ferry, djaimilia pereira de almeida

Fotografia da minha autoria


«Quando não sabemos quem somos, o mundo é o mais excitante dos lugares»

Gatilhos: Saúde Mental, Maternidade


A Estação de S. Bento, no Porto, acolheu-me para fotografar o livro de Djaimilia Pereira de Almeida. Embora não tivesse um ferry ao meu alcance, ocorreu-me ir para um local que também pudesse ser palco de uma fuga, tal como prometia a premissa desta história. Antes de apontar a câmara, permiti-me observar o ambiente: poucos eram os que partiam, àquela hora, mas eram muitos os que chegavam. Só lhes via o rosto, não podia desvendar as suas vidas, o que lhes corria por dentro. E pensava nisto sem saber o quanto a narrativa que segurava nas mãos era feita destas sombras.


uma relação à prova de tudo

Ferry parte em direção ao Sul e leva os nossos protagonistas, o casal Vera e Albano, rumo a uma nova vida, a uma mudança que, perceberemos mais tarde, lhes traga um pouco de paz. Demorei um pouco a entrar na narrativa, mas assim que me alinhei com o ritmo e a abordagem ficou mais fácil de compreender a neblina.

Do outro lado da margem, e ao qual regressaremos através de memórias, ficam fragmentos do passado, manifestações de uma certa convalescência e a sobrevivência perante dificuldades. Por outro lado, abre-nos a porta para um amor incondicional e para os primeiros traços do delírio que nos levam para uma gruta.

Vera escreve e encontra na escrita uma «prova da sua existência», portanto, este Ferry inclui uma história dentro de outra história; inclui uma mulher a recorrer às palavras, ao seu diário, para extrapolar e, inconscientemente, embarcar num processo de catarse, ainda que a lucidez se vá diluindo. É através da personagem feminina que somos confrontados com esta ideia de duplicidade. E é nesta duplicidade que questionamos sonhos, dores, vazios e a falaciosa noção de verdade: até que ponto é que o encadeamento dos acontecimentos é real? Poderá ser uma imagem forjada?

Neste Ferry, que atravessa águas turvas, encontramos uma relação à prova de tudo, feita de uma fibra sólida. Albano foi um rochedo no meio da tempestade, foi a corda que tantas vezes içou Vera da gruta onde se escondia - e, não tão raras vezes assim, desceu às profundezas com ela. Neste amor que sempre os salvou, encontrei dos gestos mais bonitos, porque cuidar do outro não é fácil. Muitas vezes, não chega estar. Outras, é só isso que é preciso. Aprender a gerir estas oscilações é uma travessia.

A relação é testada muitas vezes e questiona-se tudo aquilo que se ganha e que se perde. Além disso, acompanhando a evolução do casal, refletimos sobre conforto e abismo, sobre o que é dito e o que fica apenas no silêncio da intenção e sobre a intimidade que se estreita com o tempo. Sinto que, neste livro, também se explora a dor daquilo que podia ter sido e não foi e a reestruturação emocional que precisamos de fazer perante qualquer tipo de perda. Depois, centrando-me em Albano, pensei muito na quantidade de vezes que nos anulamos para cuidarmos do outro.

Ferry é uma verdadeira história de amor, que transita entre a fantasia e a lucidez. Mesmo que Vera e Albano precisassem de fugir mil vezes, encontrariam sempre uma maneira de voltar um para o outro, como o fizeram, porque nunca largaram a mão.


🎧 Música para acompanhar: What a Difference a Day Makes, Dinah Washington

📖 Outros livros lidos: Luanda, Lisboa, Paraíso | Esse Cabelo | Maremoto


Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

10 comments

  1. Acho que ia gostar! :)

    www.amarcadamarta.pt

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  2. Já quero ler!
    Obrigada pela partilha, minha querida.
    Beijinho grande.

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  3. Adorei a foto *.* A estacao de Sao Bento continua a ser dos meus lugares preferidos *.* Fiquei curiosa com a sugestao ;)

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    1. É um dos lugares mais bonitos desta cidade. Como resistir? 😍
      Aconselho, minha querida

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  4. Acho lindo história de amor, esse livro é encantador bjs Andreia.

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