gato comum, joana estrela

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Luto


A minha casa sempre teve animais (por ser antiga, dos indesejados também). Quando a minha cadela Fany teve de ser abatida, por estar demasiado doente e já não ser confortável para ela, a dor foi tão grande que soubemos todos que não queríamos voltar a passar pelo processo de despedida. Pelo menos, não tão cedo. Esta resistência durou anos, até que resgatamos um gato de rua, o Simba - sendo honesta, foi mais ele que nos adotou a nós. Infelizmente, revivemos a perda (embora com outros contornos) e voltamos a querer proteger-nos dela. No entanto, desta vez, o período sem animais de estimação foi mais curto. E, hoje, temos o Goji, o Silvestre e o Chip a alegrarem as nossas vidas. E escrevo tudo isto porque vos quero falar do novo livro da Joana Estrela.


despedida, pertença e identidade

Gato Comum permite-nos acompanhar «os últimos dias de vida de um gato e as difíceis decisões que pesam sobre a família que o acolhe». Numa situação desta magnitude, sentimo-nos a perder todos os dias, de várias maneiras. Por mais que tentemos manter a esperança, o otimismo, e procuremos alternativas, há um momento em que o medo e a frustração assumem o tom dos nossos gestos e das nossas palavras. E falo no plural, uma vez que todos nós já experienciamos o abismo que é a morte.

Como tenho três gatos, fui-me revendo na angustia, na antecipação, na inquietação; fui-me revendo na sensação de impotência. Ademais, como vivi circunstâncias idênticas com a minha cadela, percebi que me despertou memórias de infância. Mesmo sendo sobre um tema duro, rendi-me ainda mais a este livro por isso. Por isso e por acreditar que Joana Estrela abordou a perda e o período de luto com pertinência.

Há um limbo emocional que nos faz questionar sobre as coisas que ficam quando algo ou alguém parte, sobre quem éramos antes, quem somos e quem seremos depois disso; há um limbo sobre o impacto da ausência. Tudo isto é indicador do quanto a perda precisa de ser trabalhada, porque nos deixa frágeis e vulneráveis. Alguém mencionou o termo «luto antecipatório», que ocorre quando os cuidados se prolongam, mas a partida já é sentida, e acho que essa é a melhor imagem para descrever a história.

«Quando tens o mesmo quarto desde que nasceste, ele conta a história de todas as versões de quem já foste»

O livro lê-se num sopro, mas é impressionante como a autora nos consegue fazer sentir tanto com pouco. Aliás, as mensagens que se entrelaçam aos traços do seu desenho abrem inúmeras portas emocionais e acabamos por nos rever em detalhes. Por outro lado, achei curioso que Manel (o gato) e Cristina (a narradora/protagonista) tenham ambos 17 anos, porque, ainda que partilhem a mesma idade, é notório o contraste entre o fim de uma vida e o desabrochar de outra, seguindo direções opostas.

Gato Comum é sensível e descomplicado. Mostra a tristeza, mas também uma grande dose de amor. Tem poesia, comove e é catártico. Acima de tudo, é muito realista.


🎧 Música para acompanhar: Nuvem Negra, Capitão Fausto

📖 Outros livros lidos: Pardalita | A Rainha do Norte | Mana


Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

10 Comments

  1. Uma excelente sugestão para começar a semana (já tinha saudades das tuas publicações *.*)

    Mais um para prolongar a minha wishlist.

    Beijinho grande, minha querida!

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  2. Ja sabes que vou levar esta sugestão *.* Muito obrigada pela partilha, minha querida :)

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  3. Parece uma ótima sugestão, fiquei muito curiosa!

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  4. Não conhecia, obrigada pela partilha 😊

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