Entre Margens

Fotografia da minha autoria



«A vida é feita de momentos colecionáveis»


Julho é um mês sempre cansativo, pela logística no trabalho, pela bagagem que se foi acumulando, pela bateria que suspira por férias e anda quase em serviços mínimos. Ainda assim, teve muitos dias de sol para renovar energias, encontros que são colo, muita música e uma viagem literária que não pensei que viesse a ser tão extensa (pelo cansaço que dificulta a concentração). Além disso, trouxe planos a curto e a médio prazo, pequenas mudanças digitais e uma novidade que me deixou de coração a transbordar de felicidade.


       MOMENTOS       

Fiz 15 dias de praia, revisitei o Pavilhão da Água, conheci o Museu Militar do Porto, voltei ao cinema (depois de um grande hiato) e tive a experiência de um tour panorâmico pelas cidades de Gaia e Porto com a Magic Train.

Jantei com a minha Gémea, fomos à Festa de S. Tiago e voltamos a marcar presença num concerto d' Os Quatro e Meia - ninguém faz um baile como o deles. Antes do concerto, fiz Geocaching com ela e com o T.

Cortei o cabelo e sinto que isso me deu um toque de confiança acrescido.

      

      

      

      

      

Outros apontamentos bonitos do mês: peguei numa estrela do mar, consegui bilhetes para Uma Nêspera no Cu, deixei de atribuir notas aos livros e consegui, finalmente, encontrar O Cultivo de Flores de Plástico.


       LEITURAS       

📖 Ecologia, Joana Bértholo
Alma Lusitana

📖 E Agora?, Raquel Sem Interesse
Alma Lusitana

📖 Os Números Que Venceram os Nomes, Samuel Pimenta
Alma Lusitana

📖 Flecha, Matilde Campilho
Clube Leituras Descomplicadas


Outras leituras do mês: 
Volta Para Tua Terra (Manuella Bezerra de Melo & Wladimir Vaz), Tropel (Manuel Jorge Marmelo), Os Livros do Final da Tua Vida (Will Schwalbe), Já Não Me Deito em Pose de Morrer (Cláudia R. Sampaio), O Ano do Macaco (Patti Smith), Lenços Pretos, Chapéus de Palha e Brincos de Ouro (Susana Moreira Marques), Contos de Cães e Maus Lobos (Valter Hugo Mãe) e Tudo Sobre o Amor: Novas Perspetivas (Bell Hooks)


     FILMES, SÉRIES E PODCASTS     

O AXN fez um especial Harry Potter: durante os sábados de julho, seriam exibidos dois episódios da saga. Portanto, aproveitei a oportunidade para recordar - e reviver - este mundo mágico (claro) e extraordinário.

Elemental
As personagens desta longa metragem vivem na cidade Elemento, «onde convivem habitantes de fogo, água, terra e ar». A protagonista é a Chispa, do elemento fogo, que acompanha os pais na procura por uma vida melhor, aprendendo, inclusive, a gerir o negócio da família, para continuar o legado. No entanto, ao conhecer Nilo, um elemento de água, começa a «desafiar as suas crenças em relação ao mundo onde vive».

Esta animação conquistou-me por completo, porque, de um modo divertido, mas bastante credível, explora questões interessantes e de máxima importância: as diferenças, o respeito pelo outro, as dinâmicas familiares, a verdade que, por vezes, preferimos ocultar, e o dilema que é assumir os nossos sonhos, quando há perspetivas de futuro que parecem já ter sido definidas para nós - e porque nunca é fácil sentirmos que, ao escolhermos o nosso caminho, estamos a desiludir aqueles que sempre fizeram tudo por nós. Aconselho.

Podcasts
🎤 Inacreditável, um podcast de Inês Catel-Branco, com histórias surpreendentes;
🎤 Fala Com Ela, com uma conversa incrível com o Ivo Canelas;
🎤 Cubinho, um podcast de António Azevedo Coutinho, Vitor Sá e Ricardo Maria


       À MESA       

Di Casa
Localizado na Quinta de Cravel, o Di Casa é um restaurante de comida italiana. A sala onde ficamos é muito bonita e aconchegante e, além disso, fomos muito bem recebidas, a equipa era bastante atenciosa. Quanto à refeição, provamos uma novidade e, embora estivesse saborosa, tendo em conta o meu gosto, preferia que tivesse menos sal. Não obstante, fiquei com vontade de regressar, para experimentar outras sugestões do menu. Terminamos o jantar na companhia de um Crumble di Mele e Cannella. Foi a estrela da noite.

