Entre Margens

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Julho, à semelhança de anos anteriores, revestiu-se de caos e de cansaço. Curiosamente, senti as duas primeiras semanas a passarem num sopro, mas as restantes avançaram em câmara lenta e acho que esta oscilação fez mossa na minha energia - em serviços mínimos, a suspirar por dias em que posso só existir.

Sair e regressar a casa com os fones a repetir o Violetta foi, sem qualquer margem para dúvidas, o aliado que precisava para manter a minha sanidade intacta e desligar sem ficar dormente. A música tem este poder reparador e a verdade é que há trabalhos que nos parecem ler a alma. Naturalmente, procurei intercalar com outros artistas, mas voltava sempre ao álbum do Lhast com a curiosidade de quem o escuta pela primeira vez.

É tempo de abrandar, mas não sem antes recordar o que este mês trouxe de maravilhoso.


as coisas maravilhosas de julho


 os fragmentos aleatórios

Um Espelho, Uma Década
O Diogo Piçarra celebrou os seus dez anos de carreira com um livro especial, «refletindo sobre os momentos mais marcantes da sua trajetória na música», sem deixar de fora os Fora da Bóia, os percalços, as rotas paralelas e todas as pessoas (da esfera profissional e pessoal) que contribuíram para que esta viagem, nem sempre fácil, se revestisse de conquistas extraordinárias. Cada passo dado foi com o objetivo de consolidar a sua arte, colhendo os frutos da bonança depois da tempestade. Mergulhar nestas páginas foi bastante emocional: não só porque o Diogo Piçarra é um dos meus artistas favoritos, mas também porque estive presente em vários destes momentos - os restantes vivi à distância, com o coração a transbordar de orgulho. Ainda assim, não deixou de ser surpreendente (re)descobrir determinadas passagens/fases, porque o tempo avança e vai dando lugar à novidade, mas existem marcos que merecem mesmo ser relembrados.


Buga Ramen
O meu roteiro gastronómico incluía provar ramen, embora não tivesse um sítio específico para me estrear. Depois de ouvirmos Júlio Machado Vaz no Rivoli, acabamos por ir ao Buga Ramen, nos Aliados, e acredito que acertamos em cheio: o espaço transporta-nos logo para um ambiente vibrante e cheio de cor e a comida é deliciosa. Para entrada, pedimos gyozas de frango (comia-as bem como prato principal, de tão incríveis que estavam) e, depois, eu optei pelo Ramen Teriyaki Chicken Shoyu (que não consegui acabar, porque o prato é mesmo bem servido). Hei-de regressar para me aventurar nas opções picantes.

      

Outros fragmentos aleatórios: A Rita e o Guilherme anunciaram nova tour de Terapia de Casal, o íman «Porto is all we need», terminar o Murdle #1, começar a usar o last.fm.


 as músicas e os álbuns

  • Sweet Like Sugar, Richie Campbell;
  • Tudo o Que Ele Queria, Pikika;
  • Are You Better, Gui Aly;
  • Só Quero Viver, LEO2745 & Criss Calisto
  • À Toa, Valle.


  • Postal em Branco, Marta Lima
  • Astros e Afetos, Yang.


 as publicações

Gosto de escrever em cafés
Escrever em cafés sempre foi uma das minhas atividades mais satisfatórias, porque gosto de resolver o caos interior com o barulho do mundo. Acho, até, que há uma certa poesia nesta trivialidade, na possibilidade de avançar umas linhas numa folha em branco, enquanto a mesa se reveste de chávenas vazias, há pedidos a serem gritados para trás do balcão e há uma aura frenética que nos abraça a todos.

Violetta, Lhast
Violetta, parafraseando um dos temas que o compõem, tem inocência e maldade na dose certa. É leve, mas também é introspetivo. É generoso, honesto e enigmático e eu tenho estado a viver nas suas canções desde que saiu. Há uma viagem de autodescoberta incrível e acredito que seremos capazes de descobrir novas camadas a cada nova audição, porque as letras são feitas de subtilezas e porque o seu lado criativo abriu portas que ainda não tinham sido exploradas. O futuro pode ser incerto, no entanto, Violetta guia o caminho.


 os livros

Os favoritos do mês
  • A Árvore Mais Sozinha do Mundo, Mariana Salomão Carrara;
  • Atmosfera, Taylor Jenkins Reid;
  • Lobos, Tânia Ganho.

