uma tentativa falhada de reviews relâmpago sobre livros interessantes, mas que não me arrebataram

Fotografias da minha autoria



As leituras oscilam, porque nem todos os livros se alinham connosco. E existem vários motivos que o justificam: desde não nos identificarmos com a escrita até não ser o momento ideal para descobrirmos aquela história. Faz tudo parte do processo e estou em paz com isso. Por esse motivo, é natural que me vá cruzando com livros que até são interessantes, com potencial, mas que não me chegam a arrebatar, como é o caso dos quatro exemplares que trago hoje. 

Por um lado, não queria dedicar uma publicação individual a cada um dos livros, mas, por outro, não queria deixar de escrever algumas palavras. Assim, decidi fazer uma compilação de reviews relâmpago - um pouco falhada, devo admitir, porque acabei por desenvolver um pouco mais a minha opinião, mas a essência está lá.


vinil rubro, mário freitas & alice presto

Vinil Rubro lê-se num piscar de olhos, até porque só tem dezasseis páginas. Contudo, parece-me um retrato muito fidedigno da dor e do limbo em que se torna a nossa vida, quando temos de superar uma separação amorosa. Neste processo, é percetível que há pessoas que se colam à nossa pele, quase como se fossem uma extensão de quem somos, tornando difícil esquecê-las, ainda que a rotina nos encaminhe nesse sentido.

Achei a arte gráfica muito mais interessante do que o texto em si, admito, porque as cores, o movimento do desenho e o jogo de luz e de sombra tornam o sofrimento da protagonista quase palpável. As palavras ajudam, claro, mas creio que precisavam de ser mais aprofundadas, para que o equilíbrio fosse maior entre as duas linhas de comunicação. Ademais, as ilustrações permitem-nos preencher o que fica por dizer.

Um outro aspeto que achei curioso foi que, apesar de o tom da narrativa ser mais dramático, mais pesado, há um traço de sedução, que talvez surja pelo impacto da música, pela necessidade de quebrar as amarras e de recuperar as rédeas do presente. No meio de toda a tristeza, de todos os tormentos, assistimos a um grito de libertação, a uma catarse. Não obstante, quando terminei a leitura, fiquei a pensar que a podemos interpretar de perspetivas distintas. Ou seja, nós temos acesso ao que nos é relato pela personagem feminina, mas há mais duas vozes que podemos considerar para o efeito: a razão estará no lado de quem? Será que existe mesmo uma vítima e um culpado?

O enigma começa logo pela capa e rapidamente compreendemos que nos espera uma noite longa, alimentada pela solidão, pelo desejo de um reencontro, pelas incertezas, pelas feridas que continuam abertas, a pesar e pela manipulação. Através de uma canção que marca o ritmo, viajamos ao âmago do ser humano, que tão depressa sucumbe ao abismo da perda e da ausência, como também procura renascer da mágoa.

Vinil Rubro confronta-nos com uma alma atormentada. Não temos um nome, nem sabemos bem o que nos espera, mas talvez por isso nos consigamos identificar. Porque, tendo em conta a realidade descrita, cada leitor terá a sua experiência.

🎧 Música para acompanhar: I’ve Got You Under My Skin, Frank Sinatra



portugal em ruínas, gastão de brito e silva

Portugal em Ruínas é, nas palavras de Vítor Serrão, responsável pelo texto introdutório, uma história cripto-artística do património construído. Na sua dissertação, analisa várias questões que transitam entre a memória, o valor artístico, o esquecimento e a aura perdida. As construções arquitetónicas não fogem à sina do tempo: também envelhecem, definham, por esse motivo, necessitam de condições de preservação. Ainda que isso não inviabilize o desgaste, pelo menos, impede o desaparecimento.

O discurso é eloquente, mas nem sempre me pareceu o mais acessível, perdendo-se em reflexões que, para mim, não acrescentaram assim tanto à leitura. Ademais, senti falta de uma partilha mais detalhada acerca das razões que levaram ao abandono de certos edifícios/certas estruturas, para não ficar algo tão generalizado, mas também compreendo que essa informação possa não estar disponível. Não obstante, acredito que traz para o centro da discussão o papel dos historiadores de arte e dos técnicos do património cultural, que terão uma voz ativa na valorização das construções, a urgência de criar medidas de salvaguarda e as «valências qualificantes» que se esgotam, quando estas unidades perdem utilidade e parecem transformar-se em pó.

Posteriormente, embarcamos naquela que é a figura central deste livro: as fotografias de Gastão de Brito e Silva, divididas em quatro partes: Património Eclesiástico, Património Militar, Património Civil e Património Industrial. Esta curadoria ficou à responsabilidade de Ângela Camila Castelo-Branco, cuja seleção não só comprova a versatilidade das obras, como também nos mostra que o panorama é mais extenso.

Parece-me que Portugal em Ruínas é mais um ponto de partida do que o espelho de toda a situação. Ainda assim, não deixa de ser um alerta valioso, não deixa de nos consciencializar para a necessidade de inverter a narrativa. Com um tom ora crítico, ora nostálgico, reforça o quanto o património é uma extensão da nossa identidade.