   

DARZ!
O Darz! É uma hamburgueria artesanal com uma particularidade: tanto o ambiente, como o menu são inspirados na Fórmula 1. Embora não seja entusiasta desta modalidade, fiquei rendida ao espaço e à inspiração que os motiva a dar sempre o melhor. Preparando-me para esta experiência original, pedi o hambúrguer Interlagos, composto por costela, queijo coalho grelhado na manteiga de garrafa, melaço de cana, farofa de bacon, vinagrete e uma versão da casa da maionese de pão de alho. Agradou-me o contraste de sabores, mas sinto que esta combinação ficaria melhor com outro tipo de pão - ainda assim, voltaria a escolher esta opção. Para complementar, pedimos as batatas rústicas (acompanhadas com maionese especial de alho e ervas) e uma sangria de espumante de maracujá. Para finalizar, pedimos a Trilogia Brigadeiros. Voltarei.

      

Outras experiências gastronómicas: provei, finalmente, os Mochi de Coco, do Mercadona. Apesar de não ter achado a iguaria mais transcendente, pode ser um bom aliado para quando queremos algo doce, mas não em demasia. Como tive festa à porta de casa, deu para matar saudades dos churros da Ana.


       ENTRE LINHAS       

Há Conversa na Livraria
Uma entrevista da Letras Lavadas Livraria com a Rita da Nova. Foi um momento maravilhoso, não só pela maneira como a conversa foi conduzida, mas também por ser sempre incrível ouvir a Rita a falar do seu livro.

Publicações
✏ Concelhos sem bibliotecas passam a ter serviço itinerante, Expresso;
✏ Porque é que ouvir audiobooks conta como ler, Beatriz Testa (@testabooks).


       JUKEBOX       

Top 7 de favoritas
🎧 Loucamente, D.A.M.A & Los Romeros;
🎧 Animais, Rita Vian;
🎧 Vais Ter Saudades, Mimicat;
🎧 Chelas, Sara Correia;
🎧 A Melhor Versão de Mim, Firgun & João Couto;
🎧 You & I, Anne-Marie & Khalid;
🎧 Saltei Fora, Lázaro


Álbuns
🎵 Speak Now, Taylor Swift;
🎵 The Entertainer, Rossana;
🎵 Sentido, Nuno Ribeiro;
🎵 Austin, Post Malone;
🎵 rés.tu, Jüra


       GRATIDÃO       

Eu não sabia que dançar era por dentro

Foi um mês cansativo, mas com fragmentos bonitos para guardar. Por isso, em julho, estou grata pelos reencontros, por ter encontrado o livro do Afonso Cruz que tanto procurava e por ter visto Os Quatro e Meia.


Como foi o vosso mês?

Fotografia da minha autoria



A banda sonora de uma viagem literária


A minha TBR mensal respeita sempre o meu estado de espírito, portanto, pode sofrer várias alterações, consoante a vontade do momento. Para além de incluir os livros para os clubes/desafios de leitura, acrescento títulos que estejam a chamar por mim e acho curioso como acabo por encontrar pontos comuns nas narrativas - mesmo quando nada o fazia prever. Na viagem literária de julho, creio que a linguagem, a comunicação e a essência foram esse vínculo. Assim, tentei que as canções associadas acompanhassem os tópicos referidos.


ECOLOGIA, JOANA BÉRTHOLO
Língua dos Pês, Luisa Sobral ▫ Ecologia não é sobre a língua dos pês, mas é sobre linguagem, comunicação e um universo linguístico que se distancia da nossa sociedade e do peso que as palavras assumem na nossa vida. Por isso, e porque é exigido encontrar outras formas de comunicar, ocorreu-me este tema.


E AGORA?, RAQUEL SEM INTERESSE
Agora Vira, Edmundo Inácio ▫ O livro da Raquel foca-se em várias fases da sua vida, na ideia de um futuro penhorado e em todos os contratempos e reviravoltas que a nossa jornada é obrigada a superar, para não sucumbirmos aos problemas e para mantermos as responsabilidades e os sonhos na mesma bagagem. Na sua canção, o Edmundo evidencia as dificuldades transversais à maioria da população, o desnorte e a noção de vivermos a contar os tostões. Como há pontos que se interligam, achei que esta combinação fazia sentido.


OS NÚMEROS QUE VENCERAM OS NOMES, SAMUEL PIMENTA
Devagar, Ornatos Violeta ▫ Senti-me um pouco perdida na seleção da música, devo confessar, mas, depois, ocorreu-me esta por causa de versos como “mas perde a noção do tempo”, “não vejo a luz em mim” e, até, “não quero mal a ninguém”. Embora não se sinta a política do medo, é evidente que no livro de Samuel Pimenta há uma liberdade condicionada e um protagonista a tentar “crer que é bem melhor existir”.