Outros livros lidos: A Criada, Freida McFadden | Adrenalina, Filipa Leal | A Maldição, Lourenço Seruya | Murdle #1, G. T. Karber | Um Espelho, Uma Década, Diogo Piçarra | Doidos Por Livros, Emily Henry | Desconhecidos Num Casamento, Alison Espach.


 os momentos

Lançamento de Outonecer
O carisma de certas personalidades é fascinante e desarmante, em simultâneo. Nunca li Júlio Machado Vaz de forma integral, mas é um dos comunicadores que mais gosto de ouvir, ainda que nem sempre o consiga fazer com a regularidade devida. Acho que tem o equilíbrio perfeito entre a sapiência e o humor, num discurso que nunca segrega.

Outonecer é uma palavra com uma sonoridade que embala, que abraça, sem esconder a entoação melancólica. E só a sua cadência foi suficiente para despertar a curiosidade, portanto, antes de mergulhar nas memórias que nos reserva, fui ao Teatro Rivoli para assistir ao lançamento do livro, com apresentação de João Luís Barreto Guimarães.

Há oportunidades imperdíveis e esta era uma delas, até porque acredito mesmo que as partilhas de Júlio Machado Vaz nos engrandecem. E talvez seja impossível voltarmos ao nosso quotidiano sem nos sentirmos impactados, sem sentirmos que algo mudou: não necessariamente a grande escala, como se regressássemos virados do avesso, mas com a certeza de que nos alargou horizontes e mostrou a vida de outros patamares.

Confesso que me comovi com as palavras de João Luís Barreto Guimarães, porque trouxe uma carga intimista ao momento que antecedeu a conversa. É notória a sua admiração por Júlio Machado Vaz, mas também foi evidente a atenção que colocou na leitura da obra, permitindo-nos conhecê-la ainda antes de a lermos - sem, no entanto, condicionar a experiência de quem a for descobrir, como é o meu caso. E tudo fluiu neste registo familiar, ora profundo, ora cómico, sem que se notasse o tempo a passar.

Se for para outonecer assim, é um privilégio. Ficaria horas a ouvir Júlio Machado Vaz.


Palavras São Raízes com Madalena Sá Fernandes
O Município de Vila Nova de Gaia abraçou uma nova iniciativa cultural, Palavras São Raízes, que pretende promover conversas «com autores sobre a força e a liberdade da palavra, explorando a sua influência na literatura e na sociedade». Estes ciclos têm a curadoria de Marta Pais Oliveira e ocorrem na Biblioteca Municipal de Gaia, com o apoio da Livraria Velhotes. A convidada mais recente foi Madalena Sá Fernandes.

Estar presente em conversas com escritores é sempre estimulante. Enquanto pessoa que escreve e que ainda não perdeu o sonho de lá chegar, acredito que aprendemos imenso não só sobre a palavra em si, mas também sobre a forma como encaramos o processo, sobre a forma como nos permitimos explorar novos imaginários e criar. E acho que a Madalena Sá Fernandes é um excelente exemplo, porque não tem pudor em arriscar registos distintos, em brincar com associações e em cruzar mundos, de um modo leve, sem se levar tão a sério, mas assumindo o compromisso com a verdade.

A autora assume-se como distraída, no entanto, acho que tem o dom de resgatar os detalhes mais subtis e de os transformar em crónicas que nos marcam. Por outro lado, acredito que tem a audácia e a sensibilidade necessárias para se perder em narrativas que nos tiram o fôlego pela crueza - e crueldade - do tema, sem esquecer que somos falíveis e antagónicos, enquanto seres humanos. Senti isso, primeiro, com o Leme e, depois, com o Deriva, duas obras que nos mostram diferentes facetas da mesma autora.

A conversa, naturalmente, focou-se nos seus livros, mas teve espaço para a partilha de peripécias, para viagens ao Brasil, para inquietações, para formas de machismo e a permanente tentativa de silenciar as mulheres, para temas musicais e para o papel da literatura. Achei muito interessante que a autora não atribuísse à literatura a função de curar feridas expostas, mas que encontrasse nela um caminho para apaziguar as dores e para compreender que a mesma pessoa que fere também pode ser carinhosa.