🎧 Música para acompanhar: Terra Ardida, Diabo na Cruz



esquerda e direita: guia histórico para o século xxi, rui tavares

Esquerda e Direita: Guia Histórico para o Século XXI nasceu de duas conversas: a primeira, realizada «a convite do eurodeputado Carlos Coelho na Universidade de Verão da organização de juventude do seu partido»; a segunda, realizada «na Universidade de Coimbra, a convite dos estudantes da Faculdade de Direito». Apesar de ter existido alguma polémica em relação aos dois debates, o certo é que importa compreender os argumentos que procuram apelar «à superação» desta divisão.

Começo por assumir, antes de tudo, a minha lacuna nesta ciência. Embora tenha conhecimentos básicos, nunca me escudei o suficiente para conseguir manter uma conversa aprofundada, para conseguir discutir com um teor mais técnico, se é que posso colocar as coisas nestes termos. Portanto, as minhas observações são sempre de um ponto de vista mais leigo, mais sustentado naquilo que é, para mim, o senso comum e os valores que defendo. Por oposição (ou talvez não), compreendi cedo que me posiciono e me revejo muito mais à esquerda. Neste sentido, achei que a obra do Rui Tavares poderia ser uma forma interessante de colmatar algumas falhas pessoais.

Seria impensável terminar esta leitura a achar que estaria pronta para um debate político, nem era esse o suposto, mas sinto que foi um bom ponto de partida, porque nos contextualiza em relação à origem e porque nos permite compreender os parâmetros em que esquerda e direita se cruzam e se distanciam. Além disso, achei interessante que Rui Tavares começasse o seu discurso de um modo neutro, mas sem esconder que, a dado momento, o encaminharia para a sua ideologia política.

Explanando cenários tão pertinentes como «o ar de família», os erros do século XX, o futuro progressista e o próprio poder da sociedade, achei curioso como uma aparente casualidade foi capaz de mudar tanta coisa. Ainda assim, talvez pelo formato conciso, Esquerda e Direita: Guia Histórico para o Século XXI nem sempre apresenta o tom mais acessível, mas é daqueles livros que nos acrescentam e aos quais podemos regressar.

🎧 Música para acompanhar: Inquietação, José Mário Branco



os anos, annie ernaux

Os Anos estende-se «por um período que vai de 1941 a 2006» e cruza não só os anos de vida de uma mulher, mas também os de um país, unindo-os fotografias, canções, filmes, objetos e eventos históricos. Portanto, a autora apresenta aqui uma autobiografia desconstruída e acho que foi isso que me atraiu tanto.

Infelizmente, este livro não funcionou comigo, talvez por estar à espera de encontrar outra abordagem. Estava consciente que Annie Ernaux poderia não ser o centro destas memórias, mas achei que a sua voz estivesse mais presente nas recomendações, na maneira como determinados acontecimentos a marcaram. Verifiquei isso em algumas entradas - e, nessas, conseguiu deslumbrar-me -, mas contava que essa visão intimista se revelasse transversal.

Há tópicos interessantes e uma certa nostalgia, até porque este período de mais de sessenta anos foi palco de inúmeras mudanças, mas confesso que desmotivei um pouco durante a leitura. Se, por um lado, surpreendeu-me a sua capacidade de olhar para experiências pessoais como se estivesse de longe, fora do seu corpo, por outro, não me senti próxima do tom um pouco altivo e cínico que senti em algumas reflexões, nem das generalizações. Isso fez-me oscilar quase como se estivesse a ler uma obra com diferentes autores.

Os Anos traça um retrato com várias referências culturais e históricas, mas fiquei com a impressão que apenas queria listar coisas. E eu gostava que mergulhasse nelas.

🎧 Música para acompanhar: Mambo Italiano, Dario Moreno

Comentários

  1. "Os Anos" da Annie Ernaux é um livro que me parece sempre ser tão interessante mas que raramente entra na lista de favoritos das pessoas, é pena. "O Acontecimento" de momento chama mais por mim

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    1. A premissa é muito interessante e gostei como fez uma autobiográfia desconstruída, mas estava à espera de encontrar uma voz mais presente.
      Honestamente, se voltasse atrás, teria ido para O Acontecimento. Talvez me aventure mais tarde

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  2. É sempre complicado escrever sobre livros que não nos enchem as medidas.

    Achei esta publicação muito interessante. Bem pensada.

    Beijinho grande, minha querida 😘

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    1. Sobretudo, quando queremos tanto que nos arrebatem. Mas faz parte 😊
      Obrigada, minha querida!

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  3. Vou mandar vir o do Rui Tavares, ainda hoje um amigo meu recomendou 🙏 Ja vai na 7a edição, e vale pela mensagem que jamais deve ser esquecida 🇵🇹
    Adorei o titulo do post!
    Tily 💛

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    1. Acho que é um excelente ponto de partida, ainda que o tom não seja sempre o mais acessível. Mas vale a pena 😊
      Obrigada, minha querida!

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  4. Nunca li nenhum desses, mas concordo contigo; nem sempre estamos no espírito certo para ler determinado livro. Talvez no futuro os releias e até gostes mais. 🤗

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    1. Sim, sem dúvida. Há livros que não são mesmo para nós, mas outros só foram lidos no período errado, faz parte

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