Entre Margens

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A tbr de outubro foi aumentando ao longo do mês. E que bom que é olhar para a estante e perceber que já são poucos os livros que tenho em espera, porque isso dá-me a possibilidade de explorar novas histórias de uma forma mais imediata, para além de me abrir a porta para explorar ainda mais o Kobo Plus e a BiblioLED.


 a tbr de outubro: expectativa
  • Enquanto o Fim Não Vem, Mafalda Santos;
  • Uma Vida Incrível e Maravilhosa, Emily Henry;
  • Um Dedo Borrado de Tinta, Catarina Gomes;
  • Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues;
  • Dieta da Poesia, Afonso Cruz;
  • Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos, Olga Tokarczuk.
 
 a tbr de outubro: realidade

Da lista anterior, não li Dieta da Poesia, porque o livro do Afonso Cruz ainda não chegou. Por outro lado, consegui descobrir os seguintes exemplares:

  • Lavores de Ana, Ana Cláudia Santos;
  • A Rapariga com Gelo nas Veias, Karin Smirnoff;
  • À Escuta dos Amantes, Júlio Machado Vaz;
  • Atos de Desobediência, Helena Magalhães;
  • Este é Um Livro Sobre Amor, Paula Gicovate;
  • O Último Avô, Afonso Reis Cabral,


 algumas curiosidades

Em outubro, li:
  • 11 livros: 3 policiais/thrillers, 5 romances, 1 de teatro e 2 de não ficção;
  • 8 autoras e 3 autores: 7 portugueses, 1 polaca, 1 sueca, 1 norte-americana e 1 brasileira;
  • 4 autores lidos pela primeira vez: Ana Cláudia Santos, Olga Tokarczuk, Tiago Rodrigues e Júlio Machado Vaz.

Favoritos do mês:
  • Enquanto o Fim Não Vem, Mafalda Santos;
  • Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos, Olga Tokarczuk;
  • Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues.


 vamos a contas?

Outubro foi um mês muito poupado, mesmo tendo feito compras literárias.

  • Comprei um livro físico (A Rapariga Com Gelo nas Veias), mas, como aproveitei o saldo que tinha no cartão Fnac e uma campanha promocional, gastei 0€;
  • Ativei a subscrição do Kobo Plus, que me custou 7,99€. Li 6 eBooks, o que me permitiu poupar 70,79€;
  • Comecei outubro com 13€. Como li 11 livros, amealhei 11€, partindo para novembro com 24€.


 tbr de novembro
  • Crime na Aldeia, Lourenço Seruya;
  • Os Transparentes, Ondjaki;
  • As Oito Montanhas, Paolo Cognetti;
  • As Invisíveis, Rita Pereira de Carvalho;
  • A Subtração, Alia Trabucco Zerán;
  • As Aventuras Completas de Dog Mendonça & Pizzaboy, Filipe Melo & Juan Cavia.

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A frase não é novidade, mas continuo a acreditar que um dos aspetos que mais me define é encontrar na escrita uma forma de comunicar muito mais alinhada com a minha essência. E como penso melhor de caneta na mão, a preencher folhas em branco, a rasurar para chegar ao tom certo do texto, é mais intuitivo estruturar o que quero dizer. Não vou debater qualidade (ou falta dela), mas é através das palavras que procuro sustentar a minha arte.


 entre o verso e o silêncio

Fui recuperando o fascínio por escrever poesia e a parte mais interessante é que me tenho divertido no processo. Não quero olhar para o género com um filtro inacessível, embora haja sempre um momento em que a síndrome do impostor se faz ouvir com mais assertividade e fique só a oscilar entre perguntas como «o que é a poesia?», «será que os meus versos podem ser considerados poesia?», «será que posso desconstruir este formalismo que ainda parece pairar nos poemas?». Não obstante, quis permitir-me explorar, deixar que as palavras seguissem o seu curso, e fui-me comprometendo para chegar ao patamar que sempre sonhei: escrever e ser publicada.

Quando, na primavera de 2023, enviei o meu manuscrito para algumas editoras, sinto que cumpri o propósito de parar de adiar um objetivo que me acompanha desde a infância. Não achei que o caminho estivesse feito e também não me iludi. Acalentei a esperança, mas não tirei os pés do chão. O tempo foi passando e o silêncio fez mossa, claro, apenas não quebrou a certeza de ter enviado um trabalho com um conceito do qual me orgulhava. E a verdade é que continuavam a existir alternativas.

No final de 2023, aliando uma vontade crescente de sair da minha zona de conforto, achei que fazia todo o sentido levar aqueles poemas, aquele livro, para uma versão áudio e, por isso, avancei com o entre o verso e o silêncio, um podcast semanal cujo único propósito era sentar-me a declamar, de uma forma muito descontraída, o que já tinha saído da gaveta. Acho que este formato não é, de todo, para mim, mas foi um exercício valioso, até porque me ajudou a perceber que estava na altura de largar a mão.

Durante um pouco mais de um ano, transitei entre os diferentes cadernos que compilei no manuscrito, mas resolvi fechar este ciclo.


 fechar o ciclo

A vida foi-se intrometendo pelo caminho e encontrar tempo para gravar os episódios deixou de ser uma prioridade. No entanto, mais do que isso, percebi que tinha ali versos onde já não me revia. Pertencem a um período específico e não me envergonham, apenas compreendi que não fazia sentido continuar a reproduzi-los quando aquela já não era bem a minha voz. Além disso, quero acreditar que a minha escrita evoluiu, portanto, a continuar, teria de ser sempre com algo que o espelhasse — e não podia ser no entre o verso e o silêncio, porque chegou com uma identidade muito específica.