Foi um encontro maravilhoso, conduzido pela, também escritora, Marta Pais Oliveira, que, com elegância e curiosidade, procurou bordar influências, memórias da infância e da adolescência e criações. Foi enriquecedor, espero reencontrá-las em breve.

   

Festas da Maia: Dillaz
As batidas e as letras incisivas ressoaram no Parque Central da Maia e encheu-me o coração olhar à minha volta e perceber que aquele recinto parecia transbordar. Ele merece-o e é a prova de que a cultura nacional tem nomes de máxima qualidade e de que há uma vontade e disponibilidade cada vez maiores para os acompanharmos. Se calhar, falo sem conhecimento de causa, mas creio que ficaríamos todos mais tempo a vê-lo em palco, a responder aos seus reptos e a cantar no mesmo compasso que ele - nem sempre fui capaz, porque não tenho alma de rapper, mas tentei dar o meu melhor.
Não houve Hennessy na mão às duas da manhã, mas, se o Dillaz diz Alô, nunca estamos ocupados. Que a vista para a ilha continue a ser uma maravilha, já sinto saudades! - experiência completa aqui.
      

Outros momentos do mês: revisitar o Museu do Carro Elétrico, voltar ao Zoo de Santo Inácio, matar saudades da minha gémea e da sobrinha de coração, o primeiro aniversário do elemento mais novo da família.
      

      

      

      

      

      

Agosto, sê gentil ✨
Vemo-nos em setembro!

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A tbr de julho, admito, foi um pouco ambiciosa: não tanto pela quantidade, porque estabeleci um número que está dentro do que costumo ler, mas porque este mês é sempre caótico e cansativo, e a minha concentração acaba por estar em serviços mínimos. Ainda assim, como tantas vezes acontece, a leitura foi a motivação que precisava para contrariar esse cansaço e aproveitar diferentes mundos narrativos. Fiz só um ajuste na lista inicial, uma vez que a minha reserva da BiblioLED ficou disponível mais cedo.


 a tbr de julho: expectativa

  • A Maldição, Lourenço Seruya;
  • Verão no Lago, Ann Patchett;
  • A Criada, Freida McFadden;
  • A Árvore Mais Sozinha do Mundo, Mariana Salomão Carrara;
  • Desconhecidos Num Casamento, Alison Espach;
  • Doidos Por Livros, Emily Henry;
  • Adrenalina, Filipa Leal;
  • Atmosfera, Taylor Jenkins Reid;
  • Lobos, Tânia Ganho

 a tbr de julho: realidade

Da lista anterior, adiei Verão no Lago, de Ann Patchett, para agosto, porque o substituí pela minha reserva na BiblioLED, Uma Árvore no Céu de Brooklyn, de Betty Smith. De resto, li todos os outros e ainda acrescentei:

  • Murdle #1, G. T. Karber (que me acompanhava desde novembro de 2024);
  • Um Espelho, Uma Década, Diogo Piçarra.


 algumas curiosidades

Em julho, li:
  • 10 livros: 5 romances, 2 policiais e thrillers, 1 de poesia, 1 de jogos e passatempos e 1 de não ficção;
  • 7 autoras e 3 autores: 1 brasileiro, 3 norte-americanos, 4 portugueses e 2 americanos;
  • 4 autores lidos pela primeira vez: Freida McFadden, Taylor Jenkins Reid, G. T. Karber e Alison Espach.

Favoritos do mês:
  • A Árvore Mais Sozinha do Mundo, Mariana Salomão Carrara;
  • Atmosfera, Taylor Jenkins Reid;
  • Lobos, Tânia Ganho.


  vamos a contas?

O milagre aconteceu: depois de, nas notas literárias de junho, ter partilhado que ainda não tinha tido um mês sem comprar livros, julho surpreendeu-me nesse sentido. Portanto, a poupança foi ainda mais significativa.

