ser esta a nossa pauta, se formos contactados pelo autor para lermos o seu livro. Se ele tem coragem para se expor à nossa apreciação (partindo do pressuposto que está mesmo disposto a acolhê-la, seja ela favorável ou não), só podemos ser honesto. Devemos-lhe esse compromisso franco.

SER HONESTO É DIFERENTE DE SER DESAGRADÁVEL
Há maneiras e maneiras de demonstrarmos o nosso ponto de vista, portanto, não existe necessidade de se ser cruel só para se fazer entender que o livro não correspondeu às expectativas. Além disso, não é preciso ser-se condescendente ou andar em bicos de pés, apenas é preciso ter cuidado na forma como nos expressamos, porque do outro lado está alguém que, por mais que esteja recetivo à crítica, não deixa de ter sentimentos.

COLOCAR-ME NO LUGAR DO OUTRO
O ponto anterior relembrou-me deste, porque acredito que escrever reviews também é um exercício de empatia. Não perco muito tempo a pensar que determinado autor lerá o que escrevi sobre o(s) seu(s) livro(s) - caso o identifique -, mas perco tempo a pensar no impacto que as minhas palavras podem ter, caso o faça.

Há histórias que descubro e que não me fazem tanto sentido, há tipos de escrita que não me servem, há obras que até posso considerar uma perda de tempo, contudo, não o escreverei desta forma. Tentarei sempre encontrar um meio termo que me permita refletir sobre o que não resultou comigo sem ser rude e faltar ao respeito ao autor e ao seu trabalho. Posso passar a leitura a bufar e a revirar os olhos em desaprovação, mas se eu não ia gostar de ler isso sobre um texto meu, parece-me evidente que não o direi sobre o dos outros.

CONTEXTUALIZAR E FUNDAMENTAR
Pessoalmente, não aprecio opiniões que sejam uma versão alargada da sinopse. São válidas, claro, mas acho que essa dinâmica omite a experiência do leitor, talvez por esse motivo tenha evitado, durante muito tempo, incluir essa informação no texto. No entanto, comecei a perceber que focar-me apenas no lado emocional, naquilo que a história me fez sentir, podia não ser suficiente para transmitir o tema geral. Assim, passei a fazer uma breve contextualização do enredo, para que seja mais fácil de perceber quais são os alicerces do livro.

Em simultâneo, procuro fundamentar bem os meus argumentos, principalmente quando exploro aquelas que foram, para mim, as fragilidades da obra. No Goodreads, por exemplo, limitava-me a classificar a leitura, mas passei a querer explicar o porquê daquela nota, porque a verdade é que dois livros não têm 1, 2, 3, 4 ou 5 estrelas pelas mesmas razões. Justificar isso parece-me, agora, uma forma mais justa de pontuar e de permitir que os outros percebam o meu ponto - e esta necessidade é maior quando a pontuação é mais baixa.

SER COERENTE
Entre a classificação que atribuo nas plataformas literárias, o que escrevo e aquilo que posso vir a dizer ao autor - caso esse cenário se aplique -, porque não me parece muito razoável partilhar que a leitura foi transformadora e, depois, as minhas palavras e/ou a minha nota estarem desalinhadas. Coerência é a chave.

NÃO ESCREVER
1) Em demasia, contando detalhes que possam estragar a experiência de leitura de terceiros - se precisar mesmo de desabafar sobre um detalhe revelador, indico que o texto conterá spoilers, evitando surpresas.

2) Se perceber que tenho pouco a dizer ou se sentir que não conseguirei escrever uma opinião cordial.


A velha máxima do «eu sou responsável pelo que falo, não por aquilo que entendes» (deixo uma margem de erro, caso não sejam estas as palavras exatas) funciona até certo ponto, porque acredito que a nossa transparência evita interpretações incorretas. Não faremos sempre tudo bem, certamente que também já escrevi palavras menos afáveis sem ter noção dos seus efeitos, mas é tão melhor quando nos predispomos a fazer melhor, a ser melhor - seja na literatura, seja na vida. Portanto, estes são os meus cuidados quando escrevo opiniões literárias e assumo o compromisso de os rever sempre, para que nunca falhe na empatia.

Comentários

  1. Adorei esta publicação. Já não me recordo quando comecei a escrever opiniões de livros, mas penso que foi quando inaugurei o antigo EscreViver. Lembro-me da resenha com que concorri a um concurso literário, que é tão diferente das resenhas que escrevo hoje.

    Concordo totalmente com todos os pontos que referiste. São a essência de uma boa opinião.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. É mesmo interessante como vamos alterando a nossa forma de comunicar, como vamos deixando alguns aspetos para trás e nos concentramos noutros. Faz parte desta jornada de crescimento :)
      Muito obrigada!

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  2. Os teus reviews sao inspiradores *.*

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  3. Obrigada por partilhares o teu conhecimento!
    Boa semana!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  4. Estamos sempre aprender, adorei bastante a tua partilha
    Beijinhos
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    Tem Post Novos Diariamente

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  5. Boas dicas! Aplico algumas delas. Mas o escrever pouco, nem sempre consigo. 🫣

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    1. Obrigada! Quando digo escrever pouco é em relação à quantidade de detalhes/acontecimentos que posso partilhar da história, que é para não estragar a experiência a ninguém 😊

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  6. Achei esta tua publicação super pertinente! Concordo com os cuidados que tens, embora eu nem sempre siga à risca os mesmos. Devíamos todos pensar bem antes de escrever e publicar.
    Beijinho, Andreia <3

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    1. Acredito que há coisas que já são intrínsecas, porque se relacionam com os nossos valores, mas há outras que é uma questão de irmos adaptando. Seja na literatura ou na vida em geral, sermos cordiais com o outro é fundamental

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  7. Gostei muito deste texto e concordo com as questões que levantas. Escrever opiniões sem honestidade não vale a pena.

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