LIVROS DE AUTORES PORTUGUESES COM
INÍCIOS INESQUECÍVEIS
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Fotografia da minha autoria |
«(...) eu arranjaria maneira de ali encontrar um livro»
O que me faz ficar num livro é, muitas vezes, a primeira frase: aquela promessa sedutora de quem nos quer mostrar o mundo num segundo, mas sem nos revelar o quanto escondem, ainda assim, as suas palavras; é aquele bater descompensado do peito que nos impulsiona a avançar, porque é maior a vontade da descoberta.
A Sofia (@ensaiosobreodesassossego), há pouco tempo, partilhou livros com inícios inesquecíveis, daqueles que reconhecemos sem dificuldade, por mais obras que se cruzem no nosso caminho. É claro que esta dinâmica é subjetiva, porque há um vínculo afetivo que nos orienta e que, por isso mesmo, nos faz observar as narrativas com outro enlace. No entanto, fiquei a pensar neste tópico e fiz mais uma visita às minhas estantes.
As paragens foram bastante intuitivas, porque estes livros, para mim, começam de uma maneira memorável.
NO TEU DESERTO, MIGUEL SOUSA TAVARES
«(No fim, tu morres. No fim do livro, tu morres. Assim mesmo, como se morre nos romances: sem aviso, sem razão, a benefício apenas da história que se quis contar. Assim, tu morres e eu conto. E ficamos de contas saldadas)».
DEIXA-ME ENTRAR NA TUA VIDA, MARGARIDA FONSECA SANTOS
«- Não te parece uma boa ideia?
Parecia, sim, mas hoje não consigo explicar esta inquietação que se apodera de mim e me faz vacilar. Aceitei partilhar este espaço contigo, como poderia não aceitar? Estaríamos a resolver tantos problemas de uma vez: o teu luto sofrido, que te arrasta há anos, que me arrasta contigo, o meu novo emprego, a tua solidão, a minha deslocação para a cidade, a tua quase vida, a minha quase não vida, o teu problema, o meu problema em estendê-lo. Aceitei, claro que aceitei».
Parecia, sim, mas hoje não consigo explicar esta inquietação que se apodera de mim e me faz vacilar. Aceitei partilhar este espaço contigo, como poderia não aceitar? Estaríamos a resolver tantos problemas de uma vez: o teu luto sofrido, que te arrasta há anos, que me arrasta contigo, o meu novo emprego, a tua solidão, a minha deslocação para a cidade, a tua quase vida, a minha quase não vida, o teu problema, o meu problema em estendê-lo. Aceitei, claro que aceitei».
AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE, JOSÉ SARAMAGO
«No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspetos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e noturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada».
DEBAIXO DE ALGUM CÉU, NUNO CAMARNEIRO
«Uma história são pessoas num lugar por algum tempo. As margens da página, como o silêncio, estabelecem limites certos para que um conto não se confunda com o que não lhe pertence. Pode contar-se uma história enchendo uma caixa vazia ou desenhando paredes à volta da gente. Esta é uma história de portas adentro».
BRINCADEIRAS DE IRMÃS, MARIA JOSÉ DA SILVEIRA NÚNCIO
«Odeio-te, sabes? És minha irmã e, ainda assim, odeio-te, sabes? Não, é claro que não sabes! Como poderias sabê-lo? Adivinha-lo, ao menos? Alguma vez o adivinhaste, enquanto, e por tua insistência apenas, brincávamos com a casa-de-bonecas, da qual, aliás, eu nunca gostei? Ou enquanto corríamos pelo jardim daquela que foi a nossa casa, e que hoje, felizmente, já não existe?»
A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS, VALTER HUGO MÃE
«somos bons homens. não digo que sejamos assim uns tolos, sem a robustez necessária, uma certa resistência para as dificuldades, nada disso, somos genuinamente bons homens e ainda conservamos uma ingénua vontade de como tal sermos vistos, honestos e trabalhadores. um povo assim, está a perceber. pousou a caneta. queria tornar inequívoca aquela ideia e precisava de se assegurar da minha intenção».
MYRA, MARIA VELHO DA COSTA
«Myra atravessou os carris desconjuntados em direcção ao mar.
Cresciam ervas e tojo e havia chorões apodrecidos nas juntas e as traves e ferros estavam negros das marés vivas sujas de crude. Corria contra o vento, procurando saltar as arestas de cascalho e os cacos de vidro, pulando alto a entreter o frio e o seu desgosto».
ONDE CANTAM OS GRILOS, MARIA ISAAC
«Quando os dias são passados na rotina de uma paisagem familiar e silenciosa, um momento de alvoroço fica guardado nas lembranças de uma vida. E quando se é uma criança de pouco mais de dez anos, se anda descalço grande parte do ano para não estragar os sapatos bons, que ganham pó debaixo de uma cama de colchão de palha, esse dia de alvoroço pode muito bem ser o dia escolhido para iniciar a história da sua vida».
FLORES, AFONSO CRUZ
«Estava junto aos escombros do meu pai, com os restos dos nossos sentimentos à deriva. O meu corpo ainda dizia o nome dele muito baixinho, como se fosse sangue a correr nas veias. As lágrimas não caíam, ficavam suspensas numa antecâmara qualquer do coração ou lá de que lugar é esse onde as lágrimas são laboriosamente fabricadas».
A BREVE HISTÓRIA DA MENINA ETERNA, RUTE SIMÕES RIBEIRO
«Aqui digo
De uma aldeia de seda nasceu uma menina de luz
Da luz que tinha, o fim dela não se via
E do fim ela não sabia»
12 comments
Adorei qualquer uma das frases. Excelentes inícios. Arrepiou-me o início do livro do Miguel Sousa Tavares, e o do Valter Hugo Mãe.
ResponderEliminarBeijinho grande, minha querida!
Sinto que são mesmo começos impactantes!
EliminarBeijo grande, minha querida
Mais sugestões que vou levar! temos que aprender a valorizar os nossos autores!
ResponderEliminarBjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram | Youtube
Temos autores maravilhosos, de facto
EliminarJa te disse que esse do VHM fez o meu Rui chorar quando veio ca ao UK na viagem que ia fazer com que viessemos emigrar para ca? Ando a arranjar tempo e coragem para o ler pois sei que é um livro que merece todo o respeito *.*
ResponderEliminarÉ um livro extraordinário, aconselho-o muito
EliminarSomente conheço AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE, JOSÉ SARAMAGO 📕
ResponderEliminarGostei de ler os outros inícios.
Oww, que bom 😍
EliminarQue acaba por ser mais umas boas sugestões para conhecer
ResponderEliminarBeijinhos
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Fico contente por saber isso, Sofia
EliminarGreat article and good review. I followed your blog now. Thx
ResponderEliminarThanks, Vicky!
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