notas literárias ago'24

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A banda sonora de uma viagem literária


A playlist das leituras de agosto, creio, é bastante introspetiva. Embora traga alguns ritmos que possam induzir o contrário, apela a um lado mais emocional. Se calhar, não acompanha a leveza que associo a este mês, mas, por outro lado, fez-me viajar bastante sem sair do lugar.


desvio, ana pessoa & bernardo p. carvalho
Desavindos, Deolinda & Foge Foge Bandido ▫️ «Quase nem reparo em ti/Ocupada como eu ando/Com as minhas coisas/Que vou adiando» começa por cantar Ana Bacalhau. Mas, na novela gráfica de Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho, o protagonista repara em tudo: principalmente, nas suas coisas, naquilo que esperam dele, no futuro que é tão turvo. Depois, Manel Cruz canta «Dou-me por certo e logo vejo/E ser mesmo o que eu quero», mas Miguel ainda não sabe quem quer ser. Não obstante, numa narrativa tão cheia de contraste, com um ritmo mais lento pela necessidade de descobrir a sua identidade, achei que o tema que une os Deolinda e os Foge Foge Bandido seria a banda sonora ideal: pelo tom melancólico e pela necessidade de tentar outra vez, de contar outras histórias.

a rapariga nas garras da águia, karin smirnoff
Wicked Little Monster, Veda ▫️ O facto de não me ter envolvido tanto com o enredo pode ter condicionado a procura pela música ideal. Então, optei por um caminho alternativo e concentrei-me numa das personagens mais memoráveis da ficção: Lisbeth Salander. Ao percorrer uma playlist inspirada nela, pus Wicked Litter Monster a tocar por acaso e a conexão foi imediata, porque a melodia consegue ser, em simultâneo, sombria e sedutora e porque a letra espelha traços da sua personalidade, que ainda se confronta com demónios do passado, que ainda mantém em equilíbrio uma espécie de jogo pela sobrevivência. Salander consegue despertar o melhor e o pior, sempre com um objetivo de fundo.

quero voar, kachisou
Andorinhas, Ana Moura ▫️ A melodia desta canção talvez não seja a mais indicada para o tom da narrativa, mas a letra serve-lhe na perfeição, porque Kyle queria «tirar os pés do chão», queria «voar daqui p'ra fora e ir embora de avião». O protagonista queria ser livre, «soltar as asas» e desbravar o seu caminho tendo em conta a sua vontade e não a imposição de terceiros. E esta música grita tudo isso.

querido edward, ann napolitano
Hold On, Lizzy McAlpine ▫️ Desenvolvi o hábito de procurar no Spotify uma playlist inspirada no livro que começarei a ler, sobretudo se for de um autor estrangeiro (a probabilidade de acontecer é bem maior), uma vez que me ajuda a concentrar e a envolver com a narrativa. Ao encontrar uma para a série Dear Edward (baseada no livro de Ann Napolitano), fui logo conquistada pelo primeiro tema. Conforme fui avançando na leitura, senti que os seus versos estavam a descrever o protagonista e algumas das suas relações, portanto, Hold On foi a escolha final.

sr. salário, sally rooney
Got Weird, Dodie ▫️ A associação a este tema foi muito rápida: primeiro, porque as personagens têm coisas a resolver entre si; segundo, porque acho que há um receio implícito de que as coisas fiquem estranhas, caso tomem certas decisões. Além disso, achei que o ritmo tinha o seu quê de sedutor, acompanhando muito bem a interação entre Sukie e Nathan.

expectus luna - esperando a lua, ana rita areias
Teima, Pikika ▫️ Ocorreu-me logo esta canção, pela noção de uma vida efémera, pelo amor que fica à espera, pela despedida, pela importância de curar as feridas, mesmo que esse processo demore. O livro da Ana não se foca só nas relações que ficam em suspenso, mas também há espaço para essa temática. Além disso, sinto que a letra da Pikika pode ser facilmente adaptada a outros contextos. Às vezes, temos só de seguir. E os versos «Mas foi sozinha que eu plantei as minhas lágrimas e as colhi/Esta estrada só tem um sentido ainda que eu não seja boa a conduzi-lo» espelham a energia que também encontramos nesta obra poética.

