Entre Margens

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A edição de 2024 da Feira do Livro do Porto (FLP) ainda não tinha terminado e eu já estava a organizar o meu orçamento para a edição do ano seguinte. Como? Através da Apparte.


 a apparte

A aplicação do Millennium tem uma funcionalidade dentro da categoria Poupar, denominada Apparte. Aqui, podemos ter um mealheiro, criar uma reserva de emergência e/ou fazer poupanças para um objetivo específico. E foi na lógica deste último ponto que a comecei a utilizar, a partir da última semana de agosto de 2024, com o intuito de ter um orçamento definido para a Feira do Livro do Porto.


 o orçamento da feira do livro

O compromisso era simples e confortável: adicionar 1€ sempre que terminasse um livro. Além disso, pretendia poupar para este mealheiro até ao meu primeiro dia de Feira do Livro — que coincidiu com o primeiro dia de FLP deste ano, a 22 de agosto. Estava tudo alinhado nesta missão.

Portanto, durante este período de quase um ano, amealhei 128€. Uma vez que li todos os livros que comprei no ano anterior, e de maneira a arredondar o valor, decidi acrescentar 2€ extra. Assim, parti para a feira com 130€ para gastar e uma lista de títulos que me interessavam adquirir.


 a lista de livros

Como seria de esperar, esta lista foi sofrendo alterações ao longo do tempo. Primeiro, criei uma página no Notion com possibilidades e, depois, fui filtrando consoante a minha vontade de ler o livro num futuro próximo, preço, facilidade de ler num formato digital e ano de publicação (para conjugar com eventuais descontos a mais de 20%). Quando encontrei a lista definitiva, estipulei alguns dados para me orientar: nome, autor, editora, ano de publicação, PVP e PVP com 10% de desconto.

Estava consciente de que a minha lista tinha, na sua maioria, livros com menos de 24 meses, por isso, não encontraria descontos abismais, mas a vantagem de estar a preparar o meu orçamento desde 2024 é a de ficar com uma margem confortável para gerir esses condicionantes.

Os escolhidos foram, então, os seguintes:

  • A Desobediente, Patrícia Reis (PVP: 20,90€ | PVP com 10%: 18,81€);
  • Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues (PVP: 16,90€ | PVP com 10%: 15,21€);
  • Mártir!, Kaveh Akbar (PVP: 22€ | PVP com 10%: 19,80€);
  • Vidadupla, Sérgio Godinho (PVP: 15,50€ | PVP com 10%: 13,95€).

À semelhança do que fizemos em 2023, a Sofia escolheu um livro para eu comprar. Inicialmente, pensou no Uma Pequena Vida, de Hanya Yanagihara, mas a escolha acabou por seguir noutra direção:

  • Os Transparentes, Ondjaki (PVP: 17,90€ | PVP com 10%: 16,11€).

No grupo inicial, também tinha Autobiografia Não Autorizada 2, de Dulce Maria Cardoso, contudo, depois de ter sido disponibilizada a lista de livros do dia, fez-me mais sentido trocar por uma das opções listadas, até porque era de um autor que já queria ler há algum tempo:

  • À Escuta dos Amantes, Júlio Machado Vaz (PVP: 16,60€ | PVP com 10%: 14,94€).

Uma vez que podia não encontrar algum dos livros que ia à procura — e que havia a possibilidade de ficar com alguma margem no orçamento —, anotei mais dois livros do dia que me interessavam, depois era só jogar com os dias em que iria à FLP.

  • Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago (PVP: 18,85€ | PVP com 10%: 16,97€)
  • As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy, Filipe Melo & Juan Cavia (PVP: 48,45€ | PVP com 10%: 43,61€)


 o que comprei e o que gastei

No total, comprei nove livros, entre Tinta da China, Bertrand, Porto Editora, Poetria, Penguim Random House e Flâneur. Desses nove:

  • quatro foram livros do dia;
  • um foi comprado com 40% de desconto, enquanto os restante usufruíram dos 20%;
  • um foi Às Cegas;
  • um deles tinha de ser do autor homenageado;
  • tal como antevi, consegui adicionar os dois livros extra.

Estas foram as minhas compras finais:

  • A Desobediente, Patrícia Reis (16,70€ em vez de 20,90€);
  • Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues (livro do lia — 13,50€ em vez de 16,90€);
  • À Escuta dos Amantes, Júlio Machado Vaz (livro do dia — 8,30€ em vez de 16,60€);
  • Mártir!, Kaveh Akbar (17,60€ em vez de 22€);
  • Vidadupla, Sérgio Godinho (9,35€ em vez de 15,50€);
  • Os Transparentes, Ondjaki (14,40€ em vez de 17,90€);
  • Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago (livro do dia — 11,31€ em vez de 18,85€);
  • As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy, Filipe Melo e Juan Cavia (livro do dia — 29,08€ em vez de 48,45€);
  • Caminhantes, Edgardo Scott (livro Às Cegas — 7,90€ em vez de 16€).

      

      


Se tivesse comprado os nove livros pelo PVP, gastaria 193,10€. No total, gastei 128,14€, fazendo uma poupança de 64,96€


 orçamento para a feira do livro do porto 2026

O meu orçamento para a FLP 2025, como referi no início, estava nos 130€. Olhando para o que gastei, ainda me sobrou 1,86€, mas retirei os oitenta e seis cêntimos para facilitar as contas. Assim, o orçamento de 2026 começou com 1€ de base.

Até ao final do ano, continuarei a acrescentar 1€ por cada livro terminado, mas, depois, estou a ponderar alterar ligeiramente a dinâmica, sem comprometer a estabilidade do meu orçamento geral.

Por curiosidade, já li duas das obras que comprei. E, agora sim, faço a despedida da Feira do Livro do Porto. 


Até para o ano!

