STORYTELLER DICE // OS BRINCOS COR DE SOL

Fotografia da minha autoria


«A mais bela e marcante herança»


Os meus olhos brilhavam todas as vezes que abraçava a minha avó Julieta e lhe descobria as orelhas cobertas com os seus brincos cor de sol. Havia algo naquela peça que me hipnotizava e que me fazia prolongar o nosso estreitar de braços, deixando-me serena e segura. E ali estavam eles, uns pequenos raios de luz, que me arrancavam de uma certa inércia, para levarem a minha mente a deambular pelos seus traços mínimos. E a transbordar mistério.

Não sei o porquê de os achar tão fascinantes, mas sonhava com o momento em que a minha avó me considerasse merecedora de os utilizar, nem que fosse por uma noite. Apesar dessa vontade, nunca tive coragem para lhe pedir - e ela nunca os tirava. Sempre pensei que ela não fazia qualquer ideia da minha admiração, até que, minutos antes de sair para o meu primeiro jantar com o Rodrigo, bateu à porta do meu quarto e insistiu em colocar-mos. Senti o meu coração a explodir de felicidade. Uma lágrima descontrolada caiu pelo meu rosto. E aquele nosso silêncio gritou todo o amor puro que nos tínhamos. Compreendo, agora, que talvez não fosse a peça em si que me cativasse. O que me deixava radiante era o facto de te pertencer. Eram os teus brincos, um traço de identidade que todos te sabíamos de cor. E eu queria mantê-lo vivo em mim. Perdoa-me por ter demorado tanto tempo a perceber.

- Meu amor, já chegaram todos. Estás pronta para descer?
- Sim, vou já.

O sorriso a casa de quem tomou o meu coração de assalto, para ficar, envolve-me sempre numa enorme onda de gratidão. O Rodrigo foi o primeiro a reparar no meu brilho. E, por mais patético que pareça, tenho a certeza que foram os brincos a evidenciar a segurança que, por vezes, se deixava camuflar. Obrigada, avó!

Hoje, reunímo-nos à mesa para celebrar a entrada da minha irmã mais nova na faculdade. Fecho a caixa que transporto entre mãos e junto-me à minha fortaleza. Ele acha que eu não reparo, mas eu vi a expressão surpresa do Rodrigo quando me viu de orelhas despedidas. Pisco-lhe o olho. Os brincos já não me pertencem. Cumpriram o seu propósito na minha caminhada, mas agora têm de voar para onde são mais precisos.

- Mafalda, podes vir comigo?
- Claro, maninha!

Haverá sempre um pedaço de sol a brilhar dentro de nós, por mais cerrada - e sombria - que seja a madrugada.

Comentários

  1. Achei o conto, tão mas tão amoroso! Algo escrito dentro dos registos do que também gosto de escrever :)

    Simples, e com várias mensagens subliminares dentro. eu, pelo menos, leio-as.

    Beijinho.

    Bom dia! ;)

    PS- a ver se screvo o meu entretanto; deixo sempre para a última. :)

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    1. Aww, muito obrigada, Alice! Fico mesmo feliz por ler isso *-*

      Publicas sempre a tempo e, de coração, é um gosto ler as tuas histórias

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  2. Os brinco da imagem fazem mesmo lembrar o sol :) este texto fez-me lembrar que quando eu era pequenina também pensava que a minha avó trazia o sol nas suas orelhas :)
    Beijinhos

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    1. Quando calhou o tema deste mês e me surgiu a ideia para o conto, lembrei-me logo deles. Acho que encaixavam bem no texto :)
      Oh, a sério? Que memória tão boa

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  3. Que texto tão bonito, ternurento e emotivo. Gostei tanto de ler, Andreia! Não sei se a história dos brincos da fotografia é a mesma, mas encaixava muito bem! 😊

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    1. Muito, muito obrigada, Joana *-*
      Os brincos da fotografia não têm grande história, mas achei que enquadravam bem nesta

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  4. Que texto tão lindinho! :D

    www.amarcadamarta.pt

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  5. Achei linda a tua crônica!
    Parabéns!
    Acho que alguns objetos devem ser nossos só até o coração mandar. Também dei um anel de esmeraldas que eu adorava para minha sobrinha. Pena que nunca a vi usá-lo.

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    1. Muito, muito obrigada *-*
      Sinto que alguns objetos têm mesmo essa essência transitória, como se fosse um passar de testemunho. E acho que tornam as ligações mais especiais.
      É uma pena, de facto

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  6. Fez recordar tanto o facto de a minha mãe trazer no porta-moedas um par dos últimos brincos que a minha avó estava a usar antes de falecer.

    Há heranças que nos mudam. Adorei a história pela simplicidade de algo tão aconchegante.

    Beijinhos! :*

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    1. Obrigada, minha querida, por partilhares esse dado tão emocional comigo *-*
      Há mesmo, sem dúvida! Muito, muito obrigada

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  7. Oh, que texto mais lindo, gostei
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  8. Tu escreves tão mas tão bem !

    http://arrblogs.blogspot.com/

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  9. lindo texto! temos mesmo que achar essa luz dentro de nós sempre

    www.tofucolorido.com.br
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  10. Tu escreves tão bem, que nos prende à leitura :) parabéns linda.
    Beijinho

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    1. Fico de coração cheio com este retorno! Muito obrigada, minha querida *-*

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  11. Mesmo, meu bem :D E faz uma enorme diferença :D

    gosto tantoooo!! qu lindos :D

    NEW FASHION POST | TRANSPARENCIES? OF COURSE YES, DARLING!
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    1. Completamente :)

      Também achei. São mesmo simples, mas com um toque delicado. E senti que acompanhavam bem este conto

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  12. Que lindos, amei :D

    https://www.submersaempalavras.com/

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  13. Tão amoroso! Por vezes, encontramos esse brilho nas mais pequenas coisas.
    Gostei muito, Andreia :)

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    1. É mesmo a beleza das pequenas coisas ❤️
      Muito obrigada, minha querida!

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