Fui adiando o inevitável, mas a verdade é que já há algum tempo que tinha percebido que não voltaria ao podcast. Ainda assim, sinto que precisava de fechar esta porta por escrito, porque não deixou de ser uma parte bonita da minha jornada digital (para mim, pelo menos). Portanto, sim, despeço-me do entre o verso e o silêncio, consciente de que permanecerei ancorada à poesia, sempre à procura de novos conceitos e versos que possam traduzir o caos que tantas vezes me habita.

A única hesitação é apagar ou não a secção do substack de forma definitiva. De resto, sei que chegou a altura de seguir em frente, de navegar por outras margens, porque «aprendi a gostar de poesia lendo o seu silêncio» e isso não se alterará, só deixará de vir alicerçado à minha voz.


Obrigada a quem esteve desse lado a acompanhar a aventura 💜

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A possibilidade de descobrir narrativas que não estão no meu radar entusiasma-me sempre, porque continuo a acreditar que este cruzar de universos nos acrescenta, alargando horizontes. Há uns meses, o autor Raphael T. A. Santos teve a amabilidade de me enviar um exemplar da sua obra, que acabou a revelar-se uma boa surpresa.


 perdido na solidão

Frágil Como Origami narra a história de Hena, que se vê confrontado com as suas angústias quando «o seu melhor amigo [lhe] pede que compareça no velório do seu pai». Este acontecimento leva-o a regressar a São Paulo e a contactar com os seus fantasmas e tudo o que aparenta continuar pendente, quase como se os ciclos não se tivessem fechado na totalidade.

Neste romance de formação, achei particularmente interessante que nos mostrasse, por um lado, as memórias que um lugar é capaz de despertar em nós, sendo capaz de abrir feridas antigas ou apaziguar certas emoções, e, por outro, que desconstruísse a imagem que temos das pessoas com quem convivemos. Em ambos os cenários, acredito que a distância tem um peso considerável (e serve como uma possível justificação), porque retira a personagem do centro do problema e fá-la analisar as situações e os comportamentos da altura com outra propriedade e racionalidade. É impressionante o que aprendemos sobre nós nos regressos e quando sabemos melhor quem somos.

«Normalmente as pessoas detestam que sejam vistas logo que acordam, mas acho interessante ver como as pessoas são quando não estão querendo parecer outra pessoa»

Sem querer revelar em demasia, para mim, a maior fragilidade prende-se com o arco temporal. Eu sei que, por se passar num curto espaço de tempo, as coisas têm de escalar de uma forma mais célere, ainda assim, preferia que algumas passagens e interações se prolongassem, que o impacto do reencontro com o melhor amigo fosse mais evidente, menos compreensível pelas entrelinhas. Isto porque sinto que a amizade e as suas metamorfoses eram um tópico muito valioso de ser abordado mais a fundo.

Frágil Como Origami permite-nos embarcar pelas recordações de infância/adolescência de Hena, enquanto nos deixa a refletir sobre perda, sexualidade, solidão, superação e conexões humanas. Gostei do significado do título e da beleza que encontrou na simplicidade, da mesma maneira como gostei que mostrasse que há pessoas que entram na nossa vida não para nos organizarem por dentro, mas para serem o amparo que nos deixa menos sós e que nos faz estar confortáveis na nossa pele.


 notas literárias
  • Gatilhos: Episódios de homofobia e linguagem explícita
  • Lido entre: 3 e 5 de setembro
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Pontos fortes: O tom próximo e o crescimento da personagem
  • Personagem favorita: Hippie
  • Banda sonora: Origami, Slow J & Gson | Frágil, Pikika | Need It, Justin Bieber

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já não te entranço o cabelo
nem te observo ao espelho
de olhar inocente com fome de mundo
brilhante, radiante, paciente
como se ter o cabelo às tranças fosse um tesouro
que partilhamos em segredo

já só tenho o pente pousado
elásticos espalhados
e uma cadeira vazia
e uma espécie de eco do teu riso
que me ilude no silêncio

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A vida aparenta ser uma manta de retalhos, compondo os nossos passos com várias peças que movemos por lógica, por necessidade, por improviso — por vezes, numa simbiose silenciosa entre todos estes elementos. E foi mais ou menos nesta oscilação que me senti no livro de Tatiana Salem Levy.


 uma chave de possibilidades

A Chave de Casa combina, ainda que em patamares emocionais distintos, «a dolorosa perda da mãe, um amante violento [e] as origens longínquas». Antes de falecer, o avô dá-lhe a chave da sua antiga casa em Esmirna, na Turquia, e esse gesto é o gatilho para que a narradora parta numa viagem intimista, muito interior, de autodescoberta.

Os capítulos iniciais, confesso, desarmaram-me por completo. Aliás, senti-me tão impactada pelas suas dúvidas, pela sua hesitação, pela sua certeza de ser várias pessoas em simultâneo, que temi ler todas as suas palavras com lágrimas nos olhos, até porque a noção de perda, a urgência do luto, embora individuais, têm fios invisíveis que nos unem, que nos mostram que há um reconhecimento que ultrapassa qualquer falta de vínculo afetivo, isto é, eu não conheço a autora e, mesmo assim, houve muito dela naqueles contextos que senti na pele. E parte de mim quis apaziguar aquela dor.