VOLTA PARA TUA TERRA (VOLUME 2), MANUELLA BEZERRA & WLADIMIR VAZ
Cozy, Beyoncé ▫ Não foi uma associação imediata, mas acabou por fazer sentido, porque cada um dos autores está confortável na sua pele. Cada um dos autores espelha o ódio que se propaga, cada vez mais, nas ruas, tendo-os como alvo, mas permite, cada vez menos, que isso os diminua. Pelo contrário, tiveram altos e baixos, estiveram quebrados, mas deram a volta por cima, como canta Queen B. Renasceram, são únicos e, tanto a música, como o livro, são um lembrete de que merecem uma sociedade justa, que os respeite.


TROPEL, MANUEL JORGE MARMELO
Ferrugem, Samuel Uria ▫ A associação foi feita pelos versos «É crime, é crasso, é o degelo», «Eu sei/Que o tempo aqui já só me traz refém/E o que eu sou nem sei», porque o protagonista cresceu num ambiente medonho, cheio de silêncios, onde a violência e a ausência de respeito e empatia pelo outro assumem o tom da narrativa. Embora seja refém desse legado, começa a duvidar dos seus princípios e a compreender que o que herdou «é mera sombra do que vem».


FLECHA, MATILDE CAMPILHO
Acácia, Luís Severo ▫ Assim que li a palavra «Acácia», lembrei-me desta música do Luís Severo. A letra, pelo contrário, não estava assim tão presente, mas, assim que a escutei, senti que era uma combinação que podia resultar: porque o livro da Matilde Campilho divide-se por inúmeros contos, memórias e pessoas e a música do Luís Severo canta uma história com várias rotas dentro. Portanto, dentro da imensidão do livro também cabe este tema singular.


OS LIVROS DO FINAL DA TUA VIDA, WILL SCHWALBE
Both Sides Now, Joni Mitchell ▫ Um dos livros mencionados nesta obra é Girls Like Us, de Sheila Weller, que é a biografia das três artistas musicais mais importantes da América. Uma vez que Joni Mitchell se inclui nesse grupo e que esta era uma das canções favoritas da mãe de Will Schwalbe, a associação foi imediata.


JÁ NÃO ME DEITO EM POSE DE MORRER, CLÁUDIA R. SAMPAIO
Os Lírios do Campo, Manuel Fúria ▫ A poetisa iniciou a sua obra com o verso «A mulher acordou sendo da cor de um lírio». Atendendo a que referencia esta flor mais vezes, fui à procura de um tema que a contemplasse e fiquei presa a este de Manuel Fúria, que me parece adequar-se ao livro, também, pela referência a Deus, pelo dizer adeus a algo que já passou, pelo vínculo à Natureza e pela recordação.


O ANO DO MACACO, PATTI SMITH
If 6 Was 9, Jimi Hendrix ▫ A escolha foi rápida e por três motivos: 1) é referida no livro; 2) está associada a um momento emotivo da vida da autora; 3) ao escutar a letra, senti que representa bem a tendência de olhar para lá do caos, de reconhecer as fragilidades e, mesmo assim, não sucumbir - ou, então, cair, mas não ficar muito tempo no chão. Em simultâneo, creio que a melodia também espelha uma certa esperança.


LENÇOS PRETOS, CHAPÉUS DE PALHA E BRINCOS DE OURO, SUSANA MOREIRA MARQUES
Maria, Beatriz Rosário ▫ Optei por esta combinação pelo contraste. Se, no livro, temos tantas mulheres anónimas, cujas histórias se foram perdendo no tempo, pela falta de oportunidades, pelo conformismo que era a regra, pelas vidas suspensas, na canção, temos uma Maria (que pode ter qualquer outro nome e rosto) a fazer das suas fragilidades força, a mostrar-se autossuficiente e a ir à luta. Em comum, têm o papel secundário que ainda hoje é atribuído à mulher, mesmo que lhe sejam exigidas tantas responsabilidades.


CONTOS DE CÃES E MAUS LOBOS, VALTER HUGO MÃE
Monstros, Jão ▫ Lembrei-me desta música ao ler o título de um dos contos do livro. Depois, quando fui recordar a letra, houve vários versos que me pareceram representá-lo na perfeição (ao conto e ao livro), como, por exemplo, «Debaixo da cama os monstros me impedem de dormir/Me sinto só desde criança», «sempre lutei por liberdade», «pra encontrar o meu lugar/eu abraço a escuridão», «mas continuo a caminhar». Há muito mundo - e vidas - dentro destas páginas e em todas elas persiste a ideia de que tudo o que passamos é necessário «pra quem você vai ser».