torto arado, itamar vieira junior
Torto Arado, Rubel, Liniker & Luedji Luna ▫️ Ainda nem estava perto de iniciar a leitura e já sabia qual a música que lhe ia associar, isto porque o Joana da Silva falou nela no discord do Livra-te. Fiz questão de só a ouvir depois de terminar a leitura e, sem qualquer dúvida, a escolha tinha de ser esta, porque cada verso transporta-nos para a história, para a fazenda, para a relação daquelas duas irmãs, para as desigualdades, para as memórias que só aquela terra pode guardar.

as telefones, djaimilia pereira de almeida
Amazing Grace, Aretha Franklin ▫️ A civilização evolui, temos acesso a novas ferramentas de comunicação e é fascinante aquilo que se consegue fazer em simultâneo. É num destes momentos de constatação que uma das personagens refere algo como «ouvir-te cantar o Amazing Grace, ao mesmo tempo que te escrevo na varanda até sair de casa», por isso, achei que seria um bom tema para embalar esta leitura: pela referência e por apelar a algo partilhado entre mãe e filha.

portugal em ruínas, gastão de brito e silva
Terra Ardida, Diabo na Cruz ▫️ Escolhi este tema pela sensação de destruição, pelo golpe duro que é ver o património a ruir. Neste «salve-se quem puder», vai-se perdendo parte da nossa identidade. Mesmo que a letra se foque em coisas completamente distintas do que é abordado no livro, acho que há versos que poderiam ser uma ponte entre ambas.

tudo o que sei sobre o amor, dolly alderton
All I Want, Joni Mitchell ▫️ A vida da autora, sobretudo durante a adolescência e os «vintes», deu imensas voltas, mas a amiga Farly esteve sempre presente. Como acho que este livro é mais sobre o amor presente nas amizades, quis associar um tema que representasse ambas ou que estivesse, de alguma forma, ligado à sua história. Num dos textos, Dolly Alderton refere o álbum Blue, de Joni Mitchell, que as acompanhou durante um verão, e confidenciou que All I Want era a sua canção favorita - ao ler a letra, acho que consigo compreender o porquê. Sinto que elas revelam o melhor uma da outra, portanto, não me fazia sentido mais nenhuma música.

segredo mortal, bruno m. franco
Pontas Soltas, Souls Of Fire & Dubi ▫️ Leonardo Rosa, um dos protagonistas deste livro, detestava pontas soltas. Por esse motivo, lembrei-me deste tema dos Souls Of Fire. Acho que a letra não encaixa em pleno, ainda assim, como o enredo deu «voltas e voltas», decidi avançar com esta associação.

o meu treinador, joana bértholo
Passive Aggressive, Placebo ▫️ A música citada foi uma fonte de motivação para Joana Bértholo, enquanto atleta de alta competição, e um dos seus versos funcionava como piada interna entre ela e o treinador. Portanto, só me fazia sentido fazer esta combinação. Além disso, sinto que o desporto consegue ter esta energia passivo-agressiva, encaixando no título da canção e, até, na melodia.

esquerda e direita: guia histórico para o século xxi, rui tavares
Inquietação, José Mário Branco ▫️ Há sempre qualquer coisa que está para acontecer, como cantou o músico portuense, e o debate que questiona a pertinência de termos como esquerda e direita, no plano político, potenciam esse prenúncio. Além disso, como sinto que esta obra nos impulsa a fazer «tantas perguntas», nos mostra que ainda há muita coisa que nos falta perceber e dá voz a algumas das nossas inquietações - pelo passado não tão longínquo e por um futuro incerto - decidi escolher este tema.

giz, gisela casimiro
Giz, Legião Urbana ▫️ Optei por esta música porque, tal como aquilo que a autora faz na sua poesia e na sua prosa, há uma descrição de algo muito credível, há um desenlaçar de uma realidade que podia pertencer ao quotidiano de qualquer um de nós. Além disso, o giz transmite a ideia de recomeçar e de refazer, algo que senti nas duas componentes artísticas. Por fim, o verso «acho que estou gostando de alguém» transportou-me para coisas que Gisela Casimiro foi escrevendo ao longo do livro.

Comentários

  1. Que belas escolhas! Venha o mês de setembro 😊

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  2. Da tua Playlist já ouvi Inquietação e Andorinhas.

    Curiosa para conhecer a playlist de setembro.

    Beijinho grande, minha querida! 😘

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    1. Acertaste em duas das minhas favoritas. Recentemente, ouvi a Inquietação cantada pela Gisela João e fiquei sem palavras 🥹
      Obrigada, minha querida!

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