«Você estava sentada no sofá com ar de derrota quando me aproximei e sussurrei em seu ouvido: não faz mal. Se tiver de mudar de mundo, iremos juntas. Não importa aonde for, faremos outro pacto e, se mais tarde for preciso, outro, e depois outro e outro e outro. Faremos quantos pactos forem necessários, mudaremos de mundo quantas vezes nos exigirem, mas uma coisa é certa: minhas mãos estarão sempre coladas às suas»

O tempo cruza-se e há algo na forma como Tatiana Salem Levy escreve que soa sempre a um sopro, quase como se assumisse sempre o compromisso de dar nome às coisas para que não pesem tanto. Gosto particularmente dessa dinâmica e do facto de não filtrar as suas emoções. No entanto, achei que a narrativa se tornou um pouco confusa em certas transições, dando a sensação de que alguns assuntos ficarão em suspenso — não ficam, mas, depois, há uma necessidade de os encerrar de uma forma mais célere.

A Chave de Casa é próximo e achei muito interessante que tivesse dado espaço de resposta, como se as personagens se pudessem defender, mesmo que não precisassem. Além disso, deixou-me a pensar na capacidade que temos para construir narrativas tão diferentes para as mesmas situações.


 notas literárias
  • Gatilhos: Luto, linguagem explícita
  • Lido entre: 14 e 16 de agosto
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Pontos fortes: O cruzamento de histórias e a melodia da escrita
  • Banda sonora: I've Told Every Little Star, Linda Scott | Holocene, Bon Iver | Myth, Beach House | First Breath After Coma, Explosions In The Sky

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O coração parece falhar uma batida perante a ausência, perante o silêncio do vazio, das feridas que continuam expostas pela perda. E, talvez por isso, não deixa de ser curioso o modo como se resguarda.

A escrita sempre foi a minha forma mais intuitiva de processar o que estava a viver, de alinhar pensamentos, de parar para sentir, muito na lógica do «não é terapia, mas é terapêutico», porque tenho mais facilidade em escrever do que em dizer em voz alta. Portanto, as minhas palavras adquiriram a força necessária para traduzir o que me ia por dentro, mas eram demasiado próximas, demasiado enevoadas pela situação. E por mais que saiba que não podia ser de outra forma, pelo menos numa fase inicial do caos que são as nossas emoções, também comecei a perceber que as palavras dos outros, um pouco mais distantes, conseguiam trazer uma camada de compreensão extra.

Quando me predispus a estabelecer paralelismos entre certas representações artísticas — reconhecendo que esta visão pode ter uma dose de egocentrismo — e a minha história, sobretudo por ter percebido que me retiravam do centro do furacão e me transportavam para um plano geral, quase como se me olhasse fora do corpo, compreendi que a arte talvez não nos salve completamente do abismo, mas que nos vai ajudando a curar as feridas.


 educar a tristeza

O poema partilhar o mesmo céu, com particular destaque para a segunda estrofe, veio de um lugar onde tenho permanecido, atendendo a que, cada vez mais, acredito que o tempo não cura a dor, pelo contrário, intensifica a ausência, a carência, o que deixamos de poder partilhar, porque aquela pessoa já não está ali, por perto.

A ligação quebra-se pelo arco evolutivo da vida, mas nenhum processo de luto é linear. Podemos encontrar mecanismos de defesa, no entanto, os meses tornam-se cinzentos e, pontualmente, «têm dias verdes». E nós temos consciência de que é a ordem natural das coisas, ainda que continue a doer.

Há uns dias, dei por mim a verbalizar numa conversa que parece que cheguei à idade em que estamos sempre a um passo de uma despedida, se calhar, porque tive de me despedir de três pessoas num espaço de tempo relativamente curto; se calhar, porque as saudades têm sido mais evidentes. Depois, já sozinha com as minhas deambulações, percebi que isso também é consequência de um processo de luto que não começou no exato momento em que a notícia chegou — é provável que nenhum comece. Isso não foi óbvio para mim até chegar a este instante, até unir os fios invisíveis que interligam duas obras que têm sido um penso emocional.

O ano passado, tive de me despedir de uma das pessoas mais importantes da minha vida, mas a sensação que paira é a de que tive de adiar o momento em que o começaria a processar: não só pelo choque e pelo traço repentino da situação, mas também por algumas circunstâncias que exigiram que fosse eu a ser colo. E não há, aqui, qualquer tentativa de altruísmo. No fundo, se apenas for racional, até se torna conveniente, porque existe ali um período em que se eu não sentir essa perda é como se ela não tivesse acontecido. De repente, é como se pudesse viver um pouco mais dentro de uma bolha benigna. O problema, claro, vem depois, quando a realidade nos confronta e nos obriga a lidar com a tristeza.

O meu tio faleceu poucos dias antes do S. João e, como o referi nesta publicação, tínhamos tradições muitas nossas para comemorar a data. No segundo ano sem as concretizarmos, senti necessidade de ler o Educação da Tristeza, de Valter Hugo Mãe, para encontrar algum conforto. Sei que parece estanho, tendo em conta que este livro é, também ele, uma forma de lidar com o luto e a perda, mas sendo do autor que é sabia que podia ir sem reservas, porque encontraria sempre uma forma de validar a nuvem que pairava no meu peito.

De facto, não me enganei, visto que os textos me fizeram olhar para a despedida e para a saudade de outra perspetiva. Aliás, fizeram-me perceber que não há qualquer problema em trazermos a tristeza para a mesa, só não podemos ferir quem nos falta com essa tristeza. Ela não desaparece, mas nós continuamos cá para «continuar a lembrar, [para] continuar a amar». O vazio deixa-nos sombras como herança, mas é possível vermos — e vivermos — para além dele.


 foguetes e a dor que reacende

Fui orbitando nesta noção de que «a saudade cresce para ser uma festa em redor de quem amamos», até que, dias depois do S. João, o Lhast lançou o seu mais recente álbum, o Violetta, e uma das música que o compõem me fez recuar e voltar a ficar dividida «entre a folia de ainda vivermos e o exercício da saudade». Comecei a ouvi-la e houve versos a ler-me por dentro. E, por esse motivo, precisei de um pouco mais de tempo para processar a canção — que, hoje, é uma das minhas favoritas.