TUDO SOBRE O AMOR, BELL HOOKS
Lift Me Up, Rihanna ▫ A minha definição de amor implica cuidado. Independentemente da sua natureza (romântica, familiar, de amizade, entre outras), acho que devemos privilegiar sempre esta ideia de nos levantarmos, de nos segurarmos, de estarmos perto e de nos mantermos seguros. Por isso, para acompanhar o livro da Bell Hooks, escolhi a canção da Rihanna, porque me parece traduzir a nossa necessidade de amor e de nos reerguermos nos braços de quem nos quer bem - mas sem menosprezarmos o amor próprio.

Fotografia da minha autoria



«Narrativas que foram surgindo um dia depois do outro»


As histórias precedem a literatura, uma vez que a humanidade usou sempre este veículo para se expressar. Antes de qualquer método que as formalizasse, já a arte de tecer narrativas persistia e procurava reinventar-se, porque «quem conta um conto acrescenta um ponto» é nesta partilha que existimos e que estreitamos laços. Portanto, no primeiro livro em prosa de Matilde Campilho encontramos esta essência de contador de histórias.


FLECHA FEITA DE ASA

Flecha compila uma série de contos, que foram surgindo «um dia depois do outro». E todos eles quiseram «chegar-se à luz», destacando vivos, mortos, objetos e movimentos, transitando entre épocas e lugares.

«(...) para que a magia suceda, é preciso deixar que a casualidade faça das suas»

Assim, há espaço para múltiplos cenários, pessoas e memórias, atendendo a que retrata situações mundanas, que facilmente poderíamos identificar no nosso meio. Embora cada um destes textos seja independente, têm todos a capacidade de nos fazer imaginar o que está descrito e, melhor, de nos levar a imaginar o depois - a linguagem visual está muito presente. Não me rendi a todos da mesma maneira, o que é natural, mas gostei da poesia inerente às suas descrições, à maneira como observa o ser humano e o lado trivial dos (nossos) dias.

«Depois fez silêncio outra vez, para dar um espaço à lágrima»

A flecha, como referiu a autora, «une os pontos e atravessa-os». Além disso, «há de cair na terra, para semear a Terra de Terra outra vez». Portanto, atravessando fronteiras, num movimento continuo, amealha retratos singulares. Na sombra de uma laranjeira ou perto de uma fogueira, estas histórias são uma longa viagem.


📖 Da mesma autora, li e recomendo: Jóquei

🎧 Música para acompanhar: Acácia, Luis Severo


Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: O blogue é afiliado da Wook e da Bertrand. Ao adquirirem o[s] artigo[s] através dos links disponibilizados estão a contribuir para o seu crescimento literário - e não só. Muito obrigada pelo apoio ♥

Fotografia da minha autoria



- Título sugerido pelou Louis -


O relógio marcava um quarto para as nove da manhã. Era o tempo que separava o pequeno Louis de mais uma viagem de comboio e o tempo que lhe faltava para poder observar a forma das nuvens, que o acalmava.

Estava um pouco nervoso, afinal, era a primeira vez que viajava sozinho e para tão longe. Felizmente, sentou-se perto de uma família simpática, com um filho que aparentava ter a sua idade. Enquanto olhava pela janela, o rapaz interrompeu os seus pensamentos.

– O que estás a ver?
– As nuvens. Têm sempre formas tão engraçadas!
– A mim só me fazem lembrar um grande pedaço de algodão.
– Tens de olhar melhor, puxar pela imaginação.
– O que é que tu vês?
– Ali, vejo uma borboleta. Ali, vejo o focinho de um gato. Ali, pode mesmo ser um pedaço de algodão doce.

Riram-se os dois e continuaram o jogo até chegarem à paragem daquela família. Eles saíram e o lugar de um deles foi ocupado por uma rapariga mais velha que Louis. Olhou-a e reparou que tinha o rosto cheio de sardas, o que o agradou, porque lhe lembravam constelações. Sem querer dar nas vistas, desviou o olhar e voltou a fixá-lo nas nuvens que acompanhavam o trajeto.

Depois de algum tempo, julgando-o taciturno, a rapariga tocou-lhe no joelho e perguntou-lhe se estava bem.

– Sim, estou só a olhar para aquela nuvem que parece uma varinha mágica.
– Com a tua idade, também gostava de tentar adivinhar a forma das nuvens.

E fez-se silêncio, porque o fosso das suas idades não lhes permitia continuar a conversa.

