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A banda sonora de uma viagem literária


A playlist literária de agosto ficou mais extensa do que pensei, porque, embora seja um período de férias, não costuma ser um mês de muitas leituras. Este ano, a dinâmica foi diferente e tive uma viagem fascinante, que me permitiu descobrir novos artistas, novos projetos e reencontrar-me com sonoridades que já são da casa.


O CULTIVO DE FLORES DE PLÁSTICO, AFONSO CRUZ
Lili e os Caracóis, M-Pex ▫ A associação CASA teve em cena a peça de teatro «O Cultivo de Flores de Plástico», texto de Afonso Cruz. M-Pex compôs todos os temas da banda sonora, compilados num álbum com o mesmo nome. Portanto, na altura de escolher uma música para acompanhar a leitura, fez-me todo o sentido que fosse uma destas. Depois de escutar as melodias, tendo em conta que Lili é uma das personagens da história, senti uma ligação imediata.


LEME, MADALENA SÁ FERNANDES
Turbilhão, Toquinho & Vinicius ▫ «O que eu mais gostava era de andar nesse carro com a minha mãe. Púnhamos sempre o mesmo CD a tocar, Vinicius de Moraes com Toquinho», não sei se esta passagem entra no capítulo das memórias verídicas ou se foi construída para a narrativa, o certo é que gostei desta imagem, desta certeza de terem algo tão delas. Por isso, fui à procura de um tema de ambos os artistas e escolhi aquele cujo título, sinto, expressa bem as suas vidas. Embora a letra apresente uma leveza que nem sempre vivenciaram, perderam-se «neste turbilhão», mas também fizeram tudo o que pediu «esse seu coração».


VAMOS TODOS MORRER, HUGO VAN DER DING
Love Is a Dreamer, Josephine Baker ▫ Uma das personalidades apresentadas neste livro é, precisamente, Josephine Baker. Fiquei tão fascinada com a biografia e com a sua luta, que achei por bem associá-la, musicalmente, à leitura. Dentro das possibilidades, foi este o tema que me marcou e, como sinto que era o amor que a movia, acho que combina bem.


RAPAZES DE ZINCO, SVETLANA ALEXIEVICH
трава возле дома, Zemlyane ▫ Segundo a nota de rodapé, o título desta música, traduzido, é Relva Junto a Casa e é sobre a saudade que os cosmonautas sentem longe de casa. Para além de ser uma canção mencionada no livro, acho que saudade é mesmo um elo que une todos os protagonistas: saudade da vida que tiveram, saudade do que era familiar, saudade das pessoas que foram e que já não reconhecem ser, saudade daqueles que partiram e não tiveram uma despedida apropriada e, claro, saudade de quem regressou, mas se perdeu pelo caminho, porque não é possível passar por uma situação desta magnitude e permanecer igual.


TRÊS MULHERES NO BEIRAL, SUSANA PIEDADE
Porto, Emmy Curl ▫ A cidade Invicta é o palco desta narrativa e é fascinante perceber como é que o seu retrato, a sua essência, todos os seus traços se interligam à vida e à histórias das personagens. «Colecto sombras, sentimentos que ficaram», sinto, é um verso que traduz bem o sentimento da protagonista, porque, ao guardar tudo e todos aqueles que ficaram, de uma maneira ou de outra, «descobre sítios que nunca há-de esquecer». Além disso, a letra de Emmy Curl leva-nos numa viagem pelo Porto e pelas emoções de um sujeito poético que vive e que pensa sobre tudo o que vive, um bocadinho à semelhança de Piedade. É a carga emotiva que combina tão bem estas duas manifestações artísticas.


PEQUENA COREOGRAFIA DO ADEUS, ALINE BEI
Travessia, Milton Nascimento ▫ Júlia, a protagonista do livro de Aline Bei, viveu toda a sua vida numa travessia, a lutar contra os fantasmas do passado, a procurar por conforto e amor, a tentar colar os cacos em que a sua vida se transformou. Ao escutar a canção de Milton Nascimento, senti que estava perante uma extensão da narrativa, principalmente, quando ouvi os versos «minha casa não é minha/E nem é meu este lugar/Estou só e não resisto» e, ainda, «Meu caminho é de pedra/Como posso sonhar?». Mesmo de coração fragilizado, quis «amar de novo» e nunca desistiu.


ENTALADOS, FILIPA BELEZA
Marcha da Greta, Mão Verde ▫ O livro da Filipa Beleza mostra-nos as incoerências do ser humano em relação aos cuidados a ter com o planeta. Por isso, lembrei-me do projeto Mão Verde, que pretende abordar questões ecológicas junto das crianças, das famílias e da comunidade escolar. Após percorrer a lista de temas, este pareceu-me o mais adequado, porque nos confronta com um exemplo de alguém que, de facto, procura fazer a diferença no dia a dia.


UM MURO E UMA CERCA, ELISABETE MARTINS DE OLIVEIRA
Tourada, Fernando Tordo ▫ Uma escolha emocional, porque está associado a um dos momentos mais comoventes, para mim, deste enredo. E porque o sinto como o ponto de viragem entre a ligação dos protagonistas.