Eu não tenho «manos [que] lançam foguetes lá fora na minha rua», mas havia foguetes na rua a relembrar que era dia de festa e que as festas em família são a «reiteração da força de estarmos juntos». Por outro lado, não «passou mais um ano, mais doze voltas à Lua», mas passou mais um S. João, mais um ano sem o manjerico à mesa, sem as conversas sobre a escrita, o Porto, o MEC, a quantidade de histórias que lhe contava em miúda, porque não conseguia estar calada. E a melodia foi-me embalando e eu fui ficando destruída com os versos «a ver que essa vida 'tá a passar num instante», «tive a dançar com a ideia de te voltar a ver/Mas o tempo não me dá o quanto eu queria dele», «E tudo o que me deste eu nunca vou esquecer», «Não muda nada daquilo que ficou/Eu vou contar a tua história até me faltar a voz», porque são demasiado próximos, porque traduzem a falta que me passou a habitar.

O Violetta tem sido presença constante nos meus dias, mas precisei de deixar a Foguetes num lugar distante. Ou, melhor, precisei de criar um filtro emocional até me sentir preparada para a escutar da forma em que me serviria: sabendo que esta ferida permanece exposta, mas que eu ainda cá estou para recordar. No fundo, precisei de um pouco mais de tempo para a ouvir e ser capaz de ir a todos os recantos sombrios que uma perda reabre.

O que chorei (e continuo a chorar) com esta música não está escrito, mas tem sido catártico — também quando penso em todos os simbolismos associados —, uma vez que me tem ajudado a pensar, a reorganizar por dentro, a encontrar os pontos de luz que recuperam a esperança e a capacidade de encontrar a beleza no caos — não com o intuito de romantizar a mágoa, mas com a intenção de mostrar que a tristeza «não se quer vencedora» quando falamos de quem amamos.

Existe, neste álbum, um dialeto que me parece vir de lugares muito íntimos, mas a forma como o Lhast construiu as narrativas dá-nos margem suficiente para as transportarmos para a nossa realidade. Eu não sei se a origem da Foguetes se reveste deste tipo de perda (talvez não, ou talvez não na totalidade), mas impactou-me desta maneira. Ele nunca o saberá, mas estar-lhe-ei eternamente agradecida por ter trazido este tema para a mesa e, sobretudo, que a partir da sua transversalidade e vulnerabilidade me tenha permitido colar alguns fragmentos que continuavam soltos, sem que os soubesse traduzir com esta precisão.

A primeira vez que ouvi a música, senti que tinha voltado ao ponto de partida, que a gestão emocional que consegui com o livro do Valter Hugo Mãe se tinha perdido, porque voltei a agarrar-me ao peso no peito, ao que ficou por dizer, ao lugar que nunca mais será ocupado, ao manjerico que nunca mais receberei do tio das barbas. Mergulhei nesta letra como quem fica numa divisão às escuras e depois entendi que o luto é sempre feito destas oscilações e que vamos navegando no ritmo que nos permite vir respirar à superfície.

A ligação sofreu uma metamorfose, mas eu sei que continuarei a escrever para que a história nunca se perca.


 como a arte vai curando as feridas

A memória, como escreveu Valter Hugo Mãe, é a única possibilidade de regresso. E tanto ele, como o Lhast abriram essa porta. Aliás, através de cada uma das suas visões sobre o assunto, permitiram que eu voltasse a pontos que a mágoa ocultou, e fizeram-no de uma forma complementar, num diálogo que não foi intencional, mas que, para mim, resultou nessa simbiose.

A vida está «a passar num instante» e mesmo que a arte não venha para nos salvar, mesmo que o seu propósito seja outro, a voz destes dois artistas trouxe-me alento, porque me mostrou que não estou sozinha; porque me mostrou que as nossas dores podem vir de sítios distintos, mas que há alguém a compreender o limbo onde permanecemos, a saber que tudo o que é invisível nos dilacera. Acredito que a arte também nos nutre muito por isso: por dar voz ao que nem sempre sabemos comunicar (por ser demasiado recente, duro ou uma combinação de vários fatores).

Quando assumi que Educação da Tristeza e Foguetes estavam numa conversa silenciosa, foi precisamente por sentir que nem o livro, nem a canção ocultam a mágoa, foi por sentir que ambos optam por partir desse lugar sombrio para nos incentivar a lidar com todas as suas ramificações, porque só assim seremos capazes de avançar, independentemente do tempo que necessitarmos para esse efeito. Ademais, senti que nos dois trabalhos consegui libertar aquele grito que me estava a sufocar e sair apaziguada.

Continuarei a viver a minha vida com plena consciência de que a solidão se instala sem hora marcada, que, se tivesse essa possibilidade, pediria um pouco mais de tempo, que existirá sempre um detalhe a ativar as saudades; continuarei, sabendo que a linha entre a queda e o recobro é ténue e frágil. Mas, enquanto tiver as suas palavras por perto, nunca caminharei desabrigada, desamparada, como se fosse só eu nesta estrada curvilínea. Por isso é que a arte nos vai curando as feridas — e tanto o Educação da Tristeza e a Foguetes me puxaram para um abraço —, porque balançamos na dualidade, mas vamos percebendo que é no amor pelas nossas pessoas que nos encontraremos sempre — e que nenhuma ferida será superior à sua memória.