Na estação seguinte, o lugar da rapariga foi ocupado por um senhor com idade para ser seu avô. Só reparou nisso, quando a viagem já ia longa e o idoso o interpelou, desconcentrando-o do céu com mais nuvens.

– Olha lá, o que é que tu tanto observas lá fora?
– As nuvens, senhor.
– Por algum motivo em especial?
– Porque adorava dormir com elas e tenho de escolher a melhor.
– Ah, faz sentido. Já encontraste alguma que te agradasse?
– Nem por isso, falta-lhes sempre algo...
– Depende da maneira como as observas.
– O que quer dizer?
– Que é tudo uma questão de perspetiva, até a forma mais estranha pode dar uma boa casa.
– Estou a ver...
– Não estás muito convencido, rapaz. Afinal, qual é o verdadeiro motivo para quereres dormir com as nuvens?
– Porque assim estaria mais perto da minha avó e poderia continuar a vê-la.

Uma lágrima cheia de saudades caiu ao chão. Entre os dois esgotaram-se as palavras, mas entenderam-se na perda e prosseguiram a viagem lado a lado, ligados por um fio invisível que só um coração partido pode sentir.

Fotografia da minha autoria



Uma viagem literária para descobrirmos os nossos autores


A preparação do Alma Lusitana, para a edição deste ano, incluiu um sorteio amador, de modo a definir a ordem dos autores. Assim, em agosto, calharam dois nomes que estou ansiosa por descobrir: Susana Piedade, porque só leio maravilhas da sua escrita e das suas histórias, e Hugo Van Der Ding, porque tem um humor e uma rubrica que me fascinam. Sinto que estão reunidas todas as condições para uma viagem extraordinária.


SUSANA PIEDADE

Natural do Porto, é mestre em Ciências da Comunicação, com especialidade em Marketing e Publicidade. Apesar disso - ou também por isso -, «a paixão pela escrita veio para ficar». Com três livros publicados, foi, por duas vezes, finalista do Prémio Leya (2015 e 2021). Tem um conto no projeto Mapas do Confinamento.

      

As Histórias Que Não Se Contam: «Ana pergunta-se como seria hoje o seu dia-a-dia se tivesse sabido detetar no namorado os indícios da doença que o levou inesperadamente. Isabel, seis meses depois da tragédia que lhe virou a vida do avesso, ainda se sente culpada por não ter chegado a horas ao infantário naquela tarde de chuva. Marta, que ousou abandonar, ainda adolescente, uma casa onde era maltratada, não tem agora a coragem de confessar que o amor em que apostou tudo está longe de ser um mar de rosas. São três mulheres jovens, com a vida inteira pela frente, mas para quem o presente se tornou um fardo difícil de carregar e o futuro um tempo sem qualquer esperança. Quem poderia entender a sua dor incomparável? Para quê, então, contarem as suas histórias?».

O Lugar das Coisas Perdidas: «Numa pacata vila de província, uma criança desaparece misteriosamente a caminho da escola, deixando a mãe em estado de choque e os vizinhos incrédulos e alvoroçados. No início, todos se oferecem para ajudar Mariana a encontrar a filha, mas, como sempre acontece nos meios pequenos, as intrigas, os medos e as desconfianças acabam por desenterrar histórias do passado e segredos que se julgavam a salvo, desencantando um culpado em cada esquina».

Três Mulheres no Beiral: «Em plena Baixa do Porto há uma rua icónica com uma fiada de prédios, onde os modos tripeiros convivem com a música dos artistas, a sinfonia das obras, a vozearia dos bares e os bandos de turistas curiosos. É numa dessas casas que vive a octogenária Piedade desde que se lembra e onde tem amigas de longa data. Mas o terror instala-se quando - ofuscados pelo potencial deste Porto Antigo - os proprietários e investidores não olham a meios para se livrarem dos velhos inquilinos, que vão resistindo às suas ameaças como podem, mas começam a sentir na pele as represálias».


HUGO VAN DER DING

Reza a lenda que «nasceu por acidente em Paris, durante uma visita da mãe às Catacumbas da Cidade-Luz. Estudou Arquitetura na Universidad de Gran Colombia, em Bogotá, com doutoramento em Urbanismo Rural». Em 2010, chegou a Lisboa e acabou por ficar, «vivendo da escrita, dos desenhos, da rádio e das esmolas».

      

Vamos Todos Morrer: «Joana d'Arc, Pablo Escobar, Maria Antonieta, Santo António, Rosa Parks, Napoleão, Ada Lovelace, Saramago, Lucrécia Bórgia, Jesus Cristo, Sartre, Lady Di, Bob Marley: todos mortos. Não vale a pena esperar outra coisa da vida a não ser o seu fim. Porém, como dizia Camões, há aqueles que se vão da lei da morte libertando e, em vez de irem fazer tijolo, fazem História nem sempre pelas razões mais nobres, mas é, provavelmente, para o lado que dormem melhor».

