CAIXA MÁGICA ◾ EMÍLIA

Fotografia da minha autoria



«Somos mais nós ou o sítio onde nascemos?»


A premissa prometia uma série «sobre a ansiedade de crescer na era digital» e eu fiquei para descobrir a abordagem. Se, no início, pensei fasear os episódios, após terminar o primeiro, percebi que teria de maratonar Emília, porque o projeto revelou-se extraordinário, com o equilíbrio certo entre a reflexão e a trivialidade.


SOBRE A SÉRIE

Emília tinha um sonho: ser a melhor bailarina do mundo. O problema é que nunca fez algo para o concretizar, porque, consciente ou inconscientemente, entrou numa espiral de autossabotagem. Aliado a isso, também encontrou entraves económicos e familiares, que a impediram de almejar um futuro nesta área que a fascina.

Com 25 anos, a trabalhar numa bomba de gasolina e a viver com a mãe, começou a comparar-se a outra rapariga, bailarina de uma companhia conceituada, que segue nas redes sociais, e a questionar-se sobre a sua vida, sobre a ideia de esta «ser só uma versão inferior» daquela que sempre idealizou. É neste debate constante que acompanhamos a jornada da protagonista - a transitar entre o conformismo e a vontade de agir.


MOTIVOS PARA VER EMÍLIA

A narrativa inquieta por se centrar numa questão cada vez mais pertinente. É que viver em rede pode ser maravilhoso, pelos inúmeros estímulos que coloca à disposição, mas também pode potenciar uma certa pressão para corresponder a uma imagem padronizada, porque tudo o que se distancia disso perde relevância.

Achei mesmo interessante que explorasse a sensação de invisibilidade e de vulnerabilidade, que colocasse em discussão o medo de falhar, o limbo entre a tendência para nos conformarmos e a urgência da mudança e que mostrasse como é que a estrutura familiar consegue exercer tanta influência nas nossas decisões e na nossa autoestima. Em simultâneo, é curioso como vai deixando pontos de reflexão subtis, como o facto de estarmos tão fixos na perceção de que os outros são extraordinários em tudo, que nem percebemos que não são perfeitos, que também eles têm dificuldades e que, inclusive, podem invejar algo que sabemos fazer. No fundo, vamos compreendendo que a nossa observação é sempre condicionada por aquilo que queremos ver.

O argumento tem movimento. Aliás, Filipa Amaro inspirou-se na dança contemporânea «como roldana que faz girar o enredo», porque considera «muito interessante conseguirmos pôr as personagens a dizer coisas com o corpo que não conseguem dizer com a voz». E é nesta dança singular que estreitamos tantos passos.

Há algo de catártico na coreografia que se constrói ao longo dos episódios, atendendo a que vai ao âmago dos nossos demónios e que permite ultrapassar várias barreiras: físicas, sociais, emocionais. Na tentativa de descobrir a sua verdadeira identidade, Emília vê o seu caminho a cruzar-se com o de Rosa, a bailarina que idolatra atrás do ecrã, e entende que, no aparente mundo que as separa, partilham inúmeras semelhanças.

Olhar o outro sem o peso da comparação é um processo moroso, que pode impedir-nos de tentar. Esta série é sobre isso e sobre ganhar coragem para lutar, para cair e não desistir; para deixarmos de estar dormentes.

Emília tem um tom cómico, cenas comoventes e um dialeto no qual nos conseguimos reconhecer, porque explora dúvidas transversais. Com um elenco menos conhecido e uma atenção ao detalhe surpreendente, fica claro que precisamos uns dos outros, para nos motivarmos e para mostrarmos as versões que nos habitam. Além disso, é notório que não temos de ficar sempre para depois: podemos trabalhar as inseguranças, assumir que não somos perfeitos e perseguir o que queremos, porque os nossos sonhos continuam a ser válidos.

Comentários

  1. Desconhecia completamente esta série e fiquei mesmo curiosa.
    Vou procurar para ver.
    Obrigada pela partilha, minha querida.
    Beijinho grande!

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    1. Salvo erro, começou a ser transmitida, na Rtp, na semana passada, mas está toda completa na Rtp Play

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  2. Estou a gostar tanto desta serie *.* Faz pensar tanto...

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  3. Ainda não vi, mas já passei por ela e fiquei bastante curiosa!

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram | Youtube

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    1. Gostei bastante, Francisco. Acho que está mesmo interessante
      Obrigada e igualmente

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  5. Confesso não ser fã de filmes e muito menos de séries. Elogio quem goste.
    .
    Um dia feliz ... abraço.
    .

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    1. Nem todos os formatos nos fascinam, é perfeitamente natural

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  6. Posso dizer que não conhecia de todo, mas me parece ser uma boa opção para ver
    Beijinhos
    Novo post
    Tem Post Novos Diariamente

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    1. Se tiveres curiosidade, acho que é uma excelente opção - para maratonar ou não 😁

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  7. Estava mesmo a precisar de uma série da rtp play para assistir 😱 pensei nisso há dois dias, com a terceira temporada de pôr do sol em mente 🤣 e eis que leio a tua crítica sobre Emília, uma que desconhecia heheh gostei particularmente do tema, pois estou a viver uma fase muito semelhante à do tema da série.... Penso que me ajudará compreender melhor o que tenho sentido! 🫶🏽

    Beijo grande,
    Lyne, Imperium Blog

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    1. Pôr do Sol também é uma excelente opção 😂
      Acho que ias gostar de ver, sendo assim. Emília está incrível, porque consegue tocar em temas sérios, mas de uma forma descomplicada e com muito humor à mistura. Há quase um traço de surrealidade na maneira como as personagens se aproximam e como colocam tantas entraves na sua convivência. E, depois, é muito próxima, quase que nos sentimos no meio da ação

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