ALMA LUSITANA
A AVÓ E A NEVE RUSSA, JOÃO REIS

Fotografia da minha autoria



«As folhas caídas das árvores giram à minha volta com o vento»


Avisos de Conteúdo: Referência a Morte, Abandono, 
Chernobyl, Holocausto e Doenças Terminais


A simples ideia de perda pesa, porque conceber um mundo onde já não estejam as nossas pessoas é doloroso, sobretudo, quando o fazemos de um ponto de vista de uma criança, obrigada a crescer demasiado rápido, sem ninguém que lhe embale as dúvidas e as dores. É este o cenário encontrado no livro de João Reis.


SOFRER DE SENTIMENTOS

A Avó e a Neve Russa encaminha-nos por realidades complementares: a de Babushka, uma idosa que sobreviveu ao acidente nuclear de Chernobyl, mas cujos efeitos se manifestam numa doença, e a do seu neto, de dez anos, que não só «precisa de encontrar uma solução para os pulmões destruídos» da avó, como também tenta devolvê-la ao presente. Neste alinhar de fronteiras, nota-se a tentativa de encontrar um final feliz.

«Devemos preparar-nos para alguma solidão, para depois não ficarmos mais tristes 
e desfeitos em nervos quando perdemos a família ou os amigos»

A narrativa desarmou-me pela relação familiar ternurenta, pelo deslumbramento, pela inocência e pela travessia emocional. A forma como o protagonista - tão peculiar e carismático - assume a missão de cuidar da avó, unindo memórias e partindo numa demanda que reúne medicina tradicional, medicina alternativa e um salto de fé, é absolutamente comovente. Por outro lado, esta história aconchegou-me pelo amor visível nos comportamentos mais subtis, pelas observações tão distintas e pelo humor interligado à escrita do autor.

«O sorriso é cada vez maior; os olhos também sorriem. Há comunicação sem palavras (..).»

O olhar que esta criança tem do mundo, aliado à curiosidade e à necessidade de lutar por alguém que lhe é tanto, permite-lhe explorar uma série de conceitos importantes, ainda que não os aplique corretamente no seu quotidiano. Em consequência disso, há um jogo linguístico, fruto de mal-entendidos, que mostra bem o quanto a sua jornada é antagónica; mostra o quanto é um menino a tentar entender o universo dos adultos, mas sem uma voz que o ampare, que o faça acreditar que não precisa de carregar o peso do mundo nos ombros.

«Pobrezinha, é uma flor inocente num canteiro de terra escura debaixo de uma janela enorme»

Preferia, ainda assim, que os seus pensamentos tivessem outra contextualização, porque algumas reflexões pareceram-me algo desfasadas da idade e do próprio conhecimento que conseguia absorver através de vínculos familiares e/ou educativos. Por força das circunstâncias, cresceu depressa e teve de condensar sonhos e futilidades, porque a preocupação era outra, entendo isso e entendo, inclusive, o charme de construir a personagem nestes contornos, só gostava que o foco maior continuassem a ser a peregrinação deste neto.

«(...) sem que ninguém veja, pouso a minha mão na sua, 
para que saiba que não vive nem sofre em solidão»

A Avó e a Neve Russa é narrado na primeira, num misto de coragem e candura. Tem momentos tristes, de espontaneidade e de divertimento, porque consegue debater assuntos sérios e, de seguida, envolver-nos em detalhes amorosos, pela pureza e comunicação do protagonista. Levando-nos a pensar sobre abandono, medo e solidão, também sentimos o valor da amizade e da esperança. Além disso, esta «alma velha», do alto dos seus dez anos, mostra-nos que o amor é poderoso e que há memórias que não o bálsamo que nos agrega.


🎧 Música para acompanhar: A Explicação das Estrelas, Rui Veloso & J. P. Simões


Disponibilidade: Wook | Bertrand

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14 Comments

  1. Fiquei mesmo com vontade de ler este livro. Deve ser fantástico.
    Vou levar a sugestão.
    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Foi a minha estreia na obra deste autor e fiquei com vontade de ler mais. Nem tudo funcionou comigo, mas, mesmo assim, é um livro fabuloso!
      Beijo grande, minha querida

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  2. Fiquei com muita vontade de ler pois este tema interessa-me bastante...

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    1. A premissa é interessante e o protagonista é dos mais amorosos de sempre

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  4. Olá! Fiquei curiosa com este livro que desconhecia...

    Beijos e abraços.
    Sandra C.
    Bluestrass

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  5. Hum, me parece ser mais uma boa opção para conhecer, mas ainda não conhecia
    Beijinhos
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    Tem Post Novos Diariamente

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    1. Tem uma narrativa encantadora e um protagonista inesquecível!

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