O Lixo na Minha Cabeça: «De Juliana Saavedra, a psicanalista que deixa os pacientes na merda, a Celeste da Encarnação, velha mas moderna, passando pel’ As Aventuras da Dra. Messalina, Duas Amigas, Dois Astronautas, Dates From Hell e muito, muito mais, sem esquecer - curiosamente - Esteves & Marina e as suas mocas de erva: eis uma seleção altamente criteriosa dos melhores e piores bonecos de um homem que não sabe desenhar, mas por acaso até se safa a mandar umas bocas».

O Misantropo (a partir Molière): «É noite de estreia. O Misantropo, de Molière, será representado pela primeira vez em Portugal, perante o rei e a Corte, mas o espetáculo está longe de estar pronto. Nos bastidores, uma trupe de atores que se juntaram pelas mais diversas razões encontra-se de nervos à flor da pele. Cada qual está disposto a muito - ou a tudo -, mesmo antes de se ouvirem as pancadas de Molière. Entre eles, há um homem avesso aos seres humanos, movido por um completo desprezo pela sociedade».


O Alma Lusitana no Goodreads

Fotografia da minha autoria



«Uma boa leitura é terapia para a alma»


A minha dinâmica após o término de uma nova leitura cumpre quase sempre as mesmas etapas: anotar curiosidades no Bullet Journal Literário, acrescentar a música que lhe associei à playlist e atualizar o Goodreads com um comentário e o número de estrelas atribuídas ao livro - e faço o mesmo na aplicação Desvaneio. No entanto, já há algum tempo que me debato com a pertinência de classificar as obras que leio.


CLASSIFICAR OS LIVROS LIDOS

Sou de letras - de alma e coração, e só não sou de formação porque desviei a rota -, portanto, gosto mais da hipótese de desenvolver a minha opinião por escrito do que da hipótese de a reduzir a um número que, no final, revela pouco daquilo que a história me fez sentir. Ainda assim, via este recurso como um complemento.

Inicialmente, recorria ao Goodreads para registar as estrelas e deixava a apreciação completa para o blogue, mas, depois, comecei a pensar em dois cenários: 1) a mesma classificação não tem o mesmo significado para livros distintos; 2) colocando-me no lugar de um autor, não gostaria de ver um título meu com uma classificação mais baixa sem qualquer justificação. O leitor não tem essa obrigação, porém, acho mais cordial quando fundamentamos o nosso ponto de vista. Deste modo, passei, também, a incluir um comentário na plataforma.

Classificar os livros lidos era, ainda, uma maneira mais fácil para organizar os melhores do ano, em dezembro. No entanto, com alguma distância, compreendi que nem sempre os livros de cinco estrelas eram aqueles que perduravam na memória, o que só aumentou a minha dúvida em relação a continuar a atribuir-lhes uma nota.


DEIXAR DE ATRIBUIR NOTAS AOS LIVROS LIDOS

Na sequência do pensamento anterior, este ano, estou a ler mais obras de não ficção. Dentro do género, os memoirs (livros de memórias) levam um avanço considerável e tornaram-se responsáveis por este debate, porque me parece desleal classificar a vida de alguém. Embora as minhas estrelas sejam um reflexo da estrutura e da parte técnica, fica a sensação de estar a avaliar a jornada das pessoas e não é esse o propósito.

Em conversa com uma amiga, analisei melhor a opção de não voltar a atribuir notas aos livros lidos e decidi avançar com esta prática. Se, num primeiro momento, a ideia passava por retirar só as estrelas dos livros autobiográficos, rapidamente estendi a todos os outros que descobri, este ano. Deste modo, a partir de agora, o número de estrelas deixará de ser visível nas minhas plataformas literárias, sinto que é mais justo assim.

O impacto de uma leitura, para o bem e para o mal, nunca poderá ser limitado a um número, por mais que a escala seja vasta. Há um laço afetivo, emocional que nos aproxima ou que nos afasta daquela narrativa e isso só pode ser representado através de um discurso honesto, desenvolvido, com margem para explorar variados tópicos. Os livros que nos marcam verdadeiramente nunca nos deixam e não há nota alguma que o demonstre.

Fotografia da minha autoria



«O medo aprisiona, a esperança liberta»

Avisos de Conteúdo: Cenas Explícitas, Saúde Mental, Referência a Suicídio


A sociedade, em vários parâmetros, atribui muita importância aos números - enquanto aluna de Humanidades, escutei sempre o estigma de ser uma área mais fácil, de ter ido para essa área para fugir à matemática. Embora o livro de Samuel Pimenta não explore esta vertente, o título remeteu-me para o ambiente descrito.


