o quarto do bebé, anabela mota ribeiro

Fotografia da minha autoria



«Vagueio pela casa, ocupada com nada. Estarei vazia?»

Gatilhos: Maternidade, Doença, Pandemia, Morte


O livro da Anabela Mota Ribeiro apareceu-me em várias publicações e as críticas tão bonitas aguçaram-me a curiosidade. Ainda assim, sabia pouco sobre a sua narrativa e foi desta forma que parti para a leitura.


um diário íntimo

O Quarto do Bebé é descrito como um romance autoficcional em forma de diário íntimo. Aquilo que não somos capazes de distinguir é a fronteira entre o que é real e o que é ficção, entre o que é liberdade criativa e o que se inspira em fragmentos da vida da autora. Mas essa talvez seja a parte menos relevante desta experiência.

O livro foi escrito durante grande parte do confinamento e traz uma premissa curiosa: a filha de um conhecido psicanalista encontra o diário de uma das pacientes do pai, Ester do Rio Arco. Fala Orgânica (nome do diário) torna-se, assim, uma leitura compulsiva, a resvalar para a obsessão. Não só pela curiosidade, não só por ser uma forma de convivência com o falecido pai, mas também por encontrar pontos em comum com a paciente. É fascinante perceber como encadeia cada fragmento.

Este tom compulsivo, de quem não consegue desligar do que lê, passou para o meu lado. Isto é, enquanto leitora, também eu mergulhei a fundo na narração, desejosa de compreender o que viria a seguir. Nem sempre me revi, mas várias foram as ocasiões/passagens em que me identifiquei enquanto mulher. E deslumbrei-me com a capacidade da narradora se colocar a nu na escrita, de mostrar fragilidades, de não ter receio de ser direta, crua, explícita nos medos, nos desejos e, até, na futilidade.

Nesta divisão, «que poderia vir a ser um quarto de bebé», houve algo a nascer, houve algo que se criou e que transcendeu. Nesta divisão, que acompanhou sempre o estado do país, a gerir uma realidade pandémica desconhecida para a maioria de nós, discorreu sobre isolamento (físico e emocional), escrita, morte, doença, perda, raízes, relações de amizade, maternidade, infertilidade, num constante jogo de contrastes; numa constante oposição entre fim e regeneração. Além disso, dividiu atenções com o corpo, quer em relação às suas necessidades, quer em relação a possíveis mudanças.

Este encadeamento narrativo foi sendo feito de uma forma lúcida. Em nenhum momento, Ester omitiu o seu privilégio, aliás, foi franca em relação às portas que isso lhe abriu, ao processo que foi mais célere por ter os conhecimentos certos e acho que este nível de honestidade não pode conceder espaço para julgamentos morais. Nunca se achou mais, apenas agiu de acordo com as armas que tinha a seu favor. Mas não deixa de ser interessante como estas entradas do diário nos permitem refletir sobre questões como estas: refletir sobre como até na doença partimos de casas distintas e nunca jogamos com as mesmas cartas.

O Quarto do Bebé é vulnerável, é um relato sem filtros sobre o vazio, sobre o que é (ou se torna) invisível e sobre tudo aquilo que deixamos de poder contar às nossas pessoas. Confesso que dispensava algumas das referências a Machado de Assis, porque se tornaram excessivas, no entanto, fiquei presa à escrita - ora elegante, ora corriqueira - que nos une às coisas que já não estão, ao que fica, ao que se sobrepõe.


🎧 Música para acompanhar: Preciso Me Encontrar, Cartola


◾ DISPONIBILIDADE

Wook: Livro | eBook
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8 comments

  1. Quero muito ler. Fiquei mesmo curiosa com a narrativa.
    Beijinho grande, minha querida!

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  2. Esta na minha wishlist da Wook para ler *.*

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  3. Não conheço, mas pela tua review sinto que não é um livro para mim, sobretudo nesta fase mais frágil que me encontro.

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