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A última paragem por Aveiro permitiu-me descobrir a nova livraria Bertrand. Para celebrar esse facto, resolvi trazer um livro que andava a namorar há algum tempo, da autoria de Layla Martínez.


 quando rancor e vingança se juntam

Caruncho é uma história familiar, que «narra o regresso de uma neta, acusada de um crime, à casa rural» onde ainda vive a sua avó. Através da relação entre ambas, somos envolvidos num ambiente sombrio e transportados para uma terra «que condena as mulheres que nela vivem».

Iniciei a leitura sem saber o que esperar e fui completamente absorvida pela escrita, pela sensação de horror que paira no que não é dito, por ser tão evidente que «nunca foi uma dádiva, [que] foi sempre uma maldição», porque o destino destas mulheres foi traçado desde cedo. E isso foi combustível suficiente para alimentar o ódio, o rancor, a raiva, o ressentimento e o desejo de vingança.

«Fiz o que pude, mas as coisas que trazemos cá dentro não se arrancam com facilidade. Nesta casa, sabemos bem disso»

A casa — que existiu e pertenceu à avó da autora — é testemunha de tudo o que nos corrói e, sem querer revelar em demasia, é também protagonista da fúria que cresce por dentro, que reacende pelas memórias tão entranhadas do passado, da repressão, da ditadura, da misoginia, da violência, do classismo. Aliás, achei mesmo fascinante a forma como a autora se socorreu desta ideia de uma casa assombrada para explorar temas tão fraturantes da sociedade, sobretudo no que diz respeito à exploração dos trabalhadores e da mulher. Ademais, traça um retrato desarmante acerca da cobardia e da hipocrisia das pessoas e das crenças que se prolongam no tempo.

Caruncho é narrado a duas vozes, alternadamente, envolvendo-nos num legado doloroso. Avançando com a certeza de que «esta casa não é um refúgio, é uma armadilha», senti-me sempre inquieta e em sobressalto, mas demasiado investida para conseguir parar. Há traumas que se herdam e gostei de saber que existem elementos verídicos nesta narrativa. A forma como Layla Martínez interligou terror, injustiça e redenção é soberba.


 notas literárias
  • Gatilhos: Prostituição, violência, misoginia; linguagem explícita
  • Lido a: 13 de agosto
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Pontos fortes: A narrativa alternada, o tema central, o partir de elementos reais, a escrita e os apontamentos de terror
  • Banda sonora: Chaga, Ornatos Violeta | Inquietações, JP Simões | In The House - In a Heartbreak, John Murphy | La Llorona, Chavela Vargas | Galo Rojo, Galo Negro, Sílvia Pérez Cruz

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tu eras saudade e eu só mágoa
por um passado impaciente
sem pontas para atar os nossos nós

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A minha última visita à Livraria Arquivo teve direito a compras literárias. Como estava a precisar de poesia, optei por trazer o mais recente livro da Inês Morão Dias.


 um constante impasse

Soco e Sono compila versos de várias naturezas, sendo uma «coleção de solilóquios, dúvidas, meditações e até subtis divertimentos», passando pela arquitetura e, até, por bizarrias, atendendo a que tão depressa exploram o banal e o que é quase protocolar.

Durante a leitura, na qual mergulhei num sopro, senti um certo tom idílico, por vezes esotérico, de quem vai sonhando pelos fragmentos da vida, de quem vai mergulhando nas entrelinhas e fazendo esse malabarismo entre «o mundo real» e a «irreal ideia de mundo». A pergunta que ecoa é: será fácil sermos capazes de identificar a fronteira?

«o problema são as
certezas que convidam a que fiquemos quietos,
muito quietos»

Socorrendo-se de diferentes estruturas - textos curtos e longos, itálicos, hipóteses, acontecimentos -, achei igualmente interessante o lirismo das metáforas a contrastar com linhas sem filtros, sem margem para duplos sentidos. Ademais, balançando entre a objetividade e as questões subjetivas que norteiam o «eu» - neste caso, nem sempre o eu poético -, a autora agarra-nos a mão e leva-nos a reconsiderar as certezas que «nos convidam a fazer quietos», os sonhos, o que não se cumpre, os nadas que se prolongam e as memórias que procuramos criar e/ou preservar no decorrer da nossa travessia.

Soco e Sono é fugidio, porque, ao aparentar ser uma espécie de montagem, uma espécie de manta de retalhos, pode nunca nos dar respostas concretas. Pode, inclusive, nem nos mostrar a verdadeira temática dos seus versos, deixando-nos a navegar por mar incerto. Não fui arrebatada por todos os poemas, mas quero ler mais desta poetisa.


 notas literárias
  • Lido a: 12 de agosto
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Poesia
  • Pontos fortes: A versatilidade de temas e de estruturas
  • Banda sonora: Meia-Romã, Capicua | Inês, João Couto | Esquinas, Dino d' Santiago & Slow J | My Body is a Cage, Arcade Fire

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[publicação originalmente escrita para a minha newsletter]

O nosso arco evolutivo é sempre fascinante de acompanhar, porque, por vezes, num período de tempo curto, conseguimos detetar mudanças muito particulares. Enquanto leitora — e leitora que se começou a formar numa fase mais tardia —, há dinâmicas que já não estão alinhadas com a pessoa que sou hoje e com aquilo que procuro trazer para as leituras que faço. Serviram-me numa altura específica e ajudaram-me a trilhar este caminho de autoconhecimento, contudo, deixaram de ser uma constante, quando compreendi que já não encaixava em certos comportamentos. Não significa que sejam uma porta fechada, porém, sei que estes tópicos já não me definem enquanto leitora.