  • Ativei a subscrição do Kobo Plus, que aumentou para 7,99€. Li 5 eBooks, o que me permitiu poupar 86,27€ (para referência, usei os valores dos livros da Wook).
  • Comecei julho com 107€ na Apparte. Uma vez que li 10 livros, adicionei 10€, partindo para agosto com 117€.


  banda sonora












 tbr de agosto

  • Uma Árvore no Céu de Brooklyn, Betty Smith (para terminar);
  • Conta-me, Escuridão, Mafalda Santos;
  • Verão no Lago, Ann Patchett;
  • Lugar Feliz, Emily Henry;
  • Carta Para a Vila Berta, Miguel Esteves Cardoso.

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A história de um país pode alicerçar-se de tal modo às nossas raízes que o destino dependerá sempre das decisões sociopolíticas que sejam definidas em prol de um suposto bem maior. Invertendo a narrativa, Elif Shafak ata os nós entre a Turquia e o seu povo, através do olhar de quem está, lentamente, a desaparecer.


 «uma maré a recuar para a costa»

10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho tem uma cadência particular, uma vez que, «no primeiro minuto que se seguiu à sua morte, a consciência de Leila Tequila» começa a abrandar. Apesar de as células cerebrais estarem privadas de oxigénio, o cérebro continua a resistir, associando cada minuto a uma recordação específica.

O início da história é angustiante: não só por não termos uma noção imediata do que está a acontecer e de como se chegou àquele desfecho, mas também por abrir portas para uma vida cheia de contratempos e de traumas. No entanto, é no meio desse cenário doloroso, com muitos acontecimentos sombrios, que a protagonista conhece as suas cinco pessoas: Nalan, Sinan, Jameelah, Zaynab e Humerya. Todas elas tão diferentes, mas unidas por este elo comum que é Leila e por uma amizade sustentada pela força da proteção.

Os cheiros ativam as memórias e, assim, vai interligando a história da sua morte com a da sua família e dos seus amigos. Recuando à infância, descobrimos as feridas que obrigaram Leila a partir e a procurar um lugar que lhe desse esperança. Recuando ao passado, ficamos no limbo pela capacidade reativa, mas sobretudo por percebermos que o seu berço replica o dialeto do patriarcado, acentuando a violência contra as mulheres, as desigualdades sociais e o poder da religião, onde o perdão depende de demasiadas burocracias.

«- Bem, talvez seja verdade... mas quem é que sabe qual de nós merece mais o céu... esta mulher infeliz ou o fanático que pensa ser o escolhido de Deus»

Dividido em três partes, este livro é ficcional, mas com vários apontamentos reais, e isso continua a preocupar. Não obstante, como se destacou no Financial Times, é uma história «que dá voz aos invisíveis, aos intocáveis, aos desfavorecidos e aos que mais sofrem na sociedade». Elif Shafak, ao mergulhar nas profundezas obscuras do seu humano, não deixa de traçar um retrato luminoso, porque esta pequena comunidade que Leila reuniu e que cuidou dela em todos os momentos mostra-nos o que de mais valioso levamos desta vida.

10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho não romantiza a magoa, não esconde a dor de um país a regredir, nem as consequências de vários tipos de abusos. Com uma escrita comovente, é, também, uma carta de amor e, acima de tudo, é a prova de que é possível transformar a dor e prosperar.


 notas literárias
  • Gatilhos: Referência a aborto e a violação; linguagem gráfica e explícita
  • Lido entre: 18 e 22 de junho
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Os cinco amigos
  • Pontos fortes: A amizade, o contexto social e político, a escrita lírica, a premissa, as reflexões
  • Banda sonora: Anatolia, Himma | Can't Help Falling In Love, Elvis Presley | Where Do Broken Hearts Goes, Whitney Houston | I'll Be There For You, The Rembrandts | One More Light, Linkin Park | Fly Away, Himma

Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)
Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

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O nome do Lhast foi pairando nas minhas playlists de um modo subtil. Temas como O Clima, que o junta ao Dillaz, ou Over, que o junta ao 11 LIT3S, foram o impulso que precisava para estar mais atenta às suas criações e tem sido interessante acompanhar o arco evolutivo, porque, acredito, há uma sonoridade que o distingue. Se não tinha qualquer dúvida em relação à excelência do seu trabalho na produção, vê-lo a assumir projetos em nome próprio, sem estar nos bastidores, foi a confirmação da versatilidade do seu talento.


 antes de violetta

O álbum AMOR'FATI, onde continuo a regressar com regularidade, terá sempre um lugar especial, precisamente, por nos mostrar outra faceta do artista e por equilibrar as vicissitudes que pontuam o nosso destino, sempre de uma perspetiva intimista. Em ALK, sinto, chega com uma melodia mais cirúrgica, de quem está cada vez mais perto de saber o lugar que quer ocupar. Cold Summers & Warm Winters, em colaboração com Chaylan, por seu lado, trouxe duas certezas: uma viagem às profundezas de quem somos, interligada a um jogo de sombras e de luz, e uma ausência de pudor em continuar a explorar diferentes sonoridades.