Fotografia da minha autoria



O nome de Betty Smith nunca esteve no meu radar literário, até a Rita da Nova o trazer para o Clube do Livra-te. Curiosa com a história e com algumas opiniões que li depois, decidi fazer reserva na BiblioLED, com previsão para dezembro. Corta para: o exemplar ficou disponível mais cedo, por isso, mudei-me para Brooklyn entre os últimos dias de julho e o primeiro dia de agosto.


 dramas, tumultos e compaixão

Uma Árvore no Céu de Brooklyn leva-nos até ao bairro de Williamsburg para conhecermos a família de Francie Nolan, que «cresce rodeada de pobreza, sonhos e desafios». Com exemplos de trabalho, carisma e determinação, a protagonista aprendeu, «desde cedo, a observar a beleza nas pequenas coisas» e a não dar algo por garantido.

O ambiente cativou-me logo, porque está naquele grupo de histórias sem personagens heroínas, naquele grupo de histórias que se confundem com a realidade e que, por isso mesmo, nos impactam pela verdade, pelos contrastes, pela ausência de reviravoltas. Traçando um retrato muito fidedigno da humanidade, das relações interpessoais e dos problemas sociais, também me rendi à construção das personagens femininas, que se revelaram uma força motriz deste enredo, decentralizando o papel do homem como figura maior da casa.

«Eu acho que é bom pessoas como nós poderem desperdiçar algo de vez em quando e terem a sensação de como seria ter muito dinheiro e não terem de se preocupar com a escassez»

A única fragilidade que detetei prende-se com o ritmo da narrativa, sobretudo no livro três, porque tornou-se lenta e um pouco repetitiva sem ser necessário. Por outro lado, acredito que os pontos mais desarmantes só o conseguem ser em pleno por causa dessa construção demorada, que nos faz sentir na pele a revolta, a dor da desilusão, as diferenças de classes. No fundo, é como se tudo fosse cozinhado em lume brando para que nenhum detalhe nos escape.

Uma Árvore no Céu de Brooklyn relembra-nos a importância dos livros, da educação e do conhecimento. Com passagens dolorosas e outras que nos renovam a esperança, é uma história francamente atual, que me deixou a pensar na coragem necessária para não se desistir e nos esforços que fazemos para protegermos as nossas pessoas, ainda que não as possamos proteger de tudo. Há momentos em que a vida é sombria, mas ver Francie a manter o encanto e a bondade foi inspirador.


 notas literárias
  • Gatilhos: Luto
  • Desafio: Clube do Livra-te
  • Lido entre: 28 de julho e 1 de agosto
  • Formato de leitura: Digital
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Francie e Sissy
  • Pontos fortes: O ambiente, o contacto com a realidade, a construção das personagens
  • Banda sonora: Let Me Call You Sweetheart, Bing Crosby | Brooklyn Baby, Lana Del Rey | Annie Laurie, The Corries | I'm Wearin' My Heart Away For You, Göta River Jazzman | Come, Little Leaves, Susan Stark

Fotografias da minha autoria


É praticamente impossível traduzir o que me pulsa por dentro quando penso na Feira do Livro do Porto. E essa dificuldade talvez caminhe de mãos dadas com o amor às palavras que vem quase do berço, com o fascínio de descobrir histórias escritas/contadas por outros que foi crescendo devagar e com o facto de este evento ter feito morada num dos meus lugares favoritos da cidade.

Razões à parte, a Feira do Livro do Porto faz-se anunciar e há um brilhozinho nos olhos que não se esconde mais. E, nem de propósito, o autor homenageado na edição deste ano foi Sérgio Godinho, figura incontornável do nosso panorama musical e que me acompanhou — e acompanha — em tantas ocasiões da minha trajetória.

Sinto que esta foi a edição que mais aproveitei: não só porque consegui ir a dez dos 17 dias, mas também porque há uma magia acrescida quando o homenageado pode estar presente. E foi contagiante ver a felicidade de Sérgio Godinho por ter recebido uma Tília e por chegar aos 80 com um programa que fez justiça ao seu legado. Sorte a minha por ter lá estado!


as sessões a que assisti


Atribuição da Tília de Homenagem

A cerimónia de atribuição da tília de homenagem é um momento simbólico, que eu acho sempre comovente e com um toque poético: porque é uma maneira de eternizar aquela figura na cidade. Sérgio Godinho é um nome incontornável, que reconhecemos como extensão desta margem, e esta árvore é uma forma de lhe dar ainda mais raízes. Na Avenida das Tílias haverá sempre um brilhozinho nos olhos difícil de esquecer.

Durante este momento especial, que contou com palavras elogiosas por parte de Rui Moreira e a partilha de memórias, também lhe foi entregue a Medalha Municipal de Honra, num gesto que comprova o quanto Sérgio Godinho é uma personalidade com um impacto extraordinário na comunidade - não só da cidade, mas da nação inteira.

Justiça reposta, como referiu o Presidente da Câmara do Porto ao dizer que a cidade devia esta homenagem ao «homem dos sete instrumentos», foi uma bela celebração.



Sérgio Sobre o Porto

A voz de Cristiana Sabino encheu a sala com a leitura de poemas de Sérgio Godinho. E, assim, a sessão prosseguiu, com copos de vinho na mesa e uma dinâmica de quem está entre amigos, em casa, a partilhar recordações, histórias de um passado que não é tão longínquo como aparenta ser e a certeza de que foi preciso lutar pela liberdade.

Francisco José Viegas moderou a conversa, João Gobern fez uma viagem «sergiana», que se esperava isenta, mas que transbordou de emotividade, de intimidade (e que me comoveu em certas passagens, devo confessar), e Rui Moreira foi quase a ponte entre estes universos, num simbolismo que não passou despercebido e que interligou a cerimónia de atribuição da Tília de homenagem. Não contabilizei o tempo passado no Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, mas a conversa foi tão preciosa que ficaria mais um par de horas a escutar todas as histórias que ficaram na gaveta.

Numa travessia que passou pela censura, pela necessidade de ser criativo, pelo gosto de Sérgio Godinho pelas artes partilhadas e pelas memórias do Porto que o ajudaram a criar as suas canções e as suas narrativas ficcionais, foi o coração que marcou o tom.