 querer aumentar as estantes dos livros por ler
Qualquer leitor reconhece que comprar livros e lê-los são desportos distintos, só que revejo-me cada vez menos nessa postura. Naturalmente, há promoções que considero imperdíveis e, por isso, aproveito-as, mas sei que estou mais consciente na hora de trazer novas histórias para casa, porque todas as que adquiri antes vieram com o selo de serem descobertas e não com a obrigatoriedade de permanecerem em espera. Por outro lado, sei que é apetecível ter várias possibilidades e, no meu caso, como sou uma leitora que vai muito pelo estado de espírito — embora faça listas mensais —, admito que nem sempre nos apeteça ler o que temos à disposição, contudo, isso acaba por ser a exceção e não a regra. É tentador ver as estantes a aumentarem, no entanto, prefiro garantir que os livros que já tinha não ficam esquecidos no meio de todos os outros.

 book buying ban
O propósito é bem intencionado, até porque serve de estratégia para diminuir a lista de livros por ler, mas cheguei à conclusão de que não compensa assim tanto. Já o fiz duas vezes, sempre com três momentos de pausa, e em ambas as ocasiões percebi que acabava a comprar mais. Ora, se o meu objetivo era o oposto, não fazia sentido insistir nesse formato. Aquilo que funciona comigo é ter uma lista de obras/autores que quero comprar ao longo do ano, porque consigo fazer uma gestão mais equilibrada. É uma forma de controlar melhor o orçamento e, até, de não ter a sensação de que perdi o acesso a uma infinidade de histórias. Elas continuam disponíveis para mim (a não ser que esgotem), portanto, não preciso de alimentar a sofreguidão de as comprar a todas ao mesmo tempo, da mesma maneira que não preciso de as comprar em certas datas.

 consumir menos conteúdo literário
Criar conteúdos sobre livros era algo que me entusiasmava e, por consequência, ver conteúdos dentro desse género também. Contudo, sinto que tenho perdido o encanto no primeiro, porque me fui desligando do segundo. Sendo franca, acho que estar mais consciente do tipo de leitora que sou e do facto de não querer mergulhar numa onda de consumismo tem-me feito repensar o tipo de conteúdo que acompanho — não só o literário —, uma vez que deixei de me identificar com certas narrativas. Na newsletter acerca [d]a era das possibilidades, a Sofia escreveu que já não lhe apetece «pensar em termos de listas temáticas (…) se não for para me alongar sobre esses temas» e eu sinto que estou muito nesta linha. Como estou numa fase em que me apetece explorar um pouco mais dentro dos temas, sei que já não me serve ficar apenas à superfície. É claro que há ocasiões para tudo e continuo a gostar da descontração de alguns conteúdos, mas tendo a consumir menos criações literárias porque acho que caímos em fórmulas.

 deixar de participar ativamente em clubes do livro digitais
A minha personalidade introvertida sente-se bastante confortável com a abertura para conversarmos sobre livros no digital, porque me liberta da pressão de estar numa sala e/ou num espaço público com vários olhares sobre mim enquanto partilho a opinião com que fiquei da história — defeito ou feitio de quem sempre gostou mais de ouvir do que de falar e de quem se sente mais à vontade com as palavras escritas do que com as ditas. Durante muito tempo, a questão de participar ativamente em clubes do livro digitais funcionou como um impulso para descobrir títulos para os quais poderia não estar tão predisposta e, sobretudo, para contactar com pontos de vista distintos. Aliás, sinto que uma das partes mais bonitas de uma leitura é mesmo aquilo que desperta em cada leitor. Apesar de não fazer parte de muitos clubes, continuo a gostar da dinâmica, mas tenho sentido menos vontade de participar: por um lado, porque parece-me que os livros orbitam dentro do mesmo género — e acho que deve existir mais diversidade — e, por outro, porque tenho sentido que a parte da discussão fica um pouco dispersa. Honestamente, acho que preferia que fossem lançadas algumas questões orientadoras, não para condicionar, mas para moderar o modo como analisamos a história. Assim, acredito, acabaríamos por discutir realmente a obra e criar um debate mais amplo. A leitura não tem de assumir um papel académico e eu não quero perder o fascínio de ler livros por puro prazer, mas sinto cada vez mais necessidade de os pensar criticamente.

 a magia não está só no papel
A sensação de ter um livro nas mãos é insubstituível, no entanto, a magia não está só no papel e tenho usufruído bastante da minha era Kobo. Nunca fui avessa a leituras digitais, no entanto, essa possibilidade parecia-me mais distante da minha realidade, talvez por ter uma lista de livros físicos extensa. Quando começou a diminuir, foi aí que reconsiderei a hipótese de investir num E-reader e isso abriu um mundo novo de opções. Sobretudo, veio reforçar uma certeza: o importante é ler, apesar do formato.

Fotografia da minha autoria



A minha viagem pelos livros de Emily Henry está a entrar na reta final — já só me falta o mais recente. Ainda assim, creio que descobri um dos meus favoritos da autora, a par de Pessoas Que Conhecemos nas Férias.


 a metamorfose das amizades

Lugar Feliz leva-nos até ao Maine, onde Harriet e Wyn «têm passado todos os verões da última década juntamente com o seu grupo de amigos». Até aqui, tudo parece perfeito, tal como o casal que se conheceu na universidade, o problema é que este regresso os obrigará a alimentar uma mentira: é que Harriet e Wyn estão separados há alguns meses, mas ninguém sabe, por isso, terão de fingir que está tudo bem só para não estragarem o ambiente — e uma semana que se espera maravilhosa.

A proposta intrigou-me logo, até pelo facto de se distanciar do típico «enimies to lovers». Além disso, fez-me mergulhar numa alternância entre passado e presente que contrasta lugares felizes e lugares tristes. Embora todos nós precisemos de encontrar os primeiros, é inevitável passarmos pelos segundos e não há propriamente um tempo fixo para essa travessia. Aliás, como se compreende com o avançar da narrativa, há muitos picos entre esses pólos.

