ALMA LUSITANA || PORTO: SÉRIE AFONSO CATALÃO

Fotografia da minha autoria



Tema: Um autor que nunca tenhas lido


O destino é uma miragem, mas as ruas carismáticas da cidade do meu coração orientam-me para um bom refúgio. E é através da sua calçada já gasta, que conheço quase como a palma da mão, que me aventuro por novas rotas. Por isso, sem ter sido premeditado, regressei ao primeiro tema do Alma Lusitana para conhecer os livros de Nuno Nepomuceno.

As premissas e as críticas favoráveis despertaram a minha curiosidade. Além disso, percebi que explora um género literário que me interessa bastante, levando-me a adquirir a Série Afonso Catalão por inteiro. O risco era elevado, mas compensou, porque o autor tem uma escrita fascinante. Mas não é o único motivo, visto que a própria organização dos exemplares, bem como os factos que os sustentam, arrebata[m]-nos. No final de cada obra, sentia um impulso para avançar, de imediato, para a seguinte, porque o universo desenvolvido é entusiasmante.

Os enredos são independentes. Porém, aconselho a seguir a ordem de lançamento, porque há detalhes que têm um impacto maior por esta sequência, tornando-se evidente a evolução dos protagonistas. Creio, portanto, que a experiência será mais gratificante, caso o nosso percurso seja A Célula Adormecida, Pecados Santos, A Última Ceia, A Morte do Papa e O Cardeal. Apesar disso, o mais importante é que encontraremos narrativas de elevada qualidade e com abordagens minuciosas, que nos concedem a possibilidade de analisar temas controversos e enigmáticos, colocando a religião no centro da ação.


A CÉLULA ADORMECIDA


O início da Série Afonso Catalão, que nos abre portas para um mundo de desconfiança, mentira, extremismo, religião e relações humanas duvidosas, sendo pautado pela necessidade de criar o medo na sociedade. Com a ação a decorrer durante os 30 dias do Ramadão, não só deambulamos por Lisboa e Istambul, como também aprendemos a olhar para dentro dos segredos do protagonista, porque há fantasmas do seu passado que insistem em atormentá-lo. Além disso, explorando temas como o racismo e a xenofobia, A Célula Adormecida mostra-nos como o desgosto e o ódio são impulsionadores de vingança; mostra-nos como até pessoas de bem se perdem perante injustiças irreversíveis. Em simultâneo, faz-nos repensar o modo como encaramos os demais e as suas crenças [e como estas nos podem cegar]. Nuno Nepomuceno fez um trabalho fantástico de investigação e conseguiu equilibrar os factos reais com a ficção, aproximando-nos de uma narrativa intrigante.

Palavras-chave: atos terroristas, segregação, retaliação, violência.


PECADOS SANTOS


Um thriller alucinante e imprevisível. Iniciei a obra curiosa, mas tentei não elevar as expectativas. E a verdade é que fui envolvida numa viagem surpreendente, que me deixou sem palavras. Porque a cadência dos atos e os seus simbolismos prendem-nos, ao mesmo tempo que nos levam a refletir sobre as ligações interpessoais, a religião e o extremismo das nossas crenças. Para além do mais, com uma escrita rigorosa, o autor teve a sensibilidade de expor e explorar factos bíblicos sem tornar a leitura pesada e, até, desconexa. Muito pelo contrário, tornou a descrição bastante apelativa e contextualizada. A certo ponto, naturalmente, somos incentivados a formular hipóteses, mas creio que nada nos encaminha para o desfecho. Deambulando entre o passado e o presente, há um ritmo misterioso e frenético que nos abraça e nos perturba, deixando-nos perplexos com as reviravoltas que a vida nos reserva e, sobretudo, com o quanto estamos longe de conhecer certas pessoas que se cruzam na nossa estrada. Afinal, todos temos telhados de vidro e não imaginamos os laços que unem histórias.

Palavras-chave: serviços secretos, crime, homossexualidade, família.


