30 ANTES DOS 30 ||
O CEMITÉRIO DOS LIVROS ESQUECIDOS

dezembro 15, 2021

Fotografia da minha autoria

«Recheado de segredos, do qual poucos sabem a existência»

Os livros são janelas abertas para horizontes distintos. São pontes que nos permitem alcançar novos mundos, mesmo quando permanecemos sentados no parapeito, com o manuscrito no regaço. Porque os livros têm o poder de tornar familiar as histórias mais distantes da nossa - e, tantas vezes, mais surreais. E é essa magia que inebria, que nos faz regressar sempre, para descobrir uma nova aventura. E é, também, por esse motivo que me deslumbro tanto com esta arte: porque as palavras escritas levam-nos em viagens intermináveis.

Fiz paragem em Carlos Ruiz Zafón mais tarde do que aquilo que a minha alma de leitora pretenderia, caso soubesse o que estava a perder. Mas, ainda assim, nunca será demasiado tarde para nos perdermos na sua capacidade de contar histórias; na poesia das suas narrativas, que nos envolvem num mistério profundo e nos arrebatam. E, embora o panorama literário tenha ficado mais pobre com a sua partida, em 2020, permanece o seu legado para acalentar o nosso coração e preservá-lo, até ao fim, na nossa memória, homenageando-o.

A verdade é que continuo a ter títulos em falta para estreitar laços com a sua obra, mas sinto que não podia ter iniciado essa jornada da melhor maneira, transportando-me para um universo quimérico, surpreendente e emocional, no centro de uma das cidades que mais ambiciono conhecer: Barcelona. O Cemitério dos Livros Esquecidos é o sonho de qualquer amante de literatura. Por essa razão, sem podermos palmilhá-lo fisicamente, é encantador compreender como as descrições nos permitem desvendar os seus recantos. E seguimos adiante, convictos da sua mestria e sempre expectantes em relação a todos os seus segredos.

Cronologicamente falando, comecei pelo segundo volume - A Sombra do Vento -, que rapidamente se tornou um dos enredos mais bonitos que tive o privilégio de ler. Porém, outro dos charmes desta tetralogia é que cada exemplar é independente, podendo ser lidos pela ordem que quisermos. Não obstante, há um elo que os aproxima, enriquecendo a nossa experiência. Creio que poucas serão as obras com todo este carisma.

A minha opinião sobre A Sombra do Vento já mora nestas gavetas. Mas, agora que deambulei pelos outros três exemplares, tenho algumas considerações particulares acerca d' O Jogo do Anjo, d' O Prisioneiro do Céu e d' O Labirinto dos Espíritos. Transversal a cada um deles mantenho um pensamento singular: fiz uma viagem extraordinária. Foi por livros desta dimensão que me tornei numa leitora assídua. Que obras de arte!

O CEMITÉRIO DOS LIVROS ESQUECIDOS

O JOGO DO ANJO

Avisos de Conteúdo: Toxicodependência, Violência, Morte, Doença

O enredo leva-nos para Barcelona dos anos 20, contextualizando melhor a narrativa que se concentra na família Sempere. Com uma abordagem distinta, mas igualmente misteriosa, senti-me perdida num labirinto de acontecimentos suspeitos, cujo destino parece ser apenas um. E dei por mim, em várias passagens, a partilhar a preocupação e o sufoco das personagens. Em simultâneo, também senti todo o amor que habita nestas páginas - desde os impossíveis àqueles que exaltam o seu lado mais puro. Transmitindo a sensação de ser uma história dentro de outra, mostra-nos o preço e as consequências das nossas escolhas e dos nossos atos. E deixa-nos com uma questão: será que conhecemos, verdadeiramente, as pessoas que nos rodeiam?

«Com a sua ausência, notei pela primeira vez o silêncio que enfeitiçava aquela casa»

O PRISIONEIRO DO CÉU

Avisos de Conteúdo: Demência, Violência, Morte, Linguagem Explícita

Vibrante, misterioso e surpreendente podem ser três das palavras que caracterizam esta narrativa. Com um fosso temporal grande, creio que a viagem ao passado é necessária, atendendo a que nos permite conhecer uma das almas desta tetralogia: Fermín. Ainda para mais, porque nos ajuda a perceber os laços que o aproximam de Daniel - e quais deles não são fruto de um mero acaso. Além disso, abre-nos a porta para uma reflexão acerca das relações interpessoais e dos limites que estamos dispostos a transpor por aqueles que amamos. Com uma aura mais sombria, entendemos que tudo encaixa na perfeição, que há pontas menos soltas e novas perguntas a serem formuladas de imediato. E a história parece estar só a começar agora.

«- As cicatrizes nunca desaparecem, não é verdade?»

O LABIRINTO DOS ESPÍRITOS

Avisos de Conteúdo: Morte, Suicídio, Violência

Neste último volume, unimos as pontas soltas e somos arrebatados pela genialidade de Zafón. Afinal, só um mestre das palavras poderia criar obras independentes, mas que funcionam numa simbiose perfeita. Confesso, porém, que demorei a prender-me a este capítulo final, talvez por dar voz a uma personagem nova. Mas, assim que entrei no ritmo, senti a adrenalina de querer descobrir cada detalhe, até porque é percetível que a mesma história pode ser contada de várias perspetivas. Com foco na corrupção e no tráfico, embarcamos por uma teia de intrigas impressionante. Esta viagem foi mesmo intensa e emocional. E o final deixou-me sem palavras.

«As recordações que enterramos no silêncio são as que nunca deixam de nos perseguir»

Fechei os livros e, com eles, o portal para um mundo encantado, absolutamente mágico. Adiei a despedida ao máximo, porque o Cemitério dos Livros Esquecidos conquista-nos de um modo muito especial. Contudo, era inevitável fazê-lo, ainda que saiba que não mais esquecerei as suas histórias. Por isso, hei-de volta a esta Barcelona. A estas personagens. E sei que me voltarei a apaixonar por tudo como se fosse a primeira vez.