Ciclo «E o Coração Que o Conte / Quantas Vezes Já Bateu Pra Nada» com Luís Severo

A voz de Luís Severo tem ecoado menos cá por casa, mas continuo fascinada pelo seu timbre, pela sua serenidade, pela sensação de leveza que imprime em cada canção. Por isso, fiquei muito feliz quando percebi que era um dos nomes a atuar na Feira do Livro.

Houve uma certa poesia a embalar a passagem do tempo e as melodias. O pôr do sol foi conselheiro e paisagem do concerto e, para mim, tornou a experiência ainda mais encantadora, até porque me voltei a apaixonar pelos temas escolhidos: não sei se por já não os escutar há algum tempo, se por terem sido tocados num dos meus lugares favoritos, se pela junção de ambos, o certo é que este momento me encheu as medidas.

No reportório incluiu três temas de Sérgio Godinho, numa homenagem sentida. A interação com o público talvez tenha tido pequenas fragilidades, mas estou curiosa para o ouvir numa sala preparada para a tranquilidade da sua obra. E não esqueço o privilégio que foi escutar Primavera ao vivo. O coração há-de contar esta memória.



O Labirinto da Beleza com Martim Sousa Tavares

A sensibilidade de encontrar beleza naquilo que não é propriamente belo talvez seja um dom ao alcance de poucos. Ou talvez só precisemos de habituar esse músculo, só precisemos de o ir treinando para a aceitação, para aquilo que sai um pouco da caixa.

O olhar que o Martim Sousa Tavares tem sobre a beleza é fascinante de escutar, acima de tudo, devido à sua capacidade para nos incluir na explicação, na análise, no prisma para o qual nos quer mediar. Aliás, o mais bonito da sua comunicação, além de toda a cultura e conhecimento que a revestem, é a empatia, é o saber colocar-se no lugar do outro, acolhendo-o sem suscitar culpa. Independentemente de quem estiver na sala, ele será sempre capaz de adequar o discurso sem ser condescendente, o que denota as várias camadas da sua inteligência - que se estende para lá da erudição, que integra.

N’ O Labirinto da Beleza voltei a ser arrebatada pela eloquência, pela proximidade e pela forma harmoniosa como interliga temas diversos. Desde o valor estético ao valor ético, passando por referências a David Bruno, fica uma pergunta: para onde olhar?



Ciclo «E o Coração Que o Conte / Quantas Vezes Já Bateu Pra Nada» com Manel Cruz

A neblina foi-se aproximando, mas Manel Cruz estava a jogar em casa, portanto, ao envolver-nos na névoa tão típica (e mística) da cidade, soube ser colo e aconchego.

Nome incontornável do panorama musical português, tive-o sempre como banda sonora de inúmeras ocasiões, através dos projetos que abraçou nas últimas décadas, Ornatos Violeta, Foge Foge Bandido, Pluto e Supernada, mas, curiosamente, nunca o tinha escutado ao vivo e, apesar de ser num contexto muito particular, sei que este momento escalará para um dos meus favoritos do ano. Que privilégio que foi assistir.

Sentada na minha manta, na Concha Acústica dos Jardins do Palácio de Cristal, tive alturas em que me permiti fechar os olhos e ser embalada pela sua voz inconfundível e pelo misto de luz, sombras e poesia que revestem as suas canções. Independentemente do formato, existe um lado intimista, por vezes visceral, nos versos que compõe; existe uma ausência de filtro para esconder a vulnerabilidade. Nas suas palavras sentimo-nos acolhidos, como se tivesse a capacidade de, com delicadeza, contar a nossa história.

O palco nem sempre foi uma vontade, mas assenta-lhe bem. E não o digo apenas pelo lado interpretativo, digo-o, também, pela forma como comunica com o público, que é próxima, cómica e muito franca. Além disso, senti que o seu concerto nos permite ter uma viagem individual, explorando as emoções que melhor nos servirem no momento.

No tema Constelação, canta que as «Estrelas/São mesmo assim/Vivem/Para brilhar», tal como ele. Sorte a minha por ter visto, finalmente, este génio de perto. É para repetir.



Quantas Faces Ocultas na Face Visível da Lua? com Valério Romão

A voz de Sérgio Godinho ecoou na minha memória ao recordar-me do verso «nasce um novo dia e no braço outra asa», quando estava a entrar no Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett para assistir a outro ciclo de conversas da Feira do Livro.

A associação talvez seja rebuscada, mas o verso anterior ocorreu-me por duas razões: três anos depois, reencontrar-me-ia com Valério Romão neste evento (correspondendo ao «nasce um novo dia») e sabia que a conversa escalaria sempre para a sua obra mais recente e para a que sairá em outubro (que serve o «nasce […] no braço outra asa»). Não é óbvio, no entanto, talvez ajude a personificar as faces ocultas na face visível da lua.

Maria João Costa mediou a conversa e Valério Romão foi igual a si próprio: honesto, sem filtro, sem a pretensão de cair nas boas graças de quem o ouve. E, apesar de ainda só ter lido Autismo, O da Joana e Cair Para Dentro, que compõem a trilogia Paternidades Falhadas, sinto que é o mesmo registo que encontramos na sua escrita, o que me atraiu de imediato. Existe um tom cru que povoa o seu discurso e que pode abalar as nossas esperanças, mas, por outro lado, acho que é esse mesmo tom que nos permite refletir sobre direitos/deveres, condições de trabalho, processos de escrita, a memória curta e a estupidificação humana como se se interligassem. O autor só desenrolou o novelo.



Tudo no Amor Faz do Nada um Tudo com Rui Couceiro e Alberto Manguel

A figura carismática de Alberto Manguel fascina-me, embora continue a adiar o meu encontro com a sua obra (e sem conseguir justificar a razão). Por outro lado, gosto da forma como o Rui Couceiro comunica, apesar de não ter ficado rendida ao seu livro de estreia. Assim, achei que fazia todo o sentido marcar presença na sessão entre ambos.