A ÚLTIMA COISA QUE ELE QUERIA, JOAN DIDION
Carousel, Melanie Martinez ▫ «Round and round like a horse on a carousel» foi mais ou menos como me senti durante toda a leitura, porque dei voltas e mais voltas para conseguir acompanhar o enredo. «I'm stuck», porque, ainda assim, queria mesmo compreender o que tinha acontecido - spoiler alert: não aconteceu, porque perdeu-se em linhas paralelas confusas, para mim.


MARY JOHN, ANA PESSOA
Maria e João, Nara Leão & Chico Buarque ▫ Uma associação pela ligação de faz de conta, pela possibilidade de ser tanta coisa, em momentos distintos da vida. Além disso, pela melodia, transportei-me para a praceta mencionada no livro, ao final do dia, onde havia sempre tanto a acontecer.


TRIBUNA NEGRA, CRISTINA ROLDÃO, JOSÉ AUGUSTO PEREIRA & PEDRO VARELA
Little Girl Blue, Nina Simone ▫ Ocorreu-me este tema, porque parece que Nina Simone nos vai contar uma história e, neste livro, nós ficamos a conhecer a história do movimento negro em Lisboa. Além disso, ao ler a letra, há versos como «What can you do», «It's time you knew/All you can ever count on» ou «You might as well surrender» que se interligam à energia da obra. Este coletivo não se rendeu, não a 100%, mas foi percebendo com o que poderia contar, face a todas as adversidades que se cruzaram no caminho.


OS MEUS SENTIMENTOS, DULCE MARIA CARDOSO
People Watching, Conan Gray ▫ Foi pelo verso «That wasn't funny, but she laughed» que senti que seria uma boa correspondência. Porque esta música mostra um traço de fingimento que também se encontra na narrativa, porque, para além disso, acho que a protagonista experienciou «todo esse amor e emoções», porque, suspensa, ficou a observar pessoas e, sobretudo, fragmentos da sua vida. E procurando viver através dos seus fantasmas, continuou com esperança de que fosse tudo diferente.


OBRAS COMPLETAS VOLUME V, MARIA JUDITE DE CARVALHO
Flor Sem Tempo, Paulo de Carvalho & Diogo Piçarra ▫ Ao olhar para os títulos que compõem este volume, juntei «tempo» e «flor» e lembrei-me do tema de Paulo de Carvalho. Se é a associação que encaixa melhor? Em parte, acho que sim, por este jogo de palavras e por, ao ouvir a letra, sentir que o sujeito poético também observa muito o que o rodeia, tal como Maria Judite de Carvalho.


A NATUREZA DA MORDIDA, CARLA MADEIRA
Dor Elegante, Itamar Assumpção ▫ Uma citação que destaco neste livro é «Um homem com uma dor é muito mais elegante», que pertence a Paulo Leminski e foi musicada por Itamar Assumpção. Ao escutar a letra, percebi que cada verso lhe está à medida: 1) porque há muita dor nesta narrativa, mas é tudo descrito com elegância; 2) «sofrer vai ser a minha última obra» e, em boa verdade, foi, uma vez que não houve uma única personagem que não sofresse. Não sinto que a intenção fosse transportar a mágoa como um mártir, simplesmente, há feridas que não sabemos como fechar.


RECOLHA DE ALEXANDRIA, AFONSO CRUZ
Quase Nada Sei, Francisco Moreira ▫ «São tantas ruas, becos e vielas (…) Abertas para o resto da nossa vida (…) Tanta coisa para viver e sentir (…) A cada dia sinto a descoberta» são tudo versos que espelham aquilo que senti ao ler este livro de Afonso Cruz. Pertencendo à Enciclopédia da Estória Universal, este volume, tal como os outros, esconde muitos mundos paralelos e eu fico sempre na dúvida entre o que pode ser real e o que pode ser imaginado. Por isso, há sempre essa sensação de desconhecimento e de descoberta, há sempre essa sensação de imensidão, de haver tanto, que nenhum dia será igual.


A HISTÓRIA DE ROMA, JOANA BÉRTHOLO
En El Último Trago, Chavela Vargas ▫ A música só podia ser esta: porque pertence à história e porque a melodia me transporta para as ruas de um lugar que não conheço, mas que, pelas palavras de Joana Bértholo, se torna próximo. Além disso, acompanha as dores descritas na narrativa, o peso daquilo que se devia esquecer e permanece tão presente e o sofrimento de várias despedidas - mesmo indecifráveis.

Comentários

  1. Adoro esta tua ideia de associar músicas às leituras.

    Vou guardar a playlist para ouvir mais tarde.

    Beijinho grande, minha querida!

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  2. Estou de acordo com a Ana a ideia de associar músicas ás leituras é fantástica.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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    1. Fico muito contente por ler isso, Francisco, obrigada!
      Continuação de boa semana

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  3. Ja te disse que adorei esta ideia? *.* Vou usar a tua playlist para me fazer companhia enquanto trabalho :) Muito obrigada pela partilha :)

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    1. Awww, que retorno tão bom 🥺 espero que te faça uma ótima companhia

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  4. Como é tão bom essa ideia de ler e ouvir uma boa musica
    vou levar a dica
    Beijinhos
    Novo post
    Tem Post Novo Diariamente

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