A ÚLTIMA CEIA


Vamos roubar um quadro? O terceiro livro da Série Afonso Catalão apresenta um tema bastante diferente dos anteriores - ainda que se mantenha próximo da religião -, o que nos permite descobrir mais uma faceta da criatividade escrita do autor. Senti, apesar de tudo, que o ritmo não é tão frenético e que tende a ser menos misterioso, até porque estamos cientes do objetivo da missão, não existindo tantos polos de intensidade. Inspirado em factos verídicos, como os anteriores, A Última Ceia explora o crime organizado, a arte, a homossexualidade, as incoerências da Igreja e um romance peculiar. Por outro lado, também nos permite conhecer um pouco mais do passado do professor Catalão. Viajando entre Londres e Milão, voltei a ficar fascinada com o simbolismo de certos detalhes. Não me arrebatou como os seus antecessores, mas apreciei a curva pela qual orientou o final.

Palavras-chave: pintura, igreja, crise de valores, dilemas, romance.


A MORTE DO PAPA


A história é baseada em acontecimentos reais, mais concretamente, na vida e morte de Albino Luciano, conhecido como o Papa dos 33 dias. E isso, por si só, estimula a nossa vontade de compreender os factos. No entanto, por também privilegiar um processo criativo ficcional, sentimos a incerteza e questionamos se determinado pormenor é uma mera teoria ou se poderá ter algum fundamento. Neste livro, voltei a detetar uma energia vertiginosa e com inúmeras camadas. Aliás, é fascinante a capacidade que Nuno Nepomuceno tem para articular enredos que aparentam ser autónomos. Com uma sequência narrativa inteligente, A Morte do Papa esconde imensos segredos ao virar da página, confrontando-nos com a inveja, a hipocrisia, as incoerências do Vaticano, o frenesim mediático e a certeza que todos guardamos fantasmas no armário. Além disso, foca-se no pecado e na prostituição e faz-nos questionar até onde estamos dispostos a ir para protegermos a fachada que erguemos ao redor da nossa vida - será que vale tudo?

Palavras-chave: homicídio, blasfémia, ambição, detalor, Vaticano.


O CARDEAL


Um conjunto de mortes suspeitas tem em comum a presença de umas flores vermelhas, conhecidas como cardeais. Inclusivamente, apontam para o mesmo culpado. Só que vamos compreender, com alguma celeridade, que as pistas reunidas escondem mais camadas do que aquelas que aparentam possuir. Inspirado em crimes reais, que podem chocar, o mais recente livro da Série Afonso Catalão permite-nos conhecer o drama da família Emanuel e contextualizar episódios passados. E é esse cuidado do autor que nos possibilita desconstruir toda a profundidade das várias histórias, porque, embora funcionem como obras independentes, há aspetos que tornam o todo mais completo, apresentando um traço psicológico sombrio e fascinante. Assim, vivenciando momentos de tensão, sentimos a perceção falaciosa de termos desvendado o mistério. Contudo, somos brindados com sucessivas reviravoltas - e o final desarmou-me por completo. Nuno Nepomuceno construiu mais uma narrativa poderosa, na qual os contornos obscuros da personalidade humana - e dos crimes em si - nos inquietam, fazendo-nos ponderar sobre as motivações que sustentam aqueles que nos rodeiam. Com a religião como cenário de fundo, há uma teia de acontecimentos dúbios e criminosos.

Palavras-chave: troca de identidade, conclave, vingança, assassino.


Finalizada a leitura, para uma experiência complementar, recomendo que escutem os podcasts do autor: Os Ficheiros Catalão e O Assassino

Comentários

  1. Respostas
    1. Rendi-me por completo à sua escrita. Recomendo, Francisco!
      Obrigada e igualmente

      Eliminar
  2. Já ouvi falar muito do autor, mas ainda não me estreei nas suas obras, porém, confesso que fiquei curiosa com a saga. Obrigada pela sugestão.

    Beijinho grande!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Se tiveres oportunidade, aconselho. Está fantástica, minha querida!