Tendo em conta o género de livro que é, vamos percebendo qual é o desfecho que nos espera, mas acredito que a autora construiu muito bem o caminho até lá, tornando credíveis as decisões das personagens e permitindo-nos refletir sobre temas que vão para lá do amor romântico.

«As minhas melhores amigas ensinaram-me um novo tipo de silêncio, a quietude calma de nos conhecermos tão bem umas às outras que não havia necessidade de preencher o espaço. E um novo tipo de barulho: ruído como celebração, o transbordar da alegria por estarmos vivas, aqui, agora»

Vou evitar desenvolver os motivos, para não estragar a experiência de leitura, mas fiquei rendida à forma como abordou a metamorfose das amizades, a importância de as nutrirmos sem perdermos a noção de que haverá mudanças, que entram em fases distintas quando chegamos a adultos, porque cada um dos elementos tem de lidar com diferentes circunstâncias/sentimentos/emoções. E isso, por mais que tentemos controlar, foge sempre do nosso alcance. Ficamos é com duas opções: ou permitimos que a corrente nos distancie ou aprendemos estratégias para crescermos nesse compasso.

Este grupo de amigos conquistou-me desde o início e, sendo honesta, acho que me revi um pouco em todos eles, mas mais em Harriet e na sua tendência para não querer sobrecarregar os outros com os seus problemas e as suas angústias. E isso foi um dos pontos que me fez refletir sobre a amizade, porque não se trata de sobrecarregar, trata-se de não termos de carregar o peso do mundo sozinhos. Hoje, podemos ser nós a precisar desse colo, amanhã podemos ser nós a dá-lo, é nessa dualidade que a amizade se constrói, se regenera, se torna no nosso porto seguro.

Lugar Feliz mostrou-me que não estarmos no mesmo lugar não tem de ser mau. Talvez seja assustador, até pela noção do que podemos perder, no entanto, há tanto que se pode conquistar a seguir. Há sempre dinâmicas que se alteram e, ainda assim, conseguimos encontrar pontos de felicidade, geográficos ou em pessoas. Ademais, Emily Henry voltou a mostrar o quanto é importante comunicarmos e sermos sinceros com os outros, porque, por mais que nos conheçam bem, não adivinham o que nos vai por dentro.


 notas literárias
  • Gatilhos: Luto, saúde mental
  • Lido entre: 11 e 12 de agosto
  • Formato de leitura: Digital
  • Género: Romance
  • Personagem favorita: O grupo (porque as suas dinâmicas potenciaram imensas reflexões)
  • Banda sonora: Vacation, GoGo's | Mmm Mmm Mmm Mmm, Crash Test Dummies | Love is a Battlefield, Pat Benatar | Goodbye Earl, The Chicks | Dancing In The Dark, Bruce Springsteen

Fotografia da minha autoria


As amizades querem-se serenas e à prova de bala, numa simbiose entre o conforto de vivermos dias comuns e a certeza de que enfrentaremos a tempestade se for preciso, porque basta um momento para que tudo aquilo que conhecemos fique do avesso.

Situações Delicadas conta-nos a história de três amigas — Olívia, Marta e Carlota — que, por força das circunstâncias, se veem obrigadas a ocultar um cadáver e tudo o que aconteceu numa noite específica das suas vidas. O desespero abala o trio e acaba por proporcionar mais crimes, mentiras e paranoias «que se tornam difíceis de justificar», mas será necessário atar todas as pontas soltas, para que os erros não as denunciem.

O argumento oscila entre humor negro e uma ligeira insanidade, sempre com ritmo e um excelente equilíbrio. Aliás, acho que uma das maiores valências da série se prende com a capacidade de tornar credível a falsa leveza com que as coisas se processam. Por vezes, existe um traço de normalidade na tragédia: não por a romantizarem, mas pela forma como transformam os comportamentos atípicos em reações quase lógicas, até necessárias, para continuarem a (sobre)viver. E nós acompanhamos esses conflitos.

No total, estão disponíveis seis episódios e eu optei por vê-los seguidos. Uma vez que são episódios de 20-30 minutos, senti que seria ótimo maratoná-los e mergulhar nesta história a fundo. E não me arrependi! Para além de todo o traço de entretenimento, creio que esta série exclusiva RTP levanta questões muito pertinentes sobre desgosto, assédio, juízos de valor e o modo como tratamos aqueles que nos rodeiam. A maneira que Olívia, Marta e Carlota encontraram para lidar com os problemas talvez não seja a mais correta — e legal, atrevo-me a dizer —, mas, ainda assim, não deixa de ter uma nota positiva, porque é um espelho daquilo que uma amizade deve ser: inquebrável.

Não me importava nada que Situações Delicadas fosse renovada para uma segunda temporada, já que acredito que este trio tem muitas peripécias novas para vivenciar.

Fotografia da minha autoria



O entusiasmo do desconhecido nem sempre é motor para explorar a cidade. E, numa cidade com tanto para descobrir, isso até podia ser mais uma razão para estreitar laços, aumentar conhecimento e satisfazer todas as curiosidades que surgem com a convivência. No entanto, acabo por regressar mais vezes aos espaços que conheço quase de cor, em vez de alargar o espectro e, quem sabe, encontrar outros que pareçam casa.

Quando, no verão, tive a oportunidade de voltar ao Museu do Carro Elétrico (que incluiu uma viagem de elétrico) e, mais tarde, à Fundação Serralves, isso fez-me pensar noutras atividades/noutros programas que me proporcionaram tantas experiências memoráveis e que não voltei a repetir. A possibilidade de um reencontro deixou-me a idealizar quantas camadas distintas poderia descobrir.