Um aspeto curioso é que, apesar de terem registos distintos, há um fio condutor entre estes álbuns: os contrastes, a dualidade entre aquilo que precisamos e o que temos, a dicotomia entre terra firme e precipício, porque nós nunca somos uma só coisa. E há sempre várias brisas a embalar os nossos passos. Violetta, o trabalho mais recente de Lhast, bebe desta energia e fâ-lo com ainda mais maturidade e sagacidade.


 violetta: o quente, o frio, a consagração

A atenção ao detalhe não passou despercebida nos álbuns anteriores, mas acredito que as subtilezas são mais evidentes em Violetta, a começar logo pelo título que nos remete para uma mistura entre cores primárias, para a tal dualidade de emoções que nos molda ao longo da vida, por vezes, em sucessivas sobreposições. Se em Evil estava «a sonhar a preto e branco», aqui há um espectro de tonalidades inesgotável, que coloca em evidência a nossa vulnerabilidade e, inclusive, os microclimas que nos habitam e que contam a nossa história.

Aguardei Violetta com expectativa e apaixonei-me ao primeiro acorde. Dividido em três atos, leva-nos numa travessia pelo desconhecido, pelos saltos de fé, pela turbulência de certas decisões, pela tentativa e pelo erro. E tudo culmina na certeza de que entrelaçamos estas pontas soltas porque fazem parte do nosso caminho. Com um tom ora delicado, ora intenso, aproxima-nos das suas vivências, das suas dores, dos seus sonhos.

Há uns dias, o Alexandre Guimarães partilhou uma história a dizer que «podia soar a alguém a querer fazer tudo ao mesmo tempo, mas ouve-se coragem e versatilidade» e eu não podia estar mais de acordo. Além disso, estas palavras remeteram-me para a entrevista que lhe fez no .wav, porque há um momento em que o Lhast refere que «quer produzir com pessoal que [o] entusiasme, fazer música que [o] entusiasme», que não tem barreiras. Por um lado, creio que isso é notório em Violetta e, por outro, acho que essa predisposição é uma das suas maiores valências, porque não o limita, porque lhe permite chegar a outras camadas da sua arte.

Não tenho qualquer competência para analisar o álbum de um prisma técnico, nem é essa a minha intenção. Emocionalmente falando, foi um dos trabalhos que mais me impactou até agora, porque tão depressa expõe feridas, como as apazigua; tão depressa é vulnerável, como sabe provocar e não ter qualquer filtro. Transpondo fronteiras geográficas e sentimentais, oscila entre a instabilidade de quem dança na tempestade e o conforto de quem chegou a casa e encontrou o seu lugar. Aquilo que o Lhast fez aqui compete numa liga superior e não vejo qualquer mentira no verso «eu estou muito acima da média». Que viagem extraordinária!

No que diz respeito a músicas favoritas, confesso que tive alguma dificuldade em definir o meu pódio, porque acho fascinante a maneira como se complementam, como os versos parecem conversar entre si. Há alturas em que parece que nos lê a alma e, noutras, que nos confronta com as nossas inseguranças, mas sem nos largar a mão, já que é um lugar que também conhece. Ainda assim, À Procura, Voltas e Sol conquistaram-me com facilidade, por falarem de sentimentos sem constrangimentos, mas não resisto à Só Para Mim, à Olé ou à Casa, por exemplo, por terem aquele toque de safadeza que nos desarma. Para aprofundar a experiência, ainda lançou o filme completo do álbum, que nos oferece uma componente visual de cada cenário cantado.  

