Entrelinhas #15

Imagem retirada do site Wook

«Os Contos do Gin-Tonic são já um clássico da literatura surrealista, sabemos disso. Continuamos a lê-los e a relê-los, ano após ano (...) pela força motriz destas histórias rocambolescas, destes contos que recriam seres e situações, vidas, paixões e desesperos, recortes erráticos de um outro real...»


Há enganos que compensam. Comprei Contos do Gin-Tonic, de Mário-Henrique Leiria, no meu segundo ano de faculdade, por achar que tinha sido uma das obras sugeridas pela minha professora de Literatura Portuguesa Contemporânea para análise. Percebi mal o título, mas resolvi dar-lhe uma oportunidade recentemente. Afinal, qualquer oportunidade para descobrir autores/livros que, possivelmente, não fariam parte da nossa seleção habitual é sempre bem-vinda. 

Com data de 1973, estes contos são carregados de metáforas e analogias. E colocam algumas situações da época em evidência. Os temas são variados e há uma alternância entre a prosa e a poesia, ainda que o primeiro estilo seja o mais frequente. No entanto, a linguagem poética é uma constante e acaba por camuflar as referências políticas fortemente enraizadas nos textos. Por ser focado num tempo no qual não vivi, há referências que não me são tão claras, mas é por de mais evidente que as mensagens subliminares sustentam criticas, não só políticas, mas também sociais. E mesmo a aparente confusão que podemos sentir ao ler algumas das crónicas aumenta o mistério e desafia-nos a tentar captar a essência do que está escrito.

Fortemente surrealista, a ironia oscila com o humor. E é mesmo interessante perceber que, se calhar, muito do que é analisado por Mário-Henrique Leiria nesta obra permanece atual. Outro aspeto a ter em conta é o facto de o autor interagir com o leitor, envolvendo-o na narrativa e deixando-o a pensar, até porque, como se costuma dizer, nem tudo aquilo é o que parece. É necessário aprender a ler nas entrelinhas e tirar ilações. Porque se há algo que vamos percebendo ao longo da leitura é que nada é mencionado ao acaso.

É um livro cheio de camadas, mas que se lê rápido. Há situações insólitas e pormenores que se interligam. E a bebida acaba por funcionar como uma espécie de fio condutor. Estas pequenas histórias concentram vários estilos e o seu conteúdo vasto torna-se surpreendente. Ninguém fica indiferente, porque as palavras acabam por nos provocar. A imaginação narrativa leva-nos a viajar com as suas personagens cheias de bagagens caricatas e, igualmente, divertidas. Além disso, vamos dar por nós de sorriso feito, pelo simples facto de começarmos a acompanhar os pensamentos do autor e a finalidade com que expõe situações que tentaram encobrir.

Partilhamos um Gin?


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Levantou-se e sacudiu-se todo, olhando o mar que vinha recortar a praia, ali mesmo ao pé. Era líquido, como costumam ser os mares, mas não tinha horizonte. Curioso! Um mar que ia por ali fora, entre o verde e o lilaz, até se perder no cansaço da visão, sem linha obrigatória a separá-lo de um espaço quase roxo. Extraordinário» (p:27);

«- Como se chama?
Que coisa! O senhor Antunes não gostou, não gostou mesmo nada. Esta gente com a mania de fazer perguntas estúpidas! Mas respondeu:
- Antunes. Ricardo Gouveia Antunes.
- Três nomes?
Mau, pensou o senhor Antunes. Que tipo este!
- Sim, acha pouco?
- Não, não. É que não está no regulamento. Porquê Gouveia Antunes?
- Sabe, era a minha mãe. E o meu pai, veja lá!
A ironia ainda era o melhor» (p:43);

«- Espere um pouco, meu caro. A sua presença dá-me uma ideia que me parece excelente. Conheço-o, sei que é activo, eficiente, nunca me atacou excessivamente nos seus artigos, está sempre disposto a prestar um serviço. Agradar-lhe-ia ser meu sósia?» (p:55);

«A parede da garagem ao lado desabou inteira, subitamente.
E quem havia eu de ver, passando calmo através de nuvens de poeira? O elefante! Há coisas que só vistas, contadas ninguém acredita! Pois ali estava o elefante que me desaparecera da varanda havia tempos já» (p:98);

«"Na riqueza e na pobreza, no melhor e no pior, até que a morte vos separe"
Perfeitamente.
Sempre cumpri o que assinei.
Portanto estrangulei-a e fui-me embora» (p:103).

Comentários

  1. Exato, meu bem. Só isso já nos descansa :D

    Agora fiquei mesmo muito curioso por o ler!!! Adoro quando os livros me prendem a este ponto!

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    InstagramFacebook Oficial PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  2. Fiquei mega curiosa. Como já sabes, voltei Às leituras e todas as sugestões são bem vindas.

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  3. Desconhecia o autor mas pelo que li fiquei bastante curiosos em ler o livro.
    Um abraço e continuação de boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  4. Por vezes há males que vêm por bem! Este foi um desses casos =) Gostei do que li!
    Beijinhos

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  5. Não conhecia, confesso! Mas fiquei curiosa! :D

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  6. Mais uma prova de que tudo acontece quando tem que acontecer :-)

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  7. Adoro uma boa ironia e sarcasmo
    Kis :=}

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  8. Não conhecia, mas conseguiste despertar a mina curiosidade!

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  9. Confesso que não conhecia, mas já fiquei com a pulga atrás da orelha!

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

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  10. Adorei as citações! Parece-me o meu tipo de leitura, mas não conhecia!

    THE PINK ELEPHANT SHOE // INSTAGRAM //

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  11. Ahah, adorei o ultimo excerto. Fiquei curiosa, vou comprar!!

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  12. Não conheço o autor e acho que nunca vi nenhum livro dele, mas parecer ser uma boa escrita.
    Beijinho Andreia
    Instagram ∫ Facebook

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  13. Não conheço o escritor fiquei curiosa
    http://retromaggie.blogspot.pt/

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  14. Sério?! E achas que resultam bem juntos? :P
    Obrigado linda <3

    NEW OUTFIT POST | Hello Dear Friend, I Hope You’re Well.
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