      Eliminar
  3. Adoro este género 🧡 Quero muito ler os livros deste autor 🧡

    ResponderEliminar
  4. Olá!!! Olha que eu nunca tinha comprado estes livros porque não sabia se realmente ia gostar e agora que li a tua resenha acho ir vou mesmo comprar! Mesmo o género que eu gosto! <3

    www.pimentamaisdoce.blogspot.com

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sou suspeita, porque viciei nesta série, mas acho que valem muito a pena, até porque o autor soube defender bem os temas e tornar a narrativa muito interessante :)

      Eliminar
  5. O nome do autor é-me familiar.
    Nunca li nada, e este é um género que não aprecio.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Confesso que não sei se tem livros de outros géneros, mas recomendo imenso pela escrita :)

      Eliminar
  6. Confesso que não sou muito um leitor de títulos nacionais, mas ouvi falar muito bem desse autor =)

    MRS. MARGOT

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Temos autores fantásticos e Nuno Nepomuceno é um exemplo disso. Se tiveres oportunidade/curiosidade, aconselho

      Eliminar
  7. Posso te dizer que ainda não conhecia nenhum desses livros, mas parece ser uma boa opção para o fazer, agora que acabamos por ter mais tempo
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

    ResponderEliminar
  8. Já tinha ouvido falar no autor, especialmente do livro “Pecados Santos”. Admito que, na altura, não dava nada pela história, mas pouco fiz para descobrir se valeria a pena ou não ler. Ao ler as tuas opiniões, fiquei mesmo curiosa e fica decidido: tenho de ler esta série. 😍

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Cruzei-me com muitas opiniões fantásticas, o que foi despertando a curiosidade. Ainda bem que, entretanto me aventurei, porque as obras estão mesmo interessantes. Pecados Santos é um dos meus favoritos 😍

      Eliminar
  9. Já ouvi falar, mas nunca li nenhum destes livros.

    ResponderEliminar
  10. Li os 2, 3 e 4 e gostei. Passei o primeiro, porque comprei num pack e esse não vinha, mas a forma como escritor escreve dá para perceber o contexto e passado das personagens mesmo se falharmos a ordem e gostei disso.:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, isso é espetacular. Por acaso, comecei a ler pelo segundo [só percebi depois] e não tive qualquer dificuldade em compreender a história. Preferi continuar por ordem, só pela questão de ser mais evidente a evolução das personagens, mas é ótimo que o autor nos tenha permitido essa flexibilidade :)

      Eliminar
  11. O que posso dizer que já não tenhas dito? Já conhecia a saga catalão e fico cada vez mais viciada. A escrita do autor é perfeita e consegue impressionar o leitor em cada leitura. Falta-me o último. Mas vou ler a prequela e ouvir os ficheiros ;) Chegaste a ler os contos da morte do papa?
    Beijinhos,
    Tânia Oliveira - Não Me Façam Perguntas

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sempre que achamos que não pode surpreender mais, eis que viramos a página e encontramos outra reviravolta que nos desarma. A série está mesmo viciante e fiquei completamente rendida à escrita *-*
      Os contos ainda não li, obrigada pela indicação!

      Eliminar
  12. Há alguns anos li "O espião português". Gostei mas não me arrebatou. Confrontei-me com algumas particularidades da escrita e com a estruturação da narrativa que não me convenceram. É claro, foi o primeiro trabalho do escritor por isso quero ler outras obras. Pelas opiniões que tenho lido e pelo que foste descrevendo de cada um dos livros da série, parece notar-se uma boa evolução. Assim que consiga ir à biblioteca irei requisitar "A célula adormecida" e vou tentar ler esta série por ordem.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O Espião Português nunca li, mas quero fazê-lo, até para ter esse termo de comparação e perceber as diferenças :)
      Tinha lido excelentes críticas sobre a série Afonso Catalão, por isso, estava muito curiosa com todo esse universo. Mas tentei ler sem grandes expectativas e a verdade é que fui surpreendida.
      Um aspeto que achei fantástico, é que podemos ler os livros pela ordem que quisermos, porque as narrativas são independentes e o autor tem o cuidado de ir contextualizando certos pormenores. Ainda assim, li por ordem o resto da saga [isto porque comecei primeiro por Pecados Santos e só depois é que peguei n' A Célula Adormecida] só mesmo pela questão de ser mais evidente a evolução das personagens.
      Quando leres, vou querer saber a tua opinião :)

      Eliminar
  13. Nunca li nenhum livro do autor, nem nunca me chamou a atenção... Até agora!!

    ResponderEliminar

Enviar um comentário