Entrelinhas #14

Imagem retirada do google

«Violante tinha, desde criança, um talento raro para a representação (...) Contudo, os que a vêem brilhar e afirmar o seu génio no palco dos maiores teatros nacionais desconhecem o terrível segredo que minou a sua vida e levou para longe o marido numa noite que podia ter acabado em tragédia»


A Segunda Morte de Anna Karénina, de Ana Cristina Silva, foi o último dos três livros que adquiri na promoção do Continente (1 livro = 6€, 3 livros = 12€). Sem conhecer a autora, decidi arriscar, até porque ao ler a sinopse fiquei curiosa relativamente às temáticas, ao mistério e à capacidade que o ser humano tem de ser imprevisível.
 
A história começa com um momento doloroso - um funeral - e todo o registo da obra é pautado pela dor dessa situação e por uma série de acontecimentos que marcam a vida da personagem principal. Porque a mágoa de perder alguém transforma-nos, sobretudo quando sentimos a culpa que determinadas decisões nos provocam.

Este romance confronta-nos com várias questões da vida humana: a traição, os remorsos, a dúvida, os reencontros, o vazio, e não só. Sendo a tragédia a sua base, deparamo-nos com paixões excessivas, com o destino inevitável que acompanha os protagonistas e, posteriormente, com a compreensão dos erros cometidos. A catástrofe parece, portanto, o desfecho mais óbvio. E são os seus contornos que vamos conhecendo à medida que avançamos no enredo. O dramatismo, a agonia e o sofrimento adquirem proporções impossíveis de ignorar. E é, também, por isso que se torna difícil desligar de todo o percurso traçado.

A narrativa deste livro é composta por duas histórias, aparentemente, distintas, mas que acabam por se interligar: a de Rodrigo, jovem oficial português, relatada em forma de cartas já depois da sua morte, e a de Violante, atriz de teatro que carrega em si a angústia de uma culpa que não está a conseguir suportar e superar. Em que momento é que estas duas vidas se cruzam? Desde sempre, apesar de toda a distância que as separou em segredo. Porque Violante é mãe de Rodrigo. Uma mãe que não chegou a ser, por ter trocado o filho pela profissão, dando-o para adoção. No entanto, o peso desta decisão torna-se cada vez mais penoso. As dúvidas começam a consumi-la, levando-a a recriminar-se. E os motivos desta sua escolha vão-nos sendo apresentados aos poucos. 

Violante é uma personagem intensa. E arrebata-nos. No seu relato há um constante regresso ao passado. Há a sensação de uma vida perdida que gostaria de recuperar. E a descrição pormenorizada do casamento, das traições, dos desejos, da entrada para o teatro, da vingança e da morte. É uma mulher sofrida. E, por vezes, o dramatismo presente em todo o seu discurso, sobretudo quando se encontra com Luís Henrique, faz-nos questionar senão passará tudo de uma peça de teatro, um ensaio, um guião. Relativamente ao Rodrigo, ficamos a conhecer o seu historial através das cartas que troca com Eduardo, o seu grande amor. É nelas que lemos as revelações, as descrições do tempo na guerra e como se envolveram. Além disso, é nesta troca de correspondência que descobrimos um pormenor importante da sua vida: a sua homossexualidade. O que quanto isso o afetou. As relações paralelas. A negação. A fuga por medo de censura e por vergonha. A maneira como era visto naquele tempo. Os preconceitos da sociedade em oposição ao preconceito próprio. No fundo, as cartas funcionam como um desabafo, uma necessidade extrema de expulsar tudo aquilo que estava reprimido: os sentimentos, as dúvidas, os medos, as inseguranças; tudo o que escondeu durante anos. São a sua libertação.

Numa obra que não deixa de transmitir uma certa crítica social, vemos a transformação humana. A dualidade realidade-ficção. As dúvidas que, apesar de tudo, persistem. A paz interior que surge depois do caos. A aceitação própria. E uma resposta que nunca será lida!


Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«Quando o bebé nasceu, esteve com ele nos braços por instantes. Depois, com uma estranha mistura de indecisões e segurança, entregou-o para que o levassem» (p:10);

«Apenas compreendeu o que já sabia antes: a infidelidade acontece num instante, mas a humilhação dura para sempre» (p:19);

«Violante regressa para dentro com os seus passos leves de actriz. Serve-se de um cálice de vinho do Porto, retira as cartas do embrulho e senta-se. As palavras da primeira carta ressoam nos copos e nas garrafas de cristal, tal como os sons de um instrumento musical podem reflectir os distintos acordes de uma alma» (p:23);

«No meio das bombas, a vergonha é um luxo a que ninguém se pode dar. Questiono-me, ainda estupefacto com a minha estupidez. Como foi possível ter-me oferecido como voluntário para França para escapar à felicidade que me proporcionavas? Se era violência o que procurava, bastar-me-ia a dos salões da sociedade» (p:33);

«Quando li a notícia no jornal sobre o teu funeral soube que a dimensão do meu amor por ti fora mantida em segredo até para mim próprio, para não despertar a indignação dos outros» (p:222).

Comentários

  1. Fiquei bastante curiosa, sim! =)
    Beijinhos

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  2. Fiquei entusiasmada para o comprar !
    With love, KATE

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  3. Andreia uma história emocionante cheia de emoção, fiquei bastante interessada, Andreia bjs.

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  4. Não chega só morrer uma vez? Tem de morrer duas!?
    Kis :=}

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  5. Não costuma ser o meu tipo de leitura mas deixaste-me tão curiosa com a Violante!

    THE PINK ELEPHANT SHOE // INSTAGRAM //

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  6. Parece ser o tipo de livros que eu gosto de devorar! Obrigada pela dica!

    Bjxxx
    Ontem é só Memória | Facebook | Instagram

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  7. Nossa, nunca tinha escutado falar, muito obrigada pela dica!!!!

    http://isabellalessa.com

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  8. Excelente review, fiquei mesmo muito tentada a ler o livro :)
    E muitos parabéns ao Continente pela excelente iniciativa dessa promocao, a fazer lembrar os preços dos livros ca do UK :)
    Bjinhosss e uma boa semana*
    https://matildeferreira.co.uk/

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  9. Assim de repente o que me vem à cabeça é: Como é que deixei escapar essa promoção!?
    Depois de ler a tua opinião, e mesmo não conhecendo a autora, parece-me um bom livro.

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  10. Não conhecia a autora, pena porque pelo que retratas parece ser boa escritora.
    Quanto a mim esta frase diz muito, (Apenas compreendeu o que já sabia antes: a infidelidade acontece num instante, mas a humilhação dura para sempre) o sermos humilhadas é muito doloroso.
    Beijinho
    Instagram ∫ Facebook

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  11. Nunca li nada dessa autora, confesso :p
    http://bloguedacatia.blogspot.pt/

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  12. Não conhecia, mas parece ser um livro bem interessante :)

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  13. Não conheço a autora mas fiquei curiosa com o que contaste
    http://retromaggie.blogspot.pt/

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  14. Olha, com esse título aí até eu fiquei curioso, coitada da moça moreu duas vezes, meus pêsames. Mas o nome da menina aí é Violante, é? Credo, o pai dela está no alcool puro quando deu o nome para ela. Vou tentar achar o livro. Aí eles estão baratinho, um livro aqui no Brasil não sai por menos que o correspondente a 15 euros. Beijo

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  15. Obrigado, querida :D

    Não conhecia nem o livro nem a autora, mas fiquei mega curioso com a trama embora não seja dos meus géneros favoritos!

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