Nesta conversa fluida, com espaço para provocações e histórias encantadoras, gostei particularmente do tom descomplicado e descomprometido. Não me interpretem mal, os intervenientes estavam inteiros na partilha, quando refiro descomprometido é no sentido de não pretenderem acariciar egos e deixar as críticas de parte. Em nenhum momento procuraram transformar a sessão num apontar de dedos, mas falaram das fragilidades de alguns projetos, daquilo que demora para acontecer, das burocracias que atrasam sempre ideias concretas. Podiam ter-se retraído nessa análise, porém, de uma maneira muito cordial e cuidada, mostraram-nos os diversos lados das questões.

Refletindo sobre a biblioteca do autor, a importância de eventos literários numa altura em que somos tão digitais e a necessidade de não existirem barreiras na literatura, dei por mim a anotar algumas frases proferidas por Alberto Manguel, visto que tocaram num nervo emocional, como é o caso de «a literatura obriga-nos a ver a ambiguidade das histórias», «os verbos ler e amar não podem ser usados no imperativo» e, ainda, «o campo da literatura não pode ter fronteiras ou os autores não têm passaporte».



Como Se Não Houvesse Amanhã - Histórias Suicidas: Apresentação do Livro

As palavras de Sérgio Godinho continuam a entrar cá em casa através das canções, mas não podia perder a oportunidade de o ouvir falar sobre o seu mais recente livro.

À semelhança do que aconteceu na sessão Sérgio Sobre o Porto, Cristiana Sabino leu excertos de Como Se Não Houvesse Amanhã e, de seguida, João Carlos Barros convidou-nos a conhecer o homem dos sete instrumentos através do seu olhar e de uma análise cuidada acerca da forma como constrói as suas narrativas. Achei bonito que tivesse encontrado pontes entre a ficção e a música, até na própria estrutura das frases, uma vez que me parece corroborar o gosto de Sérgio Godinho em interligar diferentes manifestações artísticas. E saber que o faz com naturalidade deixa-me entusiasmada.

É provável que ainda demore a chegar a estas histórias suicidas, mas foi bom perceber de onde partiram, qual a sua intenção nestes contos e como é que os foi construindo. Sérgio Godinho é mesmo um contador de histórias exímio, ficaria horas a escutá-lo.



Toda a Faca Tem o Seu Fio com Inês Meneses e Filipa Leal

O Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, a propósito do ciclo «Toda a Faca Tem o Seu Fio», reuniu em palco duas mulheres que admiro pela forma como comunicam: Inês Meneses e Filipa Leal. Enquanto a primeira entra em minha casa através de formatos como O Coração Ainda Bate, a segunda fá-lo através da poesia.

A conversa começou com a ligação a Sérgio Godinho, autor homenageado da Feira do Livro do Porto, e foi escalando para aquilo que nos leva a escrever, para a necessidade de ir testando e procurando novas fórmulas e para o facto de usar a poesia para fazer perguntas — mais do que para encontrar respostas. Ademais, nesta partilha intimista, houve espaço para se falar sobre medos, sobre eventuais bloqueios criativos e sobre a vontade de que as palavras e a poesia continuem a aparecer na vida da Filipa Leal.

Para tornar este momento entre amigas ainda mais encantador, a poetisa brindou-nos com a leitura de poemas de Adrenalina, a sua obra mais recente, e versos inéditos.



Tudo no Amor Faz do Nada um Tudo com Rui Couceiro e Lídia Jorge

O meu contacto com Lídia Jorge aconteceu através do extraordinário Misericórdia, que me arrebatou por completo durante a leitura e ainda mais quando percebi o propósito que lhe deu origem. Por isso, não podia perder a sua sessão na Feira do Livro do Porto.

A fila para entrar parecia interminável e, pela primeira vez enquanto frequentadora assídua do evento, senti que ficaria à porta, sem a possibilidade de assistir a este ciclo de conversas. Felizmente, deu tudo certo e pude escutar uma partilha que interligou o início de carreira da autora com questões históricas, políticas e sociais. A história vai apagando a memória e a literatura tem um papel imprescindível no combate contra o esquecimento. É por esse motivo que a literatura nunca se desatualiza, os temas estão sempre lá, a embalar as nossas ações, a fazer da palavra uma tomada de posição.

Com um discurso muito lúcido, mas sem perder a emotividade, Lídia Jorge falou-nos sobre como a escrita nos ajuda a organizar a vida, sobre a passagem do tempo e sobre a necessidade de termos compaixão por quem que já não consegue ser autónomo.



O Que Cresci Ouvindo com Ivan Lima e Rui Reininho

O podcast O Que Cresci Ouvindo, de Ivan Lima, não estava no meu radar e fiz por não o ir ouvir antes da sessão na Feira do Livro do Porto, para ser surpreendida quando me sentasse na Concha Acústica e escutasse a versão ao vivo com o icónico Rui Reininho.

Ponderei bastante se devia ou não incluir esta parte, mas a verdade é que não adorei a forma como a conversa foi conduzida. Entrevistar Rui Reininho é sempre imprevisível, até porque há uma capacidade inata para divagar e para interligar temas com leveza e naturalidade, mas, a certo ponto, senti que estava a assistir a intervenções paralelas. E, embora tenha valido a pena fazer parte deste momento, fiquei com a sensação de que o humor e as partilhas do músico não foram tão bem aproveitados e que as perguntas acabaram por ser monotemáticas. Também admito que possa ter sido uma má gestão de expectativas da minha parte, no entanto, estava à espera de algo mais fluído.

Apesar disso, é sempre delicioso escutar o Reininho e as suas saídas mordazes, ditas com um olhar inocente, quase como se não tivesse consciência do impacto daquilo que está a dizer. Mas magia é essa: é que sabe e di-lo com um tom que é um misto de poesia e provocação. Além disso, foi bom mergulhar na memória afetiva e descobrir a forma como a música entrou na sua vida e como o acompanha desde a infância.