A pessoa que somos, na altura em que visitamos os sítios, muda, transforma-se, por mais que isto soe a um lugar comum, portanto, é natural que o nosso foco se adapte, que procure outras perspetivas. Terei sempre as memórias e aquilo que senti, mas também quero regressar e perceber onde prenderei a minha atenção, que pensamentos surgirão nesse passeio, por onde se perderá o meu olhar, que novas recordações poderei acrescentar. Saber-nos a crescer através dos locais que visitamos tem um toque poético — sobretudo, é a prova de que a nossa história floresce através de infinitos estímulos, tornando-nos plurais.

Não sei em que margem temporal isso acontecerá, mas estas são as coisas que quero voltar a fazer no Porto.


 revisitar o parque de são roque
Tem uma aura de sossego que se alinha na perfeição com a minha personalidade pacata, para além de ser um espaço deslumbrante, com vários recantos que parecem saídos de um livro.

 revisitar o museu do futebol clube do porto
Visitei-o durante quatro anos seguidos, quando ainda estava na faculdade, e não me importava de fazer disso uma tradição anual. Enquanto portista, sei que é um marco irresistível da nossa história, por mais que o clube até possa ter as suas fases menos positivas. Independentemente disso, há sempre um motivo de celebração e de orgulho, e sei que estou a precisar de me reencontrar com esta dose de energia pintada a azul e branco.

  voltar a subir a torre dos clérigos
Já o fiz algumas vezes e é sempre impressionante. A escadaria não é a mais agradável — e não aconselho a quem sofra de claustrofobia —, mas a vista compensa sempre.

 voltar a fazer o passeio das pontes
Andar de barco é sempre um misto de sensações: enquanto pessoa que não sabe nadar, há um pensamento intrusivo que ecoa, embora me tenha sentido sempre segura na única vez que fiz este passeio. Ainda assim, tenho uma algumas saudades de viajar entre margens e observar as minhas cidades desta perspetiva.

 ver uma peça de teatro no teatro nacional de são joão
É muito vergonhoso se disser que a última peça que vi no Teatro Nacional de São João foi o monólogo de O Ano do Pensamento Mágico, interpretado por Eunice Muñoz, em 2010? A minha relação com o teatro é bastante intermitente e precisa de ser mais nutrida. Além disso, como adoro esta sala, creio que seria uma bela forma de aproveitar um programa versátil.

Fotografia da minha autoria



A vontade de regressar à escrita de Ann Patchett, que me impactou tanto com A Casa Holandesa, já se fazia sentir, mas fui adiando, porque achei que a leveza de agosto combinaria melhor com a narrativa que tinha na estante.


 um regresso ao passado

Verão no Lago faz-nos recuar à primavera de 2020, quando, em plena pandemia, «as três filhas de Lara regressam ao pomar da família no Norte do Michigan». Unidas na apanha da cereja, encontraram o pretexto ideal para que a mãe lhes contasse a história da sua juventude, sobretudo a parte em que conheceu Peter Duke, um ator famoso por quem se apaixonou enquanto integraram a companhia de teatro Tom Lake.

A perspetiva de mergulhar numa história de família cativa-me sempre, porque acho que é uma forma bonita de conhecermos o passado das nossas pessoas, quando as temos por perto, lúcidas e predispostas a partilhar. E, neste caso em particular, fascinou-me a forma tão serena e generosa com que Lara conduziu a narrativa. Além disso, foi interessante perceber a visão tão própria de cada personagem perante as mesmas situações.

Embora não seja parte do enredo, senti que estava com elas na quinta a ser surpreendida pelas decisões que somos obrigadas a tomar, a redescobrir quem sou, a refletir sobre dinâmicas familiares e o peso dos nossos sonhos — os que concretizamos e aqueles dos quais temos de abrir mão. E adorei perceber que uma história de amor abriu tantas portas e que nos envolveu em tantos cenários dignos de análise.

«O seu interesse pelo que dizíamos tornava-nos interessantes, encobria os nossos défices. Eu sentira falta de nós os quatro e de todos os sítios onde tínhamos estado juntos»

Ann Patchett, com a sua escrita melódica, equilibrou muito bem a travessia entre o presente e o passado, recuperando mágoas e apaziguando feridas, mostrando que há sempre várias camadas dentro da mesma história e que as pessoas nem sempre correspondem à imagem que criamos delas, mas sem a necessidade de construir vilões. Acho que não tenho palavras que descrevam com justiça a sensação que tive durante a leitura, mas achei a narrativa mais madura, de quem nos conta os factos em paz.

Verão no Lago tem um ritmo um pouco mais lento, mas envolvente. Os momentos finais destroçaram-me e colaram os caquinhos, porque a vida pode ser esta dualidade que nos tira o tapete e nos reveste de futuro. Viveria mais tempo nestas páginas, não obstante, sei que há detalhes que ficarão para sempre colados à minha pele.


 notas literárias
  • Gatilhos: Álcool, luto, morte; linguagem explícita
  • Lido entre: 7 e 8 de agosto
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Sebastian e a família Nelson
  • Pontos fortes: A calma, a sensibilidade, a representação de diferentes tipos de amor, as reflexões
  • Banda sonora: Emily I'm Sorry, Boygenius, Julien Baker, Phoebe Bridgers & Lucy Dacus | Strawberry Wine, Noah Kahan | The Lakes, Taylor Swift | Margaret, Lana Del Rey & Bleachers | Cherry Wine, Hozier

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andreia morais

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O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá


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