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Fotografia da minha autoria |
A vida constrói-se entre balanços, num reajuste constante entre o que se espera e o que se alcança e num conflito entre a urgência e a necessidade de acalmar. Em 2024, Filipa Leal celebrou 20 anos do lançamento do seu primeiro livro de poesia, por isso, arriscou «num exercício de maior reflexão», colocando-nos no centro das oscilações.
um exercício de reflexão
Adrenalina transporta mais maturidade nas palavras, por força das circunstâncias e do crescimento da poeta, numa correlação íntima de quem compreendeu que a espuma dos dias pode ser intensa, desgastante, aconchegante e surpreendente, por vezes, com curtos períodos de tempo entre cada um desses estados. Assim, fazendo uma travessia pela infância, adolescência e idade adulta, redescobre-se e, em simultâneo, recupera memórias que, embora sejam apenas suas, nos provocam algum tipo de identificação.
O que mais me fascina na escrita da Filipa Leal é mesmo a capacidade de nos agregar às imagens que cria entre versos, de tornar tudo tão claro, ainda que possam existir infinitas camadas extra na sua mensagem. Por esse motivo, senti-me representada em sonhos, medos e visões do mundo. Sobretudo, senti-me alinhada com «a vontade de não ter pressa», porque a vida também precisa que desfrutemos da sua cadência sem acelerações. Há um desejo imenso de não deixar nada por fazer, porque não prevemos a última vez, no entanto, continuarmos num ritmo frenético talvez nos impeça de ver aquilo que existe de mais encantador em cada uma das etapas da nossa jornada.
«eu percebi que era para sempre,
eu percebi que, se me deixassem,
ficaria para sempre
a ver-te mexer assim o café»
É impressionante como as nossas vontades podem alterar-se com o tempo, graças à bagagem que vamos acumulando e ao conhecimento que adquirimos acerca da nossa identidade/personalidade. Portanto, até o próprio ato de nos observarmos ao espelho pode ser transformador, já que reparamos em detalhes que não estavam lá antes - o mais provável é que estivessem, nós é que não não tínhamos maturidade suficiente para os identificarmos e interpretarmos. Quase como se nos fizesse movimentar por um jogo de sombras e de luzes, convida-nos a olhar para dentro e a pensar sobre uma série de pilares do ser humano: família, amor, amizade, medos, cicatrizes e desgostos.
Adrenalina consegue ser irónico, mordaz e leve. E tão depressa nos inquieta, como nos arranca um sorriso - quem sabe, gargalhadas também. Concentrando-se na beleza das pequenas coisas, dos pormenores que poderiam passar despercebidos, a Filipa Leal transforma esses nadas em poemas que ficam a ecoar. Além disso, sem perder um tom confessional, há uma musicalidade nas palavras que nos permite refletir sobre escrita e sobre como o tempo nos muda sem pedir. É essa vulnerabilidade que nos molda.
notas literárias
- Lido a: 7 de julho
- Formato de leitura: Físico
- Género: Poesia
- Poemas favoritos: Noctívaga, Quarto 332, Nuvem, Amigos Coloridos, Pedro, Homem de Mel
- Pontos fortes: Transformar pormenores em poemas, a urgência de viver vs o querer abrandar, soar sempre a abraço
- Banda sonora: Your Song, Elton John | Bravos, Van Zee & Frankieontheguitar | Sub-16, GNR | Dores de Crescimento, Carolina de Deus & António Zambujo | Dá-me Lume, Jorge Palma | Unicornio, Silvio Rodrígues
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