Ciclo «E o Coração Que o Conte / Quantas Vezes Já Bateu Pra Nada» com os Napa

O acaso tem a capacidade de nos ir enredando a certos artistas. Embora já me tivesse cruzado com músicas dos Napa, foi só com a sua participação no Festival da Canção que me comprometi a descobrir melhor o reportório da banda — mas é curioso como a familiaridade de alguns temas se destacou. Por outro lado, como acredito que o ar na Avenida das Tílias «é bem melhor de respirar», regressei para os poder ouvir ao vivo.

Não estava preparada para ter uma casa tão cheia, mas senti-me orgulhosa por isso, senti-me orgulhosa por ver tantas pessoas juntas pelo mesmo grupo. A Deslocado é capaz de ter desbloqueado o interesse de muitos, mas foi bom sentir que não foi o único motivo e que éramos tantos a cantar outros versos. E, confesso, ouvir esse tema numa cidade que me corre no sangue foi comovente, porque reforçou o quanto não quero perder a sensação de lhe pertencer. Além disso, também partilho que, num lugar que tem os seus próprios advérbios de intensidade, achei poético cantarmos «às vezes sabe tão bem mandar alguém à merda» em plena Feira do Livro do Porto.

A energia foi contagiante e só tenho pena de não ter desfrutado de todos os pedaços da atuação, porque nem tivemos hipótese de entrar na Concha Acústica e vê-los em palco. Mal posso esperar para os reencontrar e revisitar cada um destes temas.



Concerto Sérgio Godinho & Os Assessores com Manuela Azevedo

O último dia de Feira do Livro do Porto reservou-nos uma despedida extraordinária, com o concerto de Sérgio Godinho & Os Assessores e Manuela Azevedo. Os últimos raios de sol pintaram o Rossio, enquanto a noite chegava sem pressas, e um mar de gente juntou-se para cantar temas que cresci a ouvir. Este dialeto é, de facto, mágico.

Entre versos que nos contam histórias quotidianas, inquietações, desejos e uma forte crítica social, ao mesmo tempo que nos permitem conhecer personagens icónicas, foi bonito de ver tantas gerações a acompanharem com o mesmo entusiasmo, a fazerem uma festa ainda mais bonita, a prolongarem a poesia que escutávamos desde o palco.

Não sei se foi o primeiro dia do resto das nossas vidas, mas partilhamos todos um certo brilhozinho nos olhos. E, acima de tudo, sentimos a liberdade a passar por ali.



No último dia de Feira do Livro do Porto, ainda fui à sessão de autógrafos do Hugo Gonçalves, que é sempre uma simpatia. Nota-se mesmo que a sua partilha é feita de coração, sem reações forçadas.


O Poeta de Todos os Poetas concedeu-nos boa estrela.

Fotografia da minha autoria



Os livros da Taylor Jenkins Reid pairavam na minha lista de desejos, mas ia adiando esse encontro sem ter uma justificação para o efeito. Depois, convenci-me de que seria interessante lê-los pela ordem de publicação, mas acabei por desistir dessa ideia, já que o lançamento mais recente despertou toda a minha atenção.


 encontrar o nosso lugar

Atmosfera leva-nos até ao verão de 1980, quando Joan Goodwin, «professora de astrofísica, inicia o seu treino de astronauta no Centro Espacial Johnson», na companhia de outros candidatos excecionais. Em simultâneo, nesse mesmo ano, há uma vaga de mulheres a integrarem a NASA cujo percurso acompanharemos de perto.

A narrativa, ainda assim, começa em 1984 e eu confesso que demorei um pouco a ambientar-me, porque nunca fui muito fascinada pelo espaço. No entanto, ultrapassando esse entrave, na falta de melhor terminologia, adorei como a escrita da autora nos vai envolvendo no tema e como apresenta um bom equilíbrio entre as partes mais técnicas desse universo e o que é pensado para servir o lado do entretenimento. Sinto que foi uma história construída sem pressas, respeitando o crescimento de várias trajetórias.

Fiquei impressionada com o facto de tão depressa nos deixar em suspenso, para, logo a seguir, nos aconchegar. E creio que os saltos temporais foram preciosos neste contexto: embora tenha sido duro e angustiante viver os acontecimentos presentes, recuar ao passado trouxe um pouco de paz, uma vez que compreendemos como é que os laços se foram estreitando e quais as motivações para certas decisões. Além disso, sinto que a construção das personagens foi exímia.

«E que sempre tinha existido um lugar para ela neste mundo. Simplesmente passara por ele vezes sem conta, sem nunca se aperceber de que havia uma porta não marcada, à espera de que ela a descobrisse»

Outro aspeto que não me passou despercebido, e que acredito ser uma das maiores valências desta obra, foi a reflexão acerca da emancipação feminina, dividida por questões como as desigualdades de género, a diferença de oportunidades e as dinâmicas com outras mulheres, sobretudo, quando confrontadas com os seus objetivos e o modo como pretendem trilhar o seu caminho profissional. Por outro lado, ao vermos uma história de amor entre duas mulheres a florescer, acabamos a refletir sobre a necessidade de preservarem a sua intimidade, quando aquilo que mais querem é viver esse amor em liberdade, sem julgamentos.