OS NOMES VS OS NÚMEROS

Os Números Que Venceram os Nomes representa um mundo distópico, no qual Um Nove Um Seis, um jovem que trabalhava num call center, preso à tecnologia, é internado num hospício. Durante esse tempo, partilha quarto com um velho, que «lhe fala da resistência ao regime» e é a partir deste ponto que as coisas se alteram.

«Eram tantos os humanos que corriam dentro das suas gaiolas 
estáticas sobre as bancadas de uma qualquer sala de estar»

Neste livro, existe uma pergunta que se repete em surdina e, pouco a pouco, a identidade é completamente descaracterizada, atendendo a que se ergue uma ditadura global. Assim, nesta comunidade controlada pelo governo, as memórias perdem força e os nomes são, por consequência, substituídos por números. Enquanto os primeiros criam desordem, pela sua pluralidade, os segundos fomentam um estilo organizado, que não concede espaço para interpretações abstratas, dúbias. É que «os nomes obrigam a questionar», mas os números «definem» e eu gostei bastante desta oposição, desta dicotomia que também fomenta uma divisão.

«Explicou também que a poesia é o que mais se aproxima da essência das coisas»

A premissa é intrigante e envolve-nos de imediato. Aliás, a escrita do autor é fluída, levando-nos a transitar entre o presente e imagens de um passado distante, vago. Não obstante, precisava de mais: precisava de saber mais sobre a fórmula matemática que comprova a existência de Deus, precisava de saber mais sobre os efeitos destas mudanças na sociedade, precisava de compreender a origem de certas decisões e, também, precisava de mais detalhes acerca deste mundo novo, das fronteiras que se ultrapassam para lá chegar.

«A dúvida sobre que caminho escolher pode intimidar-te, mas o verdadeiro livre-arbítrio é esse»

Apesar de alguns aspetos não terem resultado comigo, acredito que Os Números Que Venceram os Nomes tem potencial, até por nos permitir refletir sobre liberdade, essência e as batalhas que travamos por dentro.


🎧 Música para acompanhar: Devagar, Ornatos Violeta


Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: O blogue é afiliado da Wook e da Bertrand. Ao adquirirem o[s] artigo[s] através dos links disponibilizados estão a contribuir para o seu crescimento literário - e não só. Muito obrigada pelo apoio ♥

Mensagens mais recentes Mensagens antigas Página inicial

andreia morais

andreia morais

O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá


o-email
asgavetasdaminhacasaencantada
@hotmail.com

portugalid[arte]

