o meu pai voava, tânia ganho
Fotografia da minha autoria |
Gatilhos: Luto, Alzheimer
O luto tem formas curiosas: todos nós já o experienciamos de alguma maneira, em relação a algo ou a alguém, mas, por mais que seja uma vivência transversal, por mais que sejamos capazes de identificar a dor do outro, por mais que lhe reconheçamos o vazio, o abismo, nenhum luto é igual. Ninguém sente como nós. Eu acho que continuo dormente no meu, porém, o mais recente livro da Tânia Ganho soube ler-me a alma.
a transversalidade da perda
O Meu Pai Voava é um livro de memórias, de perda, de homenagem: não só ao pai da autora, que faleceu em fevereiro, mas também à mãe. Quando a ouvi falar sobre a obra, no podcast Geração 70, e li o seu início, achei muito poética a imagem de um livro nos acontecer. Para quem encontra nas palavras escritas um refúgio, consegui compreender, porque há uma necessidade de exteriorizar, de apaziguar as feridas.
Creio que a intenção não é omitir a dor. Talvez adormecê-la, até que diminua. No fundo, talvez seja uma tentativa para encontrar algum propósito neste processo. Costuma-se dizer que a morte é o que temos de mais certo na vida, mas não é por isso que a encaramos com mais leveza, até porque há uma ausência que não escolhemos: é-nos imposta e temos de aprender a geri-la. Por essa razão, sinto que todas as nossas estratégias se centram num aspeto: que a recordação daquela pessoa não seja a sua finitude, o corpo que se vela, mas tudo o que fez, que construiu, que nos fez sentir. Intrinsecamente, queremos que os nossos mortos continuem a existir com dignidade.
A escrita da autora é lúcida, mas nunca distante. Não se perde em subterfúgios, mas é comovente. Acima de tudo, é honesta: no sentimento de culpa, no alívio, no desgaste emocional, no desnorte, nos retrocessos. Na tentativa de manter o pai no seu estatuto de herói, não deixa de o humanizar, de refletir sobre os seus traços vulneráveis e ausentes. Acho que conseguirmos olhar para aqueles que amamos sem os desvirtuarmos é uma grande prova de amor: porque os aceitamos exatamente assim.
Creio que a intenção não é omitir a dor. Talvez adormecê-la, até que diminua. No fundo, talvez seja uma tentativa para encontrar algum propósito neste processo. Costuma-se dizer que a morte é o que temos de mais certo na vida, mas não é por isso que a encaramos com mais leveza, até porque há uma ausência que não escolhemos: é-nos imposta e temos de aprender a geri-la. Por essa razão, sinto que todas as nossas estratégias se centram num aspeto: que a recordação daquela pessoa não seja a sua finitude, o corpo que se vela, mas tudo o que fez, que construiu, que nos fez sentir. Intrinsecamente, queremos que os nossos mortos continuem a existir com dignidade.
A escrita da autora é lúcida, mas nunca distante. Não se perde em subterfúgios, mas é comovente. Acima de tudo, é honesta: no sentimento de culpa, no alívio, no desgaste emocional, no desnorte, nos retrocessos. Na tentativa de manter o pai no seu estatuto de herói, não deixa de o humanizar, de refletir sobre os seus traços vulneráveis e ausentes. Acho que conseguirmos olhar para aqueles que amamos sem os desvirtuarmos é uma grande prova de amor: porque os aceitamos exatamente assim.
«Há uma camada que se solta, e depois outra, e a pele que fica exposta é fina e sensível. Pela primeira vez na vida, deixarei porventura que cuidem de mim»
Chorei em algumas passagens, pela situação em si e por me rever na ideia, mas também me ri noutras tantas. O luto é uma espécie de alienação. O nosso corpo está aqui, mas algo de nós desaparece, entra em modo automático. Quando, aos poucos, voltamos a colar aquilo que se partiu, conseguimos ver para além da escuridão. E acredito que percebemos que há memórias felizes que também têm espaço neste pesar.
O Meu Pai Voava é uma carta de amor. É feito de um tempo que se guarda e de um tempo futuro que se perde. Transborda de saudade e de um traço poético que se agrega à despedida. No meio da neblina, do inverno que nos habita sem hora de ida, Tânia Ganho encontrou uma maneira de preservar os dias luminosos, os vínculos afetivos e familiares que nos impedem de sucumbir, que nos permitem pertencer. Há dias demasiado longos. Contudo, também há pessoas que nunca deixarão de existir.
🎧 Música para acompanhar: Relax, Frankie Goes To Hollywood
O Meu Pai Voava é uma carta de amor. É feito de um tempo que se guarda e de um tempo futuro que se perde. Transborda de saudade e de um traço poético que se agrega à despedida. No meio da neblina, do inverno que nos habita sem hora de ida, Tânia Ganho encontrou uma maneira de preservar os dias luminosos, os vínculos afetivos e familiares que nos impedem de sucumbir, que nos permitem pertencer. Há dias demasiado longos. Contudo, também há pessoas que nunca deixarão de existir.
🎧 Música para acompanhar: Relax, Frankie Goes To Hollywood
📖 Outros livros lidos: Apneia, A Mulher-Casa
Fiquei bastante curiosa com esta sugestao *.*
ResponderEliminarSe tiveres oportunidade, lê, minha querida. É maravilhoso *-*
EliminarNunca me aventurei na obra da autora.
ResponderEliminarMas esta sugestão deixou-me com vontade de ler.
Beijinho grande, minha querida 😘
Tenho gostado muito de a descobrir
EliminarSim Andreia nenhum luto é igual, o livro é muito interessante fiquei bastante curiosa pra ler bjs.
ResponderEliminarhttp://www.lucimarmoreira.com/
Sentimos todos de forma diferente, mas é interessante como há um vínculo transversal. Aconselho imenso, Lucimar
EliminarVou guardar a sugestão. Obrigada pela partilha!
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Boas leituras, Isa
EliminarAinda não li, mas já me cruzei algumas vezes com este livro 😊
ResponderEliminarApesar de ser sobre o assunto que é, lê-se quase num sopro. E fica agregado a nós
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