Atmosfera tirou-me da minha zona de conforto pelo tema e impactou-me, também, pela ideia de que se uma mulher falha todas falham. Li a última parte em apneia e talvez devesse processar a autora por todas as lágrimas que chorei, mas fiquei feliz por me estrear em Taylor Jenkins Reid com este livro. Fiquei completamente presa a todas as camadas que edificou e adorei que, sem procurar dar uma resposta única, nos fizesse pensar sobre ciência, deus, família, humanidade, feminismo e o peso das nossas escolhas — sempre com naturalidade. Atmosfera mostra-nos a importância de sermos verdadeiros connosco e é um belo exemplo de superação e de como não precisamos de competir para pertencer.


 notas literárias
  • Gatilhos: Linguagem gráfica e explícita
  • Desafio: Clube do Livra-te
  • Lido entre: 7 e 14 de julho
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Joan e Frances
  • Pontos fortes: Ser um livro de camadas e reflexões, a construção das personagens e deste universo, a escrita cinematográfica
  • Banda sonora: Sidelines, Phoebe Bridgers | Till Forever Falls Apart, Ashe & Finneas | Mistery Of Love, Sufjan Stevens | Saturn, Sleeping at Last | No Goodbyes, Léon

Fotografias da minha autoria


A última vez que transpus os portões de Serralves foi em 2017, a propósito da Festa do Outono. Na despedida, prometi regressar em breve, mas a vida trocou-me as voltas e acabei por não voltar tão cedo como gostaria. Oito anos depois, com várias tentativas falhadas pelo meio, aproveitamos que a entrada passou a ser gratuita para residentes em Portugal no primeiro domingo do mês e alinhamos agendas para esse reencontro.

O nosso plano era chegarmos à hora de abertura, por um lado, para desfrutarmos do espaço sem pressa e sem grande confusão e, por outro, para conseguirmos fugir das horas de maior calor, já que as temperaturas prometiam ser elevadas. Assim, por volta das 10h05 entramos no Museu, onde encontrámos uma vasta oferta de exposições:

  1. Y’a Hamam Yalla Ma Tnam, Ma Tnam, de Mounira Al Solh, inspirada na infância da artista «durante a Guerra Civil Libanesa». Este conflito provocou marcas visíveis e, creio, a forma como compôs o cenário mostra-nos a dualidade entre a dor, a inocência perdida e a procura por conforto;
  2. run_it_back.exe, de Avery Singer, mostra-nos como «os nossos sistemas» têm falhas estruturais e como estas «atravessam todos os países». Portanto, aquilo que era invisível passa a ser palpável e o artista faz-nos deambular por esse universo;
  3. Provas Materiais, com curadoria de Philippe Vergne, transporta-nos para as vastas narrativas que os objetos nos podem contar, ajudando-nos a construir a nossa identidade - individual e social;
  4. AALTO, uma exposição monográfica desenvolvida com as duas esposas de Alvar Aalto. Entre mobiliário e natureza, atravessamos o extenso corpo da sua obra;
  5. This Is a Shot compila obras da Coleção de Serralves, quer as que foram adquiridas recentemente, quer os trabalhos que nunca foram expostos. Assim, representando «o enquadramento de uma câmara, o disparo de uma arma, uma oportunidade inesperada», está construída para sermos capazes de refletir sobre as diferentes maneiras de encarar a mudança.

Percorri os corredores e as respetivas salas com curiosidade, mas reconhecendo que é uma linguagem que não compreendo em pleno. A arte e a interpretação que fazemos é mesmo abstrata e gosto de pensar que, para lá da técnica, existe um lado emocional a ligar-nos a determinadas peças. Não obstante, queria sentir que o meu entendimento não é tão limitado, para ser capaz de mergulhar a fundo naquilo que estou a observar.

      

A visita prosseguiu em direção à Casa de Serralves, onde está a exposição Sussurro, de Maurizio Cattelan, cujo fascínio pelas mudanças, pelos traumas, pelos períodos de transição é evidente. Aliás, as obras selecionadas oscilam entre imagens familiares e autorretratos, fazendo-nos experienciar um misto de expectativa e de morbidez.

O último espaço interior que visitamos foi a Casa do Cinema Manoel de Oliveira, na qual se encontrava a exposição Pequeno Teatro do Mundo, de Luis Miguel Cintra, que reúne peças escultóricas de arte sacra e quinquilharia, «de feição erudita ou popular».

É enriquecedor contactar com elementos que não figuram no nosso quotidiano, não só porque nos faz crescer, mas também porque «nos mostra o mundo, porque nos fala de nós próprios. Do que somos e do que seremos. Porque nos ensina a ser melhores» e, por isso, deambulei por cada um destes recantos com a humildade de quem absorve novas possibilidades para se transformar. Admito, no entanto, que a minha forma de arte favorita é a que encontro em toda a extensão do parque: na Clareira das Bétulas, na Alameda dos Liquidâmbares, no Bosque das Faias, no Jardim das Camélias, no Arboreto, no Jardim do Relógio de Sol, no Roseiral, no Lago, no Charco, no Prado, no Jardim das Aromáticas. Porque esta linguagem que parece poesia corre-me por dentro.

      

Espero não demorar tanto tempo para cumprir a promessa de um novo reencontro.

Fotografia da minha autora



A afirmação pode ser forte, mas sinto que estão reunidas todas as condições para a partilhar com o mundo: ao segundo livro, Mariana Salomão Carrara escalou para o grupo de escritoras favoritas, porque é absolutamente perfeita a forma como constrói os seus enredos. Talvez seja um pouco frenético habitar a sua cabeça, mas quero ler tudo o que escrever.


 narradores peculiares

A Árvore Mais Sozinha do Mundo acompanha uma família que trabalha numa roça do Sul do Brasil: Carlos, o pai, Guerlinda, a mãe, e Alice, Maria e Pedro, os filhos. Neste drama familiar, que nos entrelaça às condições laborais precárias, às dificuldades económicas e à dinâmica tão particular da plantação e venda de tabaco, são os narradores que nos fazem sentir cada camada como se lhes pertencêssemos.

A autora arrojou na forma como construiu a narrativa, até porque deu voz a quatro objetos próximos desta família: a árvore que se encontra no jardim, o espelho interior, a carrinha onde se deslocam e uma peça de roupa que os protege na altura da colheita. Esta escolha pode parecer estranha, ao início, mas achei-a brilhante, uma vez que nos permite ter acesso a fragmentos ocultos, abordagens e pensamentos que nos escapariam de outra forma. No fundo, estes objetos colocam em evidência tudo aquilo que as personagens poderiam esconder.