instagram | pinterest | goodreads | e-book | twitter

margens

  • ►  2025 (136)
    • ►  julho (12)
    • ►  junho (19)
    • ►  maio (21)
    • ►  abril (22)
    • ►  março (21)
    • ►  fevereiro (19)
    • ►  janeiro (22)
  • ►  2024 (242)
    • ►  dezembro (24)
    • ►  novembro (17)
    • ►  outubro (17)
    • ►  setembro (18)
    • ►  agosto (12)
    • ►  julho (23)
    • ►  junho (20)
    • ►  maio (23)
    • ►  abril (22)
    • ►  março (21)
    • ►  fevereiro (21)
    • ►  janeiro (24)
  • ▼  2023 (261)
    • ►  dezembro (23)
    • ►  novembro (22)
    • ►  outubro (22)
    • ►  setembro (21)
    • ►  agosto (16)
    • ▼  julho (21)
      • MOLESKINE DE JULHO
      • ESTANTE CÁPSULA JUKEBOX (7)
      • CLUBE LEITURAS DESCOMPLICADAS ◾ FLECHA, MATILDE CA...
      • ADORAVA DORMIR COM AS NUVENS
      • ALMA LUSITANA: OS AUTORES DE AGOSTO
      • DEIXAR DE ATRIBUIR NOTAS AOS LIVROS
      • ALMA LUSITANA ◾ OS NÚMEROS QUE VENCERAM OS NOMES, ...
      • CARACÓIS NA LUA ◾ DECADÊNCIA
      • ESTANTE CÁPSULA ◾ CADERNO DE ENCARGOS SENTIMENTAIS...
      • PAVILHÃO DA ÁGUA
      • ALMA LUSITANA ◾ E AGORA?, RAQUEL SEM INTERESSE
      • JUKEBOX ◾ AGORA VIRA, EDMUNDO INÁCIO
      • ESTANTE CÁPSULA ◾ MAR NEGRO, ANA PESSOA
      • OS NOVOS PODCASTS NA MINHA BIBLIOTECA
      • ALMA LUSITANA ◾ ECOLOGIA, JOANA BÉRTHOLO
      • A MANEIRA COMO DEMONSTRAMOS AMOR PELOS OUTROS
      • ESTANTE CÁPSULA ◾ NA TERRA SOMOS BREVEMENTE MAGNÍF...
      • LER A DIFERENÇA ◾ GÉNERO QUEER, MAIA KOBABE
      • JUKEBOX ◾ NÃO VÁS JÁ, MIMI FROES
      • UM SEMESTRE DE LEITURAS '23
      • CARACÓIS NA LUA ◾ O AVESSO
    • ►  junho (22)
    • ►  maio (25)
    • ►  abril (23)
    • ►  março (24)
    • ►  fevereiro (20)
    • ►  janeiro (22)
  • ►  2022 (311)
    • ►  dezembro (23)
    • ►  novembro (22)
    • ►  outubro (21)
    • ►  setembro (22)
    • ►  agosto (17)
    • ►  julho (25)
    • ►  junho (30)
    • ►  maio (31)
    • ►  abril (30)
    • ►  março (31)
    • ►  fevereiro (28)
    • ►  janeiro (31)
  • ►  2021 (365)
    • ►  dezembro (31)
    • ►  novembro (30)
    • ►  outubro (31)
    • ►  setembro (30)
    • ►  agosto (31)
    • ►  julho (31)
    • ►  junho (30)
    • ►  maio (31)
    • ►  abril (30)
    • ►  março (31)
    • ►  fevereiro (28)
    • ►  janeiro (31)
  • ►  2020 (366)
    • ►  dezembro (31)
    • ►  novembro (30)
    • ►  outubro (31)
    • ►  setembro (30)
    • ►  agosto (31)
    • ►  julho (31)
    • ►  junho (30)
    • ►  maio (31)
    • ►  abril (30)
    • ►  março (31)
    • ►  fevereiro (29)
    • ►  janeiro (31)
  • ►  2019 (348)
    • ►  dezembro (31)
    • ►  novembro (30)
    • ►  outubro (29)
    • ►  setembro (30)
    • ►  agosto (16)
    • ►  julho (31)
    • ►  junho (30)
    • ►  maio (31)
    • ►  abril (30)
    • ►  março (31)
    • ►  fevereiro (28)
    • ►  janeiro (31)
  • ►  2018 (365)
    • ►  dezembro (31)
    • ►  novembro (30)
    • ►  outubro (31)
    • ►  setembro (30)
    • ►  agosto (31)
    • ►  julho (31)
    • ►  junho (30)
    • ►  maio (31)
    • ►  abril (30)
    • ►  março (31)
    • ►  fevereiro (28)
    • ►  janeiro (31)
  • ►  2017 (327)
    • ►  dezembro (30)
    • ►  novembro (29)
    • ►  outubro (31)
    • ►  setembro (30)
    • ►  agosto (17)
    • ►  julho (29)
    • ►  junho (30)
    • ►  maio (24)
    • ►  abril (28)
    • ►  março (31)
    • ►  fevereiro (28)
    • ►  janeiro (20)
  • ►  2016 (290)
    • ►  dezembro (21)
    • ►  novembro (23)
    • ►  outubro (27)
    • ►  setembro (29)
    • ►  agosto (16)
    • ►  julho (26)
    • ►  junho (11)
    • ►  maio (16)
    • ►  abril (30)
    • ►  março (31)
    • ►  fevereiro (29)
    • ►  janeiro (31)
  • ►  2015 (365)
    • ►  dezembro (31)
    • ►  novembro (30)
    • ►  outubro (31)
    • ►  setembro (30)
    • ►  agosto (31)
    • ►  julho (31)
    • ►  junho (30)
    • ►  maio (31)
    • ►  abril (30)
    • ►  março (31)
    • ►  fevereiro (28)
    • ►  janeiro (31)
  • ►  2014 (250)
    • ►  dezembro (31)
    • ►  novembro (30)
    • ►  outubro (28)
    • ►  setembro (23)
    • ►  agosto (13)
    • ►  julho (27)
    • ►  junho (24)
    • ►  maio (18)
    • ►  abril (16)
    • ►  março (14)
    • ►  fevereiro (11)
    • ►  janeiro (15)
  • ►  2013 (52)
    • ►  dezembro (13)
    • ►  novembro (10)
    • ►  outubro (9)
    • ►  setembro (11)
    • ►  agosto (9)
Com tecnologia do Blogger.

Copyright © Entre Margens. Designed by OddThemes