Violetta, parafraseando um dos temas que o compõem, tem inocência e maldade na dose certa. É leve, mas também é introspetivo. É generoso, honesto e enigmático e eu tenho estado a viver nas suas canções desde que saiu. Há uma viagem de autodescoberta incrível e acredito que seremos capazes de descobrir novas camadas a cada nova audição, porque as letras são feitas de subtilezas e porque o seu lado criativo abriu portas que ainda não tinham sido exploradas. O futuro pode ser incerto, no entanto, Violetta guia o caminho.


Violetta escalou muito rápido para a lista de favoritos do ano e de vida - e mal posso esperar para descobrir o álbum ao vivo. Lhast, se algum dia leres estas palavras, obrigada por esta obra de arte 💜

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O sorteio para o desafio literário que tenho com a Sofia, 5 autores para 2025, ditou que regressássemos a Lourenço Seruya em julho. Depois de uma estreia que me pareceu promissora, estava entusiasmada para conhecer mais da sua obra, no entanto, tenho de confessar que a experiência não correspondeu totalmente às minhas expectativas.


 uma peça amaldiçoada

A Maldição foca-se na investigação mais recente do inspetor Bruno Saraiva e, por isso, somos levados até ao Teatro da Passagem, em Lisboa, onde voltará a estar em cena a peça A Pedra do Pecado, na qual «nenhum encenador ousou voltar a pegar», durante quarenta anos, por se acreditar que estaria amaldiçoada. Afinal, foi representada duas vezes, em Portugal, e em ambas as datas de estreia morreu a atriz principal. Apesar de as mortes terem sido naturais, esta coincidência potenciou uma aura muito particular. Quarenta anos depois, o Teatro da Passagem desafia as probabilidades e a questão que se impõe é: nesta estreia também ocorrerá uma morte em palco? Tudo indica que sim.

A premissa é intrigante e continuo a achar fascinante um enredo construído a partir de um ambiente fechado, onde aparentam ser poucas as possibilidades de fuga ou de, pelo menos, se passar despercebido, porque há a necessidade de aprimorar detalhes e a própria criatividade, para que as decisões narrativas sejam credíveis. Ademais, sinto que a escrita cinematográfica do autor facilita todo o processo, porque torna o enredo mais claro, mais fácil de imaginar. Até aqui, não tenho qualquer crítica negativa, o que não funcionou comigo foi mesmo o tom novelesco que pontuou certas partes do texto.

Inevitavelmente, fui criando teorias e anotando possíveis culpados e motivações, mas sempre com margem para ser surpreendida, oscilando entre o desejo de fazer parte da investigação e a inocência de não estabelecer determinadas associações. Ainda assim, houve um nome e uma razão que se revelaram mais fortes e que nunca me saíram do pensamento, por mais que o autor nos levasse por rotas paralelas. Não sinto que este facto tenha condicionado a experiência de leitura e, aliás, até achei curiosos os desvios que fez, mostrando-nos que nem sempre as escolhas óbvias têm o desfecho esperado.

«O ser humano é tão peculiar - disse Américo, encolhendo os ombros. - Nunca sabemos bem o que vai na cabeça das pessoas, pois não?»

Num plano oposto, sinto que existiram opções um pouco rocambolescas, algumas até macabras, sem necessidade. Acho que o texto ganhava mais sem esses apontamentos extremos. E, embora não goste de comparar livros, porque cada um tem a sua valência, dei por mim a perceber que estive muito mais investida na obra de estreia, A Mão Que Mata, porque o ritmo foi mais frenético. Neste, com as arestas bem polidas, creio que conseguiríamos o mesmo efeito. Não obstante, é uma história que se lê com fluidez e que tem aspectos interessantes, que nos desarmam pela sagacidade/ousadia do autor.

A Maldição levantou o pano para nos fazer refletir sobre mágoas do passado, sobre os segredos que ecoam em silêncio, sobre aquilo que omitimos por medo ou insegurança e, acima de tudo, sobre o facto de, por vezes, o passado não ficar onde pertence: por vezes, fica só à espera da ocasião certa para vingar a honra de tudo o que se perdeu.


 notas literárias
  • Desafio: 5 autores para 2025
  • Gatilhos: Luto, linguagem gráfica e explícita
  • Lido entre: 15 e 16 de julho
  • Formato de leitura: Digital
  • Género: Policial & Thriller
  • Personagem favorita: Sr. Américo
  • Pontos fortes: Escrita cinematográfica e fluída
  • Banda sonora: Maldição, Gisela João | Closer Than Sisters, Abel Korzeniowski | Is It Poison, Nanny?, Hans Zimmer | A Pedra, Pedro Puppe & Tiago Bettencourt | You’ll Be In My Heart, Phil Collins

Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)
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se apenas sirvo por conveniência
para preencher vazios
repara em tudo o que deixo
de ter vontade de partilhar
não agora
nas conversas que não prolongo
nas perguntas que já não faço
nos silêncios que se arrastam por dias
já dizia o poeta Dillaz
eu não fico onde não faço falta
desacreditei-me
deixei de pedinchar por essa não atenção

Fotografia da minha autoria


A vida constrói-se entre balanços, num reajuste constante entre o que se espera e o que se alcança e num conflito entre a urgência e a necessidade de acalmar. Em 2024, Filipa Leal celebrou 20 anos do lançamento do seu primeiro livro de poesia, por isso, arriscou «num exercício de maior reflexão», colocando-nos no centro das oscilações.


 um exercício de reflexão

Adrenalina transporta mais maturidade nas palavras, por força das circunstâncias e do crescimento da poeta, numa correlação íntima de quem compreendeu que a espuma dos dias pode ser intensa, desgastante, aconchegante e surpreendente, por vezes, com curtos períodos de tempo entre cada um desses estados. Assim, fazendo uma travessia pela infância, adolescência e idade adulta, redescobre-se e, em simultâneo, recupera memórias que, embora sejam apenas suas, nos provocam algum tipo de identificação.

O que mais me fascina na escrita da Filipa Leal é mesmo a capacidade de nos agregar às imagens que cria entre versos, de tornar tudo tão claro, ainda que possam existir infinitas camadas extra na sua mensagem. Por esse motivo, senti-me representada em sonhos, medos e visões do mundo. Sobretudo, senti-me alinhada com «a vontade de não ter pressa», porque a vida também precisa que desfrutemos da sua cadência sem acelerações. Há um desejo imenso de não deixar nada por fazer, porque não prevemos a última vez, no entanto, continuarmos num ritmo frenético talvez nos impeça de ver aquilo que existe de mais encantador em cada uma das etapas da nossa jornada.

«eu percebi que era para sempre,
eu percebi que, se me deixassem,
ficaria para sempre
a ver-te mexer assim o café»

É impressionante como as nossas vontades podem alterar-se com o tempo, graças à bagagem que vamos acumulando e ao conhecimento que adquirimos acerca da nossa identidade/personalidade. Portanto, até o próprio ato de nos observarmos ao espelho pode ser transformador, já que reparamos em detalhes que não estavam lá antes - o mais provável é que estivessem, nós é que não não tínhamos maturidade suficiente para os identificarmos e interpretarmos. Quase como se nos fizesse movimentar por um jogo de sombras e de luzes, convida-nos a olhar para dentro e a pensar sobre uma série de pilares do ser humano: família, amor, amizade, medos, cicatrizes e desgostos.

Adrenalina consegue ser irónico, mordaz e leve. E tão depressa nos inquieta, como nos arranca um sorriso - quem sabe, gargalhadas também. Concentrando-se na beleza das pequenas coisas, dos pormenores que poderiam passar despercebidos, a Filipa Leal transforma esses nadas em poemas que ficam a ecoar. Além disso, sem perder um tom confessional, há uma musicalidade nas palavras que nos permite refletir sobre escrita e sobre como o tempo nos muda sem pedir. É essa vulnerabilidade que nos molda.


 notas literárias
  • Lido a: 7 de julho
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Poesia
  • Poemas favoritos: Noctívaga, Quarto 332, Nuvem, Amigos Coloridos, Pedro, Homem de Mel
  • Pontos fortes: Transformar pormenores em poemas, a urgência de viver vs o querer abrandar, soar sempre a abraço
  • Banda sonora: Your Song, Elton John | Bravos, Van Zee & Frankieontheguitar | Sub-16, GNR | Dores de Crescimento, Carolina de Deus & António Zambujo | Dá-me Lume, Jorge Palma | Unicornio, Silvio Rodrígues

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andreia morais

andreia morais

O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá


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asgavetasdaminhacasaencantada
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