«As pessoas, quanto mais crescem, mais têm medo de tropeçar e cair de suas pequenas alturas. Eu não, já faz um tempo que fantasio minha queda, cresci tanto que acumulei vertigem»

Enquanto avançava na leitura, senti-me uma confidente dos narradores, senti que estava a descobrir segredos que me ajudariam a traçar o perfil dos protagonistas, sem filtros, o que me aproximou de cada um deles, ao mesmo tempo que me permitiu compreender determinadas posturas e decisões. Além disso, achei curioso que as vozes se complementassem, sem quebrarem o ritmo da narração e da identidade de cada objeto. Mariana Salomão Carrara teve uma atenção aos detalhes que me desarmou por completo e que me fez apaixonar por todos os pontos deste livro que continua a crescer em mim.

A Árvore Mais Sozinha do Mundo é feito de tristeza, de conformismo, de dor e de esperança. Alternando entre «desgraças-doenças-infortúnios» e «sonhos-desejos-vitórias», faz-nos pensar sobre o que se espera do futuro e sobre o essencial que fica na penumbra.


 notas literárias
  • Lido entre: 30 de junho e 3 de julho
  • Desafio: Clube do Livra-te
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Alice, Maria e Elvira
  • Pontos fortes: As camadas da narrativa, o quanto consegue ser cru e melancólica; as vozes distintas
  • Banda sonora: A Árvore, Cassete Pirata | Familiar, Nils Frahm | Near Light, Ólafur Arnalds | Winter Bird, Aurora | As Curvas da Estrada de Santos, Roberto Carlos

Fotografia da minha autoria



o peito desacelera pela falta que se esfuma
pela saudade que já é dita de cor
por tudo o que já deixei de ser pela ausência
da tua mão em mim, do teu cheiro, do teu colo

recuo, permaneço dentro de quatro paredes
há lágrimas que pesam
que são como cristais estilhaçados
e os dias sucedem-se em neblinas de uma paz quebrada
sem chão, sem teto
uma paz que levaste quando saíste
e eu fiquei para trás
neste sítio que nos estranha agora que és só
uma memória, uma pedra neste coração vazio

deixei de te querer, mas a tua voz ainda ecoa
enquanto volto a trilhar o meu caminho
enquanto procuro um abrigo para as cinzas
que renascem sem que te lembres

há uma falta que desaparece
e as palavras deixam de ecoar no meu peito
ainda que me perca no sonho do teu regresso

Fotografia da minha autoria



Os livros não se tornam todos memoráveis e há alguns sobre os quais não tenho assim tanto para partilhar, ao ponto de justificar uma publicação independente. Assim, apesar de me dar alento escrever sobre as narrativas que leio, para também garantir que neste blogue não há só espaço para reviews literárias e que tenho margem para explorar outros conteúdos, decidi ir compilando as histórias que li, mas cujo enredo acabará por passar.


 a criada, freida mcfadden

A curiosidade levou a melhor e entrei, finalmente, no universo de Freida McFadden.

A Criada acompanha a vida de Millie quando consegue emprego em casa de Nina Winchester, enquanto interna, e rapidamente percebemos que existem muitos pontos suspeitos, que não encaixam com lógica. Consigo entender o fenómeno, porque a escrita é fluída, cinematográfica e com elementos que nos intrigam, mas não me arrebatou. Creio que entretém e que nos deixa a pensar sobre a verdadeira essência das pessoas, mas a energia de filme macabro da Fox Life não me deixou a suspirar pelos próximos.

Pode ser uma excelente opção, ainda assim, para quando queremos histórias descomplicadas, que nos permitam desligar.


 murdle #1, g. t. karber

As minhas séries de eleição, tirando FRIENDS, situam-se sempre na onda dos policiais. Como frequentadora assídua da escola de Mentes Criminosas, CSI Miami, Castle, S.W.A.T. e, mais recentemente, The Rookie, preservo o fascínio por desvendar crimes, por isso, não resisti ao livro de G. T. Karber.

Murdle #1 reúne 100 mistérios para resolver, divididos por quatro graus de dificuldade. Diverti-me muito a testar a lógica e a solucionar as propostas, tanto sozinha como acompanhada, e acredito que o segredo é ir resolvendo devagar, poucos casos de cada vez, até porque, dentro de cada nível, acaba por seguir tudo a mesma linha. Estive desde novembro de 2024 até julho deste ano na companhia deste exemplar e foi ótimo para quando a cabeça precisava de divagar.


 desconhecidos num casamento, alison espach

A premissa deste livro intrigou-me logo, afinal, temos um hotel reservado para um casamento e uma protagonista que consegue um quarto para se suicidar. Ao manifestar a sua intenção à noiva, esta fará tudo para que não lhe estraguem a festa.

O início é promissor, mas a concretização não funcionou comigo, porque não gostei da abordagem que a autora teve em certos temas. Honestamente, acho que lhe faltaram consciência e sensibilidade a retratar a saúde mental. Até achei alguns pontos interessantes, mas, de um modo geral, senti que escalou tudo demasiado rápido e que houve muitas ligações forçadas. Não esperava que me mudasse a vida, apenas queria que existisse um pouco mais de cuidado.


 contos da sétima esfera, mário de carvalho

Contos da Sétima Esfera é o livro de estreia de Mário de Carvalho e a sua compilação de textos veio «quebrar o cânone literário da época, revelando um universo ficcional único que a cada linha sugere que na literatura há espaço para o insólito». Assim, reunindo «deuses, homens, anjos, demónios», orbitamos em narrativas que oscilam entre o fantástico e o maravilhoso, entre o que se pensa ser o início e o fim de tudo.

A estranheza talvez tenha sido o principal fator para não me conseguir relacionar em pleno com os contos. Embora a escrita seja maravilhosa e nos desperte curiosidade por aquilo que é descrito, confesso que as duas primeiras partes não funcionaram para mim, a terceira já me conquistou um pouco mais, talvez por se aproximar de um tom mais quotidiano, de cenários que consigo compreender melhor e, inclusive, imaginar.

O livro é um exercício de escrita interessante, porque explora lendas, mitos, situações caricatas, mas sinto que nenhum dos contos ficará bem comigo.


 nome de mãe, vários autores

Nome de Mãe é uma antologia focada na figura materna, quer pela sua presença, quer pela sua ausência «na vida de todos». Deste modo, compilando textos de escritores de língua portuguesa, é uma obra que pretende «acolher e expand[ir] a multiplicidade de papéis que a figura materna desempenha desde sempre», enquanto elemento de uma sociedade e enquanto ser individual. Escolhendo cenários públicos e/ou levando-nos até um ambiente intimista/privado, também visitaremos «o imaginário dos seus filhos».

Feliz ou infelizmente, é uma obra sobre a qual não posso comentar a fundo, para não comprometer a experiência de leitura. Não obstante, é curioso como, começando na mesma casa de partida, criaram universos tão distintos, explorando camadas muito particulares. Por outro lado, é possível encontrar assuntos transversais, como a dor, a memória, os papéis que desempenham quase em simultâneo, o que poderia ter sido.

Nem sempre a mãe é a voz, por vezes é a construção dos outros, é aquilo que guardam e que partilham com quem os rodeia. E acho que foi por isso que senti que alguns dos contos se desviavam do propósito central - ou eu é que estava à espera de encontrar a figura materna sempre no lugar de protagonista. Naturalmente, não fui arrebatada por todos os textos, mas destaco os do Hugo Gonçalves, do Ricardo Adolfo e do Ondjaki.


 conta-me, escuridão, mafalda santos

Conta-me, Escuridão promete desassossegar, uma vez que reúne personagens capazes de invadir os nossos sonhos: «desde trigémeas assassinas, a entidades assustadoras, passando por bruxas malévolas e magia», não há qualquer traço de esperança que nos salve. No desenrolar destes oito textos, que não vieram para encantar, nem para nos fazer rir, sinto que fica clara a mestria da autora para criar universos surpreendentes.

Confesso, no entanto, que não fiquei apaixonada pelo livro, talvez por estar à espera de um traço mais aterrorizador, que me deixasse no limbo entre estar segura e sentir o coração a falhar uma batida. Acho fascinante a capacidade que a Mafalda Santos tem de nos levar a acreditar em cenários improváveis, ainda assim, senti que o processo criativo me impactou mais do que a concretização. A ideia está lá, mas faltou-me algo.

Há, aqui, várias formas de escuridão, «demónios que desafiam as nossas crenças» e, se calhar, a maior valência deste livro é o que se esconde nas suas entrelinhas, na dor, no luto, no desespero, nas promessas que fazemos quando estamos prestes a sucumbir. Com elementos transversais entre os contos - ou ideias que se repetem em surdina -, gostei particularmente d’ O Mal Por Detrás da Montanha e do Vida Eterna, sobretudo, pela coerência entre as situações e pelo equilíbrio entre diferentes estados de espírito.


 doidos por livros, emily henry

Este livro transporta-nos para o mundo editorial através de Nora, que adora a sua profissão e Nova Iorque, e Charlie, «com o dom de publicar bestsellers» e que é o inimigo número um de Nora. Eles conheceram-se num almoço desastroso, portanto, a primeira impressão não contribuiu para apaziguar a inimizade entre ambos, mas o destino fará das suas. Em simultâneo, conhecemos Libby, a irmã da protagonista, que lhe propõe uma viagem familiar a Sunshine Falls.

Longe da confusão da cidade, achei deliciosa a crítica aos clichés recorrendo a todos os que existem. Sinto que essa abordagem trouxe um lado mais cómico ao livro, complementado pelos diálogos bem construídos e engraçados das personagens. Dei por mim a rir-me com certas passagens e a ficar rendida à sátira, à ironia que povoa estas páginas.

Notei uma evolução bastante positiva na escrita e gostei que não tivesse criado duas personagens antagónicas: tê-las construído com tantos pontos comuns ajudou a que a narrativa se tornasse mais madura e credível. Ainda assim, creio que a estrela desta história é a relação de Nora e de Libby, por isso, gostava que tivesse sido mais explorada. Compreendo que o objetivo seja dar destaque à relação amorosa, mas acho que havia margem para desenvolver o vínculo de irmãs.


 o espião português, nuno nepomuceno

O Espião Português alicerça-nos a um universo de espionagem, jogo duplo e mentiras, no qual vemos colidir o trabalho de duas organizações, uma semigovernamental e uma «formada por mercenários», que procuram obter vantagem num «estudo secreto sobre uma arma de nova geração». Entre estes extremos, está André Marques-Smith, diretor do Gabinete de Informação e Imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que assume uma identidade paralela enquanto agente secreto, conhecido como Freelancer. No decorrer da operação mais recente da equipa, é confrontado por uma verdade dura.

A premissa intriga e, para primeiro livro, sinto que é um trabalho competente. Uma vez que fiz o percurso inverso, ou seja, que comecei pela Saga Afonso Catalão, achei curioso constatar que o primeiro volume desta trilogia é já uma porta entreaberta para temas que me parecem centrais para o autor. Além disso, tem uma escrita fluída, com um toque cinematográfico. Não obstante, senti fragilidades no ritmo da narrativa, porque se perdeu em descrições pouco relevantes para o entendimento da história.

Outro aspeto que me deixou reticente foi a constante repetição acerca da aparência das personagens, como se existisse uma necessidade profunda de as tornar perfeitas, como se o valor de cada uma delas estivesse dependente dessas características. Numa situação em que é preciso seduzir o inimigo, consigo entender que nos forneça essa informação, até porque há um contexto, fora isso, para mim, só cria ruído, porque não é isso que procuro compreender. Interessa-me muito mais aquilo que farão perante circunstâncias que fogem ao seu controlo e que as confrontam com os seus valores.
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